Antonio Carlos
Egypto
O MAU EXEMPLO DE CAMERON POST (The Miseducation of Cameron Post). Estados Unidos, 2018. Direção: Desiree Akhavan. Com
Chloë Grace Moritz, Sasha Lane, Steven Hauck, Quinn Shepard. 91 min.
Quando a religião se opõe ao conhecimento
científico e tem poder para agir neste sentido, muito sofrimento humano vem à
tona. Não estou pensando no que se
passou na Idade Média, nem me referindo a Galileu Galilei. Estou falando de hoje, do século XXI e da
absurda ideia da chamada “cura gay”,
assunto do filme “O Mau Exemplo de Cameron Post”.
Tratamento ou cura só podem se referir a uma
doença que, no caso, não existe. O
desejo homossexual é legítimo e não constitui nenhum tipo de problema ou
enfermidade. Até alguns anos atrás,
ainda havia dúvidas ou reticências.
Hoje, não. A medicina, a psicologia, as ciências humanas em geral, já se
manifestaram de forma muito clara quanto a isso. Cito a Organização Mundial de Saúde e as
instituições médicas mundo afora. Os
órgãos normativos de psicologia no Brasil, os Conselhos Regionais e o Conselho
Federal de Psicologia, condenam qualquer tipo de psicoterapia que tenha por
objetivo transformar o desejo homossexual em heterossexual como charlatanismo e
aplicam as devidas sanções aos profissionais que infringem a norma.
No entanto, existem instituições religiosas
que persistem nessa ideia, falando em pecado, ações do demônio e coisas desse
tipo, altamente opressivas, ainda que apresentadas de forma delicada e com
aparente boa intenção. Acontece que é um grande equívoco – é algo inadequado,
inútil e cruel, que só reforça o preconceito social e o sentimento de
autorrejeição nos sujeitos elegíveis para esse gênero de tratamento.
O filme, dirigido por Desiree Akhavan,
baseia-se no romance de inspiração autobiográfica, de Emily M. Danforth, que
trata daquelas jornadas de descobertas da sexualidade das meninas adolescentes,
numa pequena cidade interior dos Estados Unidos, em torno dos 12, 13 anos de
idade. A busca inocente de um beijo e de
um toque em outra menina, sem muito clareza do que isso significa, acende um
desejo ainda indefinido, mas capaz de carregar culpa, frente ao modo como a
sociedade age nesse assunto. Algo que
ocorre para a jovem Cameron (Chloë Grace Moritz) em meio a uma grande tragédia
familiar, a perda dos pais num acidente terrível na cidade.
O fato é que a tentativa de “solucionar o
problema” da homossexualidade de Cameron acaba por levá-la ao centro de
recuperação para jovens “Promessa de Deus”, em 1993, onde se pratica a tal da
cura gay.
Na vulnerabilidade daquele momento de vida, e
de um desejo que vai se moldando, a jovem vai viver uma experência opressiva,
agressiva, totalitária, com luvas de pelica, disciplina e muitas orações. Lá, ela acabará por encontrar parceiros com
quem se identificar e poderá, finalmente, entender quem ela é e como deve se
comportar no mundo. À margem da farsa
daquele tratamento, é claro. O filme é
importante por revelar as entranhas dessa história toda e focar nos sentimentos
e desejos da garota.
É uma produção estadunidense independente,
exibida no Festival de Sundance, com ótima acolhida crítica e prêmios em outros
festivais. A distribuição brasileira é
da Pandora Filmes, que acertou uma parceria com a rede Cinépolis, presente em
cinemas de shopping de todo o Brasil, para lançar quinzenalmente filmes
independentes, de boa qualidade artística, na rede. Isso é importante porque abre uma janela de
exibição nacional para filmes que não costumam chegar ao grande público.
BOY ERASED
Já que estamos falando de filme que aborda a
polêmica cura gay, “Boy Erased – A Verdade Anulada”,
dirigido por Joel Edgerton, com Lucas Hedges e Nicole Kidman, que também trata
do tema e vem bem recomendado, sai em DVD no Brasil, a partir de 17 de abril.
Esse foi o caminho adotado pela Universal
Pictures, que desistiu de lançá-lo nos cinemas, alegando uma decisão
mercadológica, após fraco desempenho do filme nos Estados Unidos. Segundo ela, o custo da campanha para
promover o filme aqui não compensaria o provável baixo desempenho nas
bilheterias. É estranho. O resultado foi modesto, mas o filme não
fracassou lá. Muito tem se falado de que
essa decisão refletiria o clima atual da política brasileira, com ideias muito
conservadoras e homofóbicas em alta. O
autor do livro que deu origem ao filme, Garrard Conley, lamentou que esse tipo
de coisa aconteça num país tão incrível como Brasil. O ator, Kevin McHale, protestou no twitter,
indicando que o presidente Jair Bolsonaro estaria envolvido nessa censura. Bolsonaro, também pelo twitter, negou qualquer participação nisso. Disse que tem mais o que fazer.
Bom saber da parceria com cinemas de shopping lançando filmes que fogem dos convencionais. Sofre-se no interior paulista pela falta de boas opções
ResponderExcluirEssa realmente é uma boa notícia. Vamos torcer para que o público compareça para que o projeto tenha vida longa.
Excluir