quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

O OFICIAL E O ESPIÃO

Antonio Carlos Egypto





O OFICIAL E O ESPIÃO (J’Accuse).  França, 2019.  Direção: Roman Polanski.  Com Jean Dujardin, Emmanuelle Seigner, Louis Garrel, Grégory Gadebois.  132 min.


Em 28 de fevereiro de 2020 serão conhecidos os grandes vencedores do César, o prêmio máximo do cinema francês, em sua 45ª. edição.  Em número de indicações, já há um favorito, “O Oficial e o Espião” (J’Accuse), de Roman Polanski, indicado a melhor filme, direção, roteiro adaptado, montagem, fotografia, figurino, desenho de produção, trilha sonora, som, além  da indicação a melhor ator para Jean Dujardin e duas indicações a melhor ator coadjuvante para Louis Garrel e Grégory Gadebois.  O filme já levou o Leão de Prata do Festival de Veneza, de modo que não há muita surpresa nisso.

Há concorrentes muito fortes, como “Os Miseráveis”, de Ladj Ly, parisiense, de família imigrante do Mali, que fez um filme poderoso e assustador, ao nos mostrar a que ponto está chegando o confronto na periferia de Paris, que opõe policiais a crianças (isso mesmo) em embates marcados por grande violência. Impressionante o que esse filme faz, inspirando-se em Victor Hugo para refletir sobre a atualidade mais preocupante.  É importante citar também “Graças a Deus”, de François Ozon, “Retrato de uma Jovem em Chamas”, de Céline Sciamma, “Papicha”, de Mounia Meddour, e, ainda inédito por aqui, “La Belle Époque”, de Nicolas Bedos, entre outros. Por aí, a parada é dura.

Há, porém, um outro problema, as acusações de abuso sexual que acompanham a vida do diretor franco-polonês Roman Polanski, desde sempre, e não o abandonam nem quando ele chega aos 86 anos de idade.  Novas revelações sobre fatos dos anos 1970 reacenderam a fúria de grupos de feministas francesas, que prometem agir para se contrapor à consagração do filme e à homenagem que o diretor poderia conquistar.  E não seria a primeira vez que ele seria atingido por protestos.


Roman Polanski


Quem acompanha e gosta de bom cinema tem a obrigação de admirar o talento de cineasta de Polanski.  Sabe também das desgraças que acompanharam a sua vida, da morte de sua mãe em campo de concentração nazista à tragédia do assassinato de sua mulher, Sharon Tate, em 1969, pelo bando do fanático Charles Manson, recentemente relembrada, mudando a história, por Quentin Tarantino, em “Era uma Vez em Hollywood”.  Ou das punições que o atingiram nos Estados Unidos da América.  Nada justifica coisa alguma, se todas as acusações procederem.  Mas rechaçar um filme da qualidade de “O Oficial e o Espião” ou uma obra como a de Polanski no cinema é um verdadeiro crime contra a arte.

Por sinal, o título do filme em francês é justamente “J’Accuse” (Eu Acuso), tirado do texto de Émile Zola que defendia o capitão Dreyfus da acusação injusta de alta traição e, em contrapartida, acusava de forma clara e corajosa os responsáveis no Governo e nas Forças Armadas pela farsa que foi o julgamento daquele judeu, que era dos poucos que atuavam no exército francês, no final do século XIX, e escancarava o preconceito.  O título dado ao filme no Brasil é uma bobagem sem sentido.




O filme de Polanski se debruça sobre o rumoroso, polêmico e prolongado caso Dreyfus, valendo-se do ponto de vista do personagem coronel Picquart, realmente em ótima atuação de Jean Dujardin.  Ele, inconformado com a flagrante injustiça e manipulação do caso, que levou à prisão perpétua de Dreyfus e a seu exílio na longínqua e desabitada ilha do Diabo, resolveu investigar por conta própria.  Com isso, provocou as reviravoltas e a demonstração do erro judicial, o que se arrastou por dez anos até sua resolução.  O caso é muito conhecido, mas merecia o filme que recebeu.  Uma narrativa clássica numa produção esmerada, habilmente dirigida, com grandes desempenhos e um ritmo eficiente e envolvente.

Um belo filme, que merece reconhecimento à altura. “Os Miseráveis” já foi o escolhido da França para representá-la no Oscar de filme internacional e ficou entre os cinco finalistas. “J’Accuse” poderia perfeitamente ser o grande vencedor do César 2020, como suas indicações sugerem.  Tem méritos de sobra para isso.





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