DIVINO AMOR.
Brasil, 2017. Direção: Gabriel
Mascaro. Com Dira Paes, Júlio Machado,
Emílio de Mello, Teca Pereira. 101 min.
No filme “Divino Amor”, de Gabriel Mascaro, a
narrativa traz um Brasil mudado, em 2027, menos de dez anos a partir
daqui. Nosso país continuaria
nominalmente um Estado laico, porém, as denominações religiosas evangélicas
neopentecostais teriam ampliado sua inserção num contexto de controle social e
conquistado espaços que chegam a comprometer a laicidade e a diversidade
religiosa.
Parece difícil crer nessa possibilidade, mas
sustenta-se que o Carnaval não será mais nossa principal festa popular, será
superado pela festa do Amor Supremo. Raves do Divino, com a modernidade do neon e Drive Thru Oração já estarão bem estabelecidos. E na igreja do Divino Amor a prática sexual
inclui o swing divino, mas a troca de
casais é angustiante e visa à recuperação dos casados e dos problemas de
fertilidade. Quem ama não trai,
divide. Não é pornografia, é religião,
ou religião pornográfica.
Enfim, temos aí uma distopia. Plausível?
Sim. Algumas coisas já estão
claramente aí, ou à vista. Outras,
parecem ainda delirantes. Isso é bom ou
é mau?
Segundo a concepção do filme, isso é apenas
constatação. As coisas estão mudando,
até já mudaram, e é preciso enxergar o que está acontecendo. Pode deixar você muito feliz diante dos
“novos rumos”, extremamente preocupado ou mesmo em pânico. Cada um faz suas escolhas.
Só que não dá para ser neutro diante da
narrativa apresentada. Joana (Dira Paes)
é funcionária de um cartório e uma de suas principais tarefas é viabilizar
legalmente os divórcios. Ela é, porém,
profundamente religiosa e devota à fidelidade conjugal. Usa de sua função para convencer os casais a
tentar mais uma vez e os encaminha à sua igreja do Divino Amor. Uma atitude autoritária, que desrespeita as
pessoas e agride a Constituição. Não
pode. Como respeitar a crença dela, se
ela força a barra junto aos outros?
Outro aspecto que o filme apresenta é a forma
como a igreja do Divino Amor lida quando a crise do casamento atinge a própria
Joana. Falta lastro e sustentação. Cai a máscara. Ela pode permanecer eternamente apegada ao
seu Deus, mas essa religião não passa no teste.
Claramente.
Enfim, é óbvio que todas as pessoas e todas as
religiões merecem respeito e a liberdade de culto ou adesão ao ateísmo devem
ser inteiramente livres. No entanto, é
preciso respeitar os condicionantes coletivos, aceitar a diversidade e a
contestação das crenças estabelecidas.
Caso contrário, vamos cair num individualismo que não nos levará a um
bom porto civilizatório.
A provocação do filme de Gabriel Mascaro vale,
especialmente para o momento que estamos vivendo no Brasil. Embora tenha sido concebido e realizado um
pouco antes do presente momento. É
sempre bom ver Dira Paes em cena, ela é muito boa atriz e todo o elenco vai bem
aqui. É uma reflexão oportuna. O filme pode incomodar, até pelo erotismo que
se associa de forma algo inusitada ao tema.
E se o caminho for mesmo o do controle religioso concreto dos corpos e
de suas funções? Não dá para descartar
essa possibilidade, tal como o filme a mostra, mesmo sendo improvável que haja
espaço para tanto. Quanto ao Carnaval,
espero que resista como elemento cultural libertador frente ao moralismo
cerceador.
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