A VIDA INVISÍVEL. Brasil, 2019.
Direção: Karim Aïnouz. Com Carol
Duarte, Julia Stockler, Gregório Duvivier, Bárbara Santos, Fernanda
Montenegro. 139 min.
O sétimo longa-metragem do diretor Karim
Aïnouz (de “O Céu de Suely”, 2006, “Madame Satã”, 2002, “Praia do Futuro”,
2014) é um melodrama muito bem realizado, que está indicado pelo Brasil a
concorrer ao Oscar de filme internacional.
Já vem conquistando prêmios importantes nos grandes festivais de cinema
no mundo, como o Grand Prix da Mostra Un
Certain Regard, em Cannes, mas também em Munique e Lima. Tem recebido
fortes elogios da crítica em todos os lugares e já foi vendido para exibição em
mais de 30 países. Baseia-se livremente
no romance de Martha Batalha A Vida
Invisível de Eurídice Gusmão, um texto que coloca as mulheres, seus
sentimentos, desejos e expectativas em primeiro plano.
Realmente, “A Vida Invisível” tem foco na
questão feminina, na batalha que é para as mulheres suportar a carga da
sociedade patriarcal, num período em que as perspectivas de enfrentá-la no
Brasil eram praticamente nulas: os anos 1950.
Torna-se, portanto, um filme de época. Questões como a virgindade e sua
face complementar, a prostituição, pesam toneladas no contexto familiar e
social. A gravidez, com tudo o que ela
traz de significado e consequências permanentes para as mulheres que, querendo
ou não, devem demonstrar desejo de ter filhos e instinto maternal, acima de qualquer
outra pretensão de realização, profissional ou não. Num tempo em que a
anticoncepção estava muito limitada e antes da chegada da pílula e da
consequente revolução sexual dos anos 1960, tudo era terrivelmente dramático
nesse terreno. O machismo dominava
absoluto. E, como vemos no filme, de forma opressora e selvagem.
Em “A Vida Invisível”, as tintas do folhetim
estão a serviço dessas questões, procurando produzir reflexão e subsidiar
caminhos libertadores. A novela não se
coloca aqui como aplacadora, tranquilizadora ou apaziguadora, de uma vida de
frustrações femininas. Embora seja doído
constatar que, no fim da vida, Eurídice não tenha uma carreira de pianista para
celebrar, mas cartas para ler que nunca lhe foram entregues.
A trama envolve o relacionamento entre duas
irmãs que se amavam e se apoiavam muito, que acabam separadas pela vida e pelo
moralismo dominante no ambiente social em que os homens dão as cartas,
insensíveis aos sentimentos femininos. Embrutecidos pelo mesmo tecido social que
castra sua sensibilidade.
Julia Stockler (Guida Gusmão) e Carol Duarte
(Eurídice Gusmão) protagonizam as figuras femininas, que recebem o
extraordinário reforço de Fernanda Montenegro, no papel de Eurídice idosa, numa
participação especial tão importante, que é um dos trunfos do filme. É sempre
bom lembrar que Fernanda é a representação simbólica da própria cultura
brasileira, tal o papel que sempre desempenhou nela. E continua muito ativa e
forte, aos 90 anos, como demonstrou na coletiva de imprensa referente ao filme,
em que brilhou nos seus comentários e na própria organização da mesa de
debates. Uma figura humana admirável, a
maior atriz que já vi em cena.
Gregório Duvivier, o talentoso humorista e
cronista que admiramos da Porta dos
Fundos, dos artigos na Folha e na atuação política, se sai muito bem no
papel dramático de um machista incorrigível, tudo o que ele não quer ser. E, de resto, o trabalho de todo o elenco
está muito afinado com a proposta do filme.
Karim Aïnouz fez, desta vez, um filme que
conta mais a história, o que ele costumava quebrar, evitando a
convencionalidade da narrativa. Isso foi apontado pelo produtor Rodrigo
Teixeira, que tem esperança de que, com isso, o público possa se ampliar. Porque o talento já está reconhecido
amplamente pela crítica, o público também tem respondido bem, mas Karim Aïnouz
não costuma se dispor a fazer concessões.
Não que as tenha feito aqui. A
forma de melodrama populariza, mas está a serviço de uma discussão profunda e
realizada com grande competência.
“A Vida Invisível” foi exibida pela primeira
vez em São Paulo, na 43ª. Mostra Internacional de Cinema.
Nenhum comentário:
Postar um comentário