segunda-feira, 14 de novembro de 2016

BALANÇO DA 40a. MOSTRA II


Antonio Carlos Egypto

Os maiores atrativos da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, ao longo dos 40 anos de sua existência, sempre foram as filmografias a que normalmente não temos acesso, pequenas produções inovadoras ou experimentais e novos cineastas que surgem a cada ano em todo o mundo.  E também a originalidade ou a audácia de certos temas e abordagens.  Dentro dessa linha, posso destacar alguns bons filmes que ainda não haviam sido tratados nas minhas matérias sobre a Mostra.



O CINEMA, MANOEL DE OLIVEIRA E EU, de João Botelho, de Portugal, é um filme precioso, em que o cineasta fala e mostra o trabalho do mestre do cinema português, Manoel de Oliveira, com quem ele aprendeu muito e que é sua fonte de inspiração permanente.  Segundo ele, Manoel não fazia filmes, fazia cinema e sabia extrair o máximo dos recursos disponíveis possíveis.  Um bom exemplo se dá quando se explica que, se você não puder filmar uma carruagem, porque não a tem, filme a roda, mas com toda a precisão, de modo correto, utilizando espelhos, e elimine a sensação frequente em muitas tomadas de que a carruagem está voltando para trás.

João Botelho acoplou a seu documentário um curta, proveniente de um argumento que Oliveira tinha e não realizou.  Fez à sua maneira, sem utilizar diálogos, como no tempo do cinema mudo.  Mas não sem som.  O resultado é ótimo e deu ao filme como um todo um charme especial.  O diretor esteve aqui conversando com o público após a sessão e se mostrou um pensador do cinema e dos nossos tempos, além de muito simpático e realista.


Joâo Botelho no Cinesesc


Também de Portugal vem CARTAS DA GUERRA, de Ivo M. Ferreira, um filme poético, que trata da violenta guerra colonial portuguesa em Angola, numa belíssima fotografia em branco e preto, enquanto um médico escritor compõe lindas cartas de amor, desilusão, ansiedade e solidão.  Beleza e violência até podem combinar, como nesse filme.

Pretensões menores também resultaram em filmes atraentes.  DIÁRIO DE UM MAQUINISTA, de Milos Radovic, da Sérvia, fez do humor negro o trunfo para uma história, a rigor trágica, a dos atropelamentos e mortes que um maquinista de trem vivencia ao longo de seus anos de trabalho.

O filme romeno DOIS BILHETES DE LOTERIA, de Paul Negoescu, é uma comédia ingênua, muito bem construída, com humor leve e nada apelativo.  E é bem engraçada.  Poderia servir de inspiração para muitos realizadores de comédia em todos os cantos.

HEDI, da Tunísia, de Mohamed Ben Attia, trata com leveza da busca de liberdade, de superar limites e controles familiares e sociais e do complexo processo de fazer escolhas e arcar com elas.  Belo trabalho.


HEDI


MAAT, de Saba Kazemi, do Irã, cria um clima interessante ao enredar diversas pessoas num dilema moral, a partir da condição de vítimas de um mesmo apartamento, vendido a quatro compradores diferentes, que lá se encontrarão.  Lá também encontrarão dinheiro e aí a situação muda.  Vai bem, mas perde a força na solução final, que é muito batida no cinema, embora a forma, aparentemente enigmática, tenha impacto.

O ANJO FERIDO, de Emir Baigazin, do Cazaquistão, trata de quatro contos morais sobre jovens tentando escapar da miséria.  Envereda por situações bizarras, bem louquinhas.  É uma bela realização cinematográfica, marcada pela estranheza, mas que dá para curtir com prazer.  É só entrar no clima.

O VIOLINISTA, de Bauddhayan Mukherji, da Índia, escapa do padrão conhecido do cinema comercial indiano, que é novelesco, com cantos e danças, princesas e luxo.  Mostra um dia na vida de um violinista clássico, que encontra uma oportunidade de fazer um trabalho solo num filme dirigido por um tipo estranho, que o contrata sem dar maiores explicações.  Ele, então, descobrirá que as coisas podem ser mais complicadas do que parecem.  Arte (música, cinema) e sobrevivência podem se relacionar de forma surpreendente.  Um filme simples, que funciona bem.


UMA BANDEIRA SEM PAÍS

 
UMA BANDEIRA SEM PAÍS, do cineasta curdo Bahman Ghobadi, revela num documentário bem realizado a absurda condição de um povo que habita um território, tem uma bandeira, mas não um Estado.  É expulso, perseguido, discriminado em sua região geográfica por Iraque, Irã, Turquia, Síria em guerra, atacado pelo Estado Islâmico (ISIS) e sujeito a todo tipo de sofrimento.  Isso é mostrado por meio de dois personagens: um piloto de aviação e uma cantora pop, que amam o Curdistão.

LOBO E OVELHA, de Shahrbanoo Sadat, do Afeganistão, mostra uma história que envolve pastoreio feito por crianças, meninos e meninas.  É interessante conhecer a realidade rural dessa região, mas não chega a ser novidade.  O que mais chama a atenção é a maneira desbocada, as expressões e os palavrões que essas crianças usam, com toda a naturalidade, sem os adultos por perto.  Crianças não são anjos, no Afeganistão ou aqui.

Uma parte da Mostra eu dediquei a conhecer, ou rever, os filmes de Marco Bellocchio: A INTRUSA, DIABO NO CORPO, A HORA DA RELIGIÃO, SANGUE DO MEU SANGUE, além do novo BELOS SONHOS.  Dos filmes de Andrzej Wajda, só consegui ver CINZAS E DIAMANTES.  Foi uma ótima oportunidade que apreciei ter durante a 40ª. Mostra.

Nota dissonante
Os cinemas Itaú Augusta e Reserva Cultural escolheram as salas erradas para a exibição da Mostra.  O Itaú Augusta utilizou a sala 1, de visibilidade ruim em qualquer sessão normal de cinema.  Que dirá quando se estão projetando legendas eletrônicas abaixo da tela?  É óbvio que a sala 3 seria a mais adequada, como já havia acontecido em anos anteriores.  Qual terá sido o motivo da escolha infeliz?

No Reserva Cultural, a escolhida foi a sala 2, muito mais acanhada do que a sala 1, que comportaria melhor o público que acorre à Mostra.  Por que essa escolha?  Quem recebe a Mostra deveria fazê-lo da melhor maneira possível e não pela metade.  Não dá para entender.




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