O Festival Internacional de Documentários É TUDO VERDADE, um dos mais importantes eventos cinematográficos do país, chegou ao seu 25º. ano às vésperas da pandemia. Estava marcado para estrear nos cinemas de São Paulo e do Rio de Janeiro no final de março de 2020. Cheguei a participar da coletiva do festival, conduzida por Amir Labaki, seu criador, ao lado dos apoiadores Eduardo Saron, do Itaú, Paulo Casales, do SESC, e Laíz Bodanski, do SpCine, muito pouco tempo antes do fechamento geral que o novo coronavírus obrigou o mundo todo a fazer. O festival foi remarcado para setembro, na esperança de que até lá seria possível realizá-lo presencialmente. Enquanto isso, uma programação on line foi oferecida como aperitivo e complemento. Como estávamos enganados!
Ausentei-me de São Paulo por um longo período, retornando agora, já sabendo que o “É Tudo Verdade” só seria possível mesmo on line. É muito complicado acompanhar um evento dessa grandeza e importância de casa, pela tela do notebook ou mesmo da TV. Do smartphone nem se fala.
Vi alguns filmes disponibilizados para a imprensa com antecedência em relação à sua exibição nas plataformas do festival. E como já intuía, gostei muito do que vi. A programação dos documentários é ótima. Mas me deparei com problemas técnicos de toda ordem. Ter de fazer uma troca de bateria do notebook, tentar estabilizar o sinal de Wi-Fi que estava oscilante, interrupções momentâneas de energia, providências domésticas, atrapalhando a possibilidade de assistir aos filmes desejados. Para completar, o envio pelo UOL Host para as minhas listas está impossibilitado por um apagão deles que já durou, até agora, 15 dias. Por isso, desisti de escrever acompanhando o festival, para fazer comentários só ao final dele. Pelo menos, a gente pode guardar alguns títulos que merecem atenção quando ocorrer o seu lançamento nos cinemas ou em plataformas de streaming. E agradecer pela qualidade do material selecionado e exibido, apesar de todas as dificuldades, e da inevitável frustração de não ver os filmes nos cinemas, não encontrar as pessoas, comentar, compartilhar impressões. Fazer isso por trás das telas, confesso, não me entusiasma.
GOLPE 53, de Taghi Amirani, nos remete ao golpe de Estado, promovido pelos Estados Unidos, que derrubou Mossadegh e interrompeu uma trajetória democrática no Irã. Vieram os tempos de realeza e autocracia do xá Reza Pahlavi, que resultaram finalmente no regime religioso e opressor dos aiatolás. Foi assim que os norte-americanos produziram mais um inimigo. O que os documentos pesquisados também mostram é o papel de grande relevância do Reino Unido nesse golpe, com revelações que ficaram escondidas por todo esse tempo. Dá para entender o que acontece nas relações do Irã com Reino Unido e Estados Unidos, do ponto de vista histórico e político com clareza.
Outro belo trabalho é o do documentário ROLO PROIBIDO, dirigido por Ariel Nasr, que retrata a luta pela sobrevivência dos muitos filmes realizados pelo Afeganistão, tanto os ficcionais como os que preservam a história do país, da revolução comunista às guerras “tribais” que resultaram na opressão talibã. O milagre da salvação do cinema afegão, apesar das queimadas talibãs, mostra o que a paixão pelo cinema pode fazer pela história da humanidade.
COLECTIVE, de Alexander Nanau, da Romênia, parte de um incêndio numa boate, muito semelhante ao que o ocorreu em Santa Maria, RS. Com muitos queimados sendo hospitalizados e mortes, que acabam levando à descoberta de um grande esquema de corrupção por trás do sistema de saúde
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O documentário chinês CIDADE DOS SONHOS, de Weijun Chen, nos leva a agora famosíssima Wuhan, que está na origem da pandemia. Mas a história é anterior, claro. E trata da resistência de um veterano vendedor de rua, de frutas e roupas, que as autoridades municipais decidem desalojar, sem imaginar até onde ele poderia chegar na resistência, na luta pela sobrevivência.
O filme que encerra o festival neste domingo, 04 de outubro, WIM WENDERS-DESPERADO, dirigido pelo australiano Eric Fiedler e por Andreas Frege, é uma boa oportunidade para entrarmos em contato com a figura, as ideias e os métodos de trabalho do grande cineasta alemão Wim Wenders. O documentário aborda toda a produção do diretor, seus sucessos, prêmios, reconhecimento da crítica, mas também suas dificuldades, inclusive o problema que foi o fracasso do filme “Hammett” e o relacionamento conturbado com Francis Ford Coppola. A participação de Coppola em entrevistas, em paralelo à de Wenders, esclarece a questão. E a relação de Wenders com o cinema norte-americano, em que ele sempre buscou atuar. Na verdade, fazendo na América filmes alemães, como os festejados “Paris, Texas” e “O Amigo Americano”. Muitos outros depoimentos complementam a visão desse criador que se joga e salta no escuro quando faz seus filmes. Seu colega de geração, o cineasta Werner Herzog, seu colaborador Ry Cooder, o ator Willem Dafoe, a atriz Andie Mac Dowell e muitos outros contribuem com suas visões para compor o competente retrato de Wim Wenders que o filme consegue montar. Quem quiser ver, pode acessar gratuitamente em www.etudoverdade.com.br
Esses foram os documentários que consegui ver. Lamento não ter visto “A Cordilheira dos Sonhos”, do chileno Patricio Guzmán, que julgo ter sido a pérola do certame. Outra oportunidade virá. Dos documentários brasileiros, tratarei em outro texto.
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