Antonio Carlos Egypto
RETRATO DE UMA JOVEM EM CHAMAS (Portrait de la Jeune Fille em Feu). França, 2019.
Direção: Céline Sciamma. Com
Noémi Merlant, Adèle Haenel, Luána Bajrami, Valeria Golino. 121 min.
“Retrato de Uma Jovem em Chamas” é um
filme que vem recomendado pela conquista de melhor roteiro e Palma Queer do
Festival de Cannes, indicação ao Globo de Ouro de filme estrangeiro e boa
recepção do público nos festivais do Rio e Mix Brasil. Sua diretora, Céline Sciamma, já nos deu,
pelo menos, um filme muito inteligente e sensível: “Tomboy”, em 2011.
Este trabalho, que respira
feminilidade por todos os poros, mostra-se de uma sutileza, delicadeza e
refinamento, que merece atenção. Além do
talento da diretora, um elenco de mulheres sensacional dá força incomum a uma
narrativa que envolve oposição, contraste e aproximação, amor.
Adèle Haenel, no papel de Héloise, uma
mulher da segunda metade do século XVIII, que sai do convento para um casamento
arranjado, sem conhecer o pretendente nem saber nada da vida afetiva, amorosa
ou de obrigações matrimoniais. Um
retrato dela deve ser pintado para ser enviado a seu futuro marido, mas uma
tentativa com um pintor fracassou. É aí que entra em cena Noémi Merlant, no
papel de Marianne, uma pintora firme, decidida e livre, tanto quanto isso era
possível na época para as mulheres.
Do contraste entre uma mulher que luta
para conquistar um espaço próprio na vida e a que está oprimida nos limites
determinados ao feminino na época, estabelece-se um clima, uma tensão sutil.
Do insucesso do pintor anterior deriva
a situação de que Marianne deve pintar Héloise sem que ela saiba que é essa sua
verdadeira função e sem que ela pose, obviamente. Essa situação acaba fazendo com que Marianne
se valha de olhares furtivos e observações cuidadosas do rosto, das mãos, do
corpo e dos movimentos de sua retratada.
Daí para um flerte, uma aproximação afetiva maior e a eclosão do amor é
um caminho que Céline Sciamma explora em clima suave e delicado, quase
silencioso. O filme trata muito de arte,
mas praticamente não usa música.
A caracterização de época se vale não
só das vestimentas múltiplas, pesadas e enfeitadas, sem exageros, mas do
ambiente de uma ilha isolada, aonde só se chega de barco, e de um castelo
preservado, que nunca chegou a ser habitado, nem restaurado, segundo a
diretora. Essa locação bela e isolada
contribui muito para o clima da história.
A questão artística da pintura, que
era o meio de produzir retratos, põe em relevo o que se pode captar da figura
humana, como reproduzi-la fielmente e o que seria isso. Ver não é compreender, não é possível
enxergar sem interagir, sem captar o que vai pelo psiquismo, por melhor que
seja a técnica empregada. É na relação
que se constrói a verdade de cada uma e se dissolvem as diferenças do modo de
estar no mundo. Da troca resulta sempre
algo novo, possível ou não de se desenvolver e de subsistir. A natureza está também em transformação, como
as pessoas. Da terra que sustenta, do ar
que dá a respiração para viver. Do mar,
que leva e traz ondas vivas, para onde se pode correr ou morrer e do fogo que
queima em desejo.
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