Antonio Carlos
Egypto
REI (Rey). Chile/França, 2017. Direção: Niles Atallah. Com Rodrigo Lisboa, Claudio Riveros. 90 min.
Quem tem o hábito de ver muitos filmes, tem
hora que se cansa da repetição de temas, de personagens e, principalmente, da
forma de tratá-los. Além de encontrar
com frequência os mesmos atores e atrizes em papéis principais, sobretudo na
produção de países dominantes no cinema, como Estados Unidos e França. As narrativas clássicas, que contam uma
história com começo, meio e fim, nessa ordem, com finais felizes, estão em
baixa. No entanto, recursos como ir e
voltar no tempo ou misturar o real com o imaginado, sonhado ou desejado, não
chegam a alterar muita coisa. A forma
como os conflitos são resolvidos, correndo contra o tempo até o último minuto,
já se tornou algo insuportável. Finais
muito abertos e indefinidos nem sempre acrescentam algo ao espectador, além de
confundi-lo. E por aí vai.
Há grandes talentos de cineastas que, usando a
narrativa clássica, aliada à criatividade no uso das câmeras, no modo de
filmar, produzem grandes obras. Em todo
caso, é bom buscar novidades e estar aberto a provocações. Nem tudo o que é novo é bom, é claro, mas não
custa conferir.
Tudo isso a propósito de um filme experimental
que chegou aos cinemas e que merece atenção.
“Rei”, de Niles Atallah, tem uma narrativa fragmentada, como a história
que ele conta. Aborda um personagem
francês, um aventureiro, que em 1860 partiu para a região de Araucanía, no sul
do Chile, com a intenção de formar um reino e dele se tornar rei. Supostamente, com o aval do chefe indígena da
região. Ao chegar lá, com a ajuda de um
guia, descobre que esse chefe está morto e fica difícil justificar sua viagem
diante do governo chileno, que o prende e o acusa de usurpação indevida de
território e traição ao país, ainda que a região pretendida pelo aventureiro
fosse inóspita e estivesse nas mãos dos indígenas. Teriam eles o direito de sagrá-lo rei de
Araucanía e Patagônia?
É uma história estranha, misto de realidade,
fantasia, delírio. Uma coisa de sonhos,
memórias perdidas, fantasmagorias.
Registros precários e lendas sobre um estranho rei: Orélier-Antoine de
Tounens.
Para penetrar nessa curiosa e inusitada trama,
em que faltariam muitos pedaços, o diretor de “Rei” se utiliza de sofisticadas
filmagens, produzidas como filmes antigos, cheios de bolas, borrões, riscos,
imperfeições na tela. Inclui fragmentos
de filmes realmente existentes?
Talvez. Mas não importa. Cria-se um mundo ilusório de pesquisa
imagética, com referências a um passado remoto, anterior à criação do
cinema. E filma-se, também, o que seria
a reconstrução da saga do viajante francês em encenações atuais, com boa
qualidade de imagens.
O suposto julgamento pelo governo chileno é
encenado com os personagens cobertos por máscaras grossas, o que impede
qualquer representação realista dos supostos fatos. Descaracteriza a representação cênica dos
atores, que fica resumida a bonecos falantes.
O filme alterna esses fragmentos narrativos e
as diferentes formas filmadas, sem pretender chegar a contar uma saga coerente
ou completa. Mas reconstrói, ao menos
parcialmente, a lenda e vai além da simples loucura ou delírio extravagante,
para se perguntar: o que há de relevante e coerente em tudo isso? O que significa uma figura como essa, que
ocupa a cena, quando já estaria desaparecendo de qualquer registro ou memória,
se não fosse resgatada em um filme? Esse
resgate é importante? Por quê?
Enfim, não se trata de uma busca de
respostas. Mas, sim, de um exercício de
investigação e recuperação da memória e dos sonhos, matéria prima do humano e
do coletivo. “Rei” foi vencedor do prêmio de melhor filme no Festival de Cinema
Latino-Americano de Toulouse, França, em 2017.
CINEMA
DA HUNGRIA E DE HONG KONG
Já estão acontecendo duas mostras de cinema na
cidade de São Paulo que merecem atenção. A Cinemateca Brasileira apresenta até
o dia 1º. de julho, com entrada franca, “Dias de Cinema Húngaro”, com 12 longas
dessa produção europeia de qualidade, que nos deu recentemente dois títulos
importantes: “O Filho de Saul”, de László Nemes (2015) e “Corpo e Alma”, de
Ildiko Enyedi (2017).
No Centro Cultural Banco do Brasil está a
mostra “O Ineditismo e a Pluralidade do Cinema de Hong Kong”, que traz, até 16
de julho, 23 longas-metragens da produção ampla e variada de Hong Kong.
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