A ESPIÃ VERMELHA (Red Joan). Reino Unido,
2018. Direção: Trevor Nunn. Com
Judi Dench, Sophie Cookson, Tom Hughes, Stephen Campbell Moore, Tereza Srbova,
Ben Miles. 101
min.
Quando se fala de espionagem, a ideia
imediatamente associada a ela é a de traição.
Traição a seu país, à sua causa política, aos seus companheiros de
trabalho ou militância, a seus amores, amigos, familiares. Mas o mundo é complexo e muitos elementos
entram nessa equação. Por exemplo, num
tempo de guerra, há alianças. Será correto que um país aliado esconda
informações essenciais do outro? A
lealdade a um país não poderia ser um entrave ao equilíbrio necessário para
reconquistar a paz mundial?
No terreno das relações pessoais, como amar e
se dedicar a alguém que professa teses arriscadas, que soam parciais ou
manipuladas? Enfim, é possível e
desejável dormir com o inimigo? É justo
excluir amigos e familiares de informações que podem colocá-los em risco? Por outro lado, deixá-los na ignorância pode
ser uma forma de protegê-los? E aos
companheiros de militância política ou científica é possível omitir ou
compartilhar dados sigilosos? Em que
medida e com que objetivo?
Todas essas questões perpassam a leitura do
romance “A Espiã Vermelha” (Red Joan), de
Jennie Rooney, uma criação inspirada em fatos e personagens reais da história,
no Reino Unido, no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, passou por
toda a conflagração e continuou após a bomba atômica, em Hiroshima, e a vitória
dos aliados ocidentais e da União Soviética.
A personagem da espiã Joan Stanley é complexa
e cheia de nuances, sentimentos, valores, lealdades pessoais e políticas. Inspirada livremente numa espiã britânica, Melita
Norwood, que agiu municiando a União Soviética de informações sigilosas. Só foi descoberta 50 anos após, quando já
contava com 87 anos de idade, levando uma vida calma e tranquila nos subúrbios
londrinos, viúva e com um filho advogado.
O filme homônimo, de Trevor Nunn, adapta essa
história surpreendente e atraente, respeitando a proposta do livro, mas
reduzindo significativamente o impacto político e a força que esse envolvimento
tem na vida da personagem principal e de seus contatos mais importantes: Max,
Leo, Sonya, William, Nick.
O comunismo como ideia força dessa juventude
retratada, o papel heróico e ambíguo de Stalin na guerra (haja visto o pacto de
não-agressão firmado com Hitler), a opressão que se seguiu, assim como o papel
do Reino Unido como aliado preferencial dos norte-americanos, porém, reticente
em relação aos soviéticos, o rompimento do que restava do pacto civilizatório
com o ataque brutal da bomba em Hiroshima e Nagasaki e o desequilíbrio do mundo
com a emergência da superpotência dos Estados Unidos, tiveram um papel de
fundamental relevo na trama. Que é claro
no livro, mas tímido no filme.
Os elementos romãnticos da narrativa são mais
explorados pelo filme do que talvez fosse necessário. Parece que houve uma preocupação de tornar
mais palatável ao grande público uma trama que deixasse a contextualização
política num plano mais geral, sem entrar em muitos detalhes. No entanto, a espionagem em si é apenas um
elemento do sentimento político reinante nesse período da história. Não é o centro dela, embora seja o elemento
detonador que une o hoje ao passado.
Evidentemente, o nome da grande atriz inglesa
Judi Dench, que faz Joan idosa nos dias atuais, vai atrair o público aos
cinemas. Seu papel, porém, é
relativamente pequeno, já que o maior tempo é dedicado ao relembrar do passado
que está sub judice da Joan jovem, papel de Sophie Cookson, que
está bem, mas não passa a densidade política que a personagem precisaria
ter. O elenco como conjunto é muito bom,
a produção é bem cuidada, a caracterização de época é ótima, oferecendo um
programa cinematográfico de boa qualidade.
O livro que inspirou o filme, lançado pela editora Record, aprofunda
questões que “A Espiã Vermelha”, no cinema, não conseguiu explorar
suficientemente.
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