Antonio Carlos
Egypto
Quero apontar mais alguns destaques da 42ª.
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo: filmes que não foram objeto de
prêmio e, talvez, não figurem nas listas de melhores da Mostra de muita gente,
mas são belos trabalhos que merecem ser lembrados, no meu modo de ver.
PROCURANDO
POR INGMAR BERGMAN, documentário alemão, dirigido por Margarethe
von Trotta, é mais uma homenagem ao centenário de nascimento do grande cineasta
sueco. Muito boa, por sinal. Ela explora o legado do cineasta, colhendo
dados de seus colaboradores na criação dos filmes e do filho que não costuma
ser ouvido e tem um ponto de vista sobre a relação distante e difícil com o pai
e o trabalho onipresente dele.
Margarethe reconhece a enormidade dessa obra cinematográfica e também da
literária, em argumentos e roteiros brilhantes, a partir da própria experiência
pessoal e influência em suas escolhas profissionais. Ela também explora a dimensão da vida de
Ingmar Bergman (1918-2007), relacionada à sua poderosa arte.
Muito diferente disso é o curta de animação
sueco VOX LIPOMA, de Jane Magnusson,
que se compraz em interpretar o lipoma facial que acometeu Bergman e destrói a
reputação do cineasta junto às mulheres.
Bobagem. Afinal, Bergman criou
algumas das mais importantes personagens femininas em seus filmes. Isso é o que fica.
PROCURANDO POR INGMAR BERGMAN |
PEREGRINAÇÃO,
de Julio Botelho, é um filme histórico, muito instigante. Foi indicado por Portugal para o Oscar de
filme estrangeiro. Conta as aventuras do
explorador português Fernão Mendes Pinto, narradas num livro publicado
postumamente, nos idos de 1614. As
aventuras fantasiosas, mas, ao que parece, correspondendo às suas longas
viagens pelo Oriente, estão entre as mais incríveis vividas, lá pelos reinos da
China e do Japão, entre outros. Verdade
histórica, mentira pura e simples, imaginação, desejo e fantasia se misturam
numa narrativa que se dá aos saltos, sem linearidade ou evolução natural. Um filme que tem pegada e estilo próprio.
VIDAS
DUPLAS, do talentoso e experiente cineasta francês
Olivier Assayas, é um filme sobre troca de infidelidades inesperadas e que
surpreendem. Sim, mas também é sobre as
questões editoriais e literárias que se colocam diante da revolução
digital. É seu tema, também, até onde a
ficção é criação ou está muito calcada na vida de seu criador, a ponto de se
tornar indisfarçável. E sobre o direito
dos retratados “ficcionalmente”, que se veem expostos, de fazerem exigências,
impedir a publicação e outras coisas mais.
Que papel tem o livro físico no presente e no futuro? A leitura digital resistirá ao tempo, como o
livro resiste? Enfim, são muitas faces
de uma trama afeita mais aos intelectuais do que ao público em geral. Talvez nem tanto na França, que cultiva e
discute os livros e a literatura muito mais do que nós. O filme é bem feito e tem bom humor. Destaque para uma cena divertida,
metalinguística, que envolve a personagem de Juliette Binoche, onde ocorre uma
especulação sobre a atriz Juliette Binoche.
A DOCE INDIFERENÇA DO MUNDO |
Outro belo filme é A DOCE INDIFERENÇA DO MUNDO, do Cazaquistão, de Adilkhan Yerzhanov,
que, em tom fabular, reflete sobre a inviabilidade da crença na bondade do ser
humano e de uma percepção ingênua do mundo.
A indiferença pode ser gentil, pode aparentar interesse ou até vontade
de ajudar, mas quando o dinheiro está em jogo não há saída. O mundo parece infestado pelo banditismo,
pelos mafiosos. O interessante é que o
filme é poético e visualmente elaborado e tem leveza e humor na narrativa, o
que torna tudo mais bonito e palatável.
No filme romeno LIMONADA, de Ioana Uricaru, o sonho de obter o green card para viver nos Estados Unidos é confrontado pelos
caminhos para se chegar a ele. Um
casamento de conveniência pode alardear seus propósitos diante de algumas
evidências e ensejar chantagens. Mais do
que isso, pode revelar-se um casamento perigoso e fonte de infelicidade. Enfim, o sonho vai ser posto à prova. Até onde vale a pena ir por ele? Será que o próprio sonho não se desfará, ou
nem valerá a pena, diante dos dilemas
que se interpõem em seu caminho?
Bastante interessante a proposta do filme, ao trabalhar dilemas e
limites a partir da perspectiva da protagonista Maria, enfermeira romena que
busca, como tantos, encontrar sua América idealizada.
AMOR
ATÉ AS CINZAS, de Jia Zhang-Ke, grande diretor chinês da
atualidade, não está entre seus trabalhos mais elaborados ou empolgantes. Mas a história de amor e conflito que
atravessa décadas, em meio a disputas de gangues rivais, separação, prisão e
retorno em outro momento e situação de vida, está longe de ser
desinteressante. Tem um elenco
eficiente, é bem filmada e suscita algumas reflexões. É que a gente acaba esperando mais dele, mas
é um bom trabalho, não há dúvida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário