terça-feira, 9 de janeiro de 2018

CORPO E ALMA

   
Antonio Carlos Egypto





CORPO E ALMA (Teströl és Lélekröl).  Hungria, 2017.  Direção: Ildiko Enyedi.  Com Alexandra Borbély, Morcsányi Géza, Zoltán Schneider.  116 min.



“Corpo e Alma” é o filme indicado pela Hungria para a disputa do Oscar de filme estrangeiro e que, ao contrário do nosso “Bingo, o Rei das Manhãs”, entrou na lista prévia para a indicação dos cinco nominados à votação final.  E tem tudo para entrar na lista definitiva.

É um filme imageticamente forte.  Sua abordagem do matadouro de animais onde se passa a história mostra, de um lado, toda a assepsia exigida pelos controles oficiais, ao mesmo tempo em que exibe o sangue e as entranhas dos animais, a selvageria que é o abatedouro e o esquartejamento.  O paradoxo é que o dono do estabelecimento, que com ele lucra e vive, nem aguenta ver o que se faz lá e não entende quando um candidato a funcionário não se incomoda com o que vê.  O natural é se incomodar, claro, se houver alguma sensibilidade. 

Esse mesmo personagem, Endre (Morcsányi Géza), mostra-se reservado, até tímido, no seu ambiente de domínio e se aproxima com dificuldade de uma nova colaboradora, inspetora que lá chegou: Mária (Alexandra Borbély).  Ela é travada ao contato e às relações, numa existência despreparada para o convívio humano que escape aos rígidos códigos de controle que ela utiliza no trabalho, sem nenhuma flexibilidade. 




Esses dois personagens carentes se encontrarão numa narrativa bem construída, em que se destaca o inusitado fato de que, noite após noite, eles experienciam sonhos idênticos.  Sonhos que remetem a impulsos de caráter instintivo, projetados em animais, não o gado abatido no matadouro, mas cervos se encontrando na neve.  E aqui, novamente, as imagens dessa natureza gelada e dos bichos são bastante sedutoras.  Ou seja, os sonhos são belos, remetem a uma história de amor.  Intrigante, estranha, assustadora, mas, sim, uma história de amor.

A realização cinematográfica se vale do onírico e do poético para mostrar a fragilidade e a vulnerabilidade do humano e da possibilidade de amar.  A crueldade está presente no cotidiano e o sofrimento parece ser uma condição indissociável da própria vida.

A diretora Ildiko Enyedi mostra mão firme num tema rarefeito, que pede personagens inibidos, bloqueados.  Exigindo, portanto, desempenhos contidos, voltados para dentro.  Um desafio que, sobretudo, Alexandra Borbély vence brilhantemente.  Mas todo o clima do filme e o desempenho do elenco seguem no mesmo diapasão.  “Corpo e Alma” ganhou o Urso de Ouro na 67ª. edição do Festival de Berlim, como melhor filme.


Lembrete

Estão em cartaz nos cinemas bons filmes que foram destaque da 41ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo: THE SQUARE, A ARTE DA DISCÓRDIA, de Ruben Östlund, da Suécia;  O PACTO DE ADRIANA, de Lizette Orozco, do Chile; O JOVEM KARL MARX, de Raoul Peck, da Alemanha; O MOTORISTA DE TÁXI, de Jang Hoon, da Coreia do Sul; e COM AMOR, VAN GOGH,  de Dorota Kobiela e Hugh Welchman, animação adulta da Polônia, já comentados aqui.



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