Antonio Carlos
Egypto
Os maiores atrativos da Mostra Internacional de
Cinema de São Paulo, ao longo dos 40 anos de sua existência, sempre foram as
filmografias a que normalmente não temos acesso, pequenas produções inovadoras
ou experimentais e novos cineastas que surgem a cada ano em todo o mundo. E também a originalidade ou a audácia de
certos temas e abordagens. Dentro dessa
linha, posso destacar alguns bons filmes que ainda não haviam sido tratados nas
minhas matérias sobre a Mostra.
O CINEMA, MANOEL DE OLIVEIRA E EU, de João Botelho,
de Portugal, é um filme precioso, em que o cineasta fala e mostra o trabalho do
mestre do cinema português, Manoel de Oliveira, com quem ele aprendeu muito e que
é sua fonte de inspiração permanente.
Segundo ele, Manoel não fazia filmes, fazia cinema e sabia extrair o
máximo dos recursos disponíveis possíveis.
Um bom exemplo se dá quando se explica que, se você não puder filmar uma
carruagem, porque não a tem, filme a roda, mas com toda a precisão, de modo
correto, utilizando espelhos, e elimine a sensação frequente em muitas tomadas
de que a carruagem está voltando para trás.
João Botelho acoplou a seu documentário um curta,
proveniente de um argumento que Oliveira tinha e não realizou. Fez à sua maneira, sem utilizar diálogos,
como no tempo do cinema mudo. Mas não
sem som. O resultado é ótimo e deu ao
filme como um todo um charme especial. O
diretor esteve aqui conversando com o público após a sessão e se mostrou um
pensador do cinema e dos nossos tempos, além de muito simpático e realista.
Joâo Botelho no Cinesesc |
Também de Portugal vem CARTAS DA GUERRA, de Ivo M.
Ferreira, um filme poético, que trata da violenta guerra colonial portuguesa em
Angola, numa belíssima fotografia em branco e preto, enquanto um médico
escritor compõe lindas cartas de amor, desilusão, ansiedade e solidão. Beleza e violência até podem combinar, como
nesse filme.
Pretensões menores também resultaram em filmes
atraentes. DIÁRIO DE UM MAQUINISTA, de
Milos Radovic, da Sérvia, fez do humor negro o trunfo para uma história, a
rigor trágica, a dos atropelamentos e mortes que um maquinista de trem vivencia
ao longo de seus anos de trabalho.
O filme romeno DOIS BILHETES DE LOTERIA, de Paul
Negoescu, é uma comédia ingênua, muito bem construída, com humor leve e nada
apelativo. E é bem engraçada. Poderia servir de inspiração para muitos
realizadores de comédia em todos os cantos.
HEDI, da Tunísia, de Mohamed Ben Attia, trata com
leveza da busca de liberdade, de superar limites e controles familiares e
sociais e do complexo processo de fazer escolhas e arcar com elas. Belo trabalho.
HEDI |
MAAT, de Saba Kazemi, do Irã, cria um clima
interessante ao enredar diversas pessoas num dilema moral, a partir da condição
de vítimas de um mesmo apartamento, vendido a quatro compradores diferentes,
que lá se encontrarão. Lá também
encontrarão dinheiro e aí a situação muda.
Vai bem, mas perde a força na solução final, que é muito batida no
cinema, embora a forma, aparentemente enigmática, tenha impacto.
O ANJO FERIDO, de Emir Baigazin, do Cazaquistão,
trata de quatro contos morais sobre jovens tentando escapar da miséria. Envereda por situações bizarras, bem
louquinhas. É uma bela realização
cinematográfica, marcada pela estranheza, mas que dá para curtir com
prazer. É só entrar no clima.
O VIOLINISTA, de Bauddhayan Mukherji, da Índia,
escapa do padrão conhecido do cinema comercial indiano, que é novelesco, com
cantos e danças, princesas e luxo.
Mostra um dia na vida de um violinista clássico, que encontra uma
oportunidade de fazer um trabalho solo num filme dirigido por um tipo estranho,
que o contrata sem dar maiores explicações.
Ele, então, descobrirá que as coisas podem ser mais complicadas do que
parecem. Arte (música, cinema) e
sobrevivência podem se relacionar de forma surpreendente. Um filme simples, que funciona bem.
UMA BANDEIRA SEM PAÍS |
UMA BANDEIRA SEM PAÍS, do cineasta curdo Bahman
Ghobadi, revela num documentário bem realizado a absurda condição de um povo
que habita um território, tem uma bandeira, mas não um Estado. É expulso, perseguido, discriminado em sua
região geográfica por Iraque, Irã, Turquia, Síria em guerra, atacado pelo
Estado Islâmico (ISIS) e sujeito a todo tipo de sofrimento. Isso é mostrado por meio de dois personagens:
um piloto de aviação e uma cantora pop,
que amam o Curdistão.
LOBO E OVELHA, de Shahrbanoo Sadat, do Afeganistão,
mostra uma história que envolve pastoreio feito por crianças, meninos e
meninas. É interessante conhecer a
realidade rural dessa região, mas não chega a ser novidade. O que mais chama a atenção é a maneira
desbocada, as expressões e os palavrões que essas crianças usam, com toda
a naturalidade, sem os adultos por perto.
Crianças não são anjos, no Afeganistão ou aqui.
Uma parte da Mostra eu dediquei a conhecer, ou rever,
os filmes de Marco Bellocchio: A INTRUSA, DIABO NO CORPO, A HORA DA RELIGIÃO,
SANGUE DO MEU SANGUE, além do novo BELOS SONHOS. Dos filmes de Andrzej Wajda, só consegui ver
CINZAS E DIAMANTES. Foi uma ótima
oportunidade que apreciei ter durante a 40ª. Mostra.
Nota
dissonante
Os cinemas Itaú Augusta e Reserva Cultural escolheram
as salas erradas para a exibição da Mostra.
O Itaú Augusta utilizou a sala 1, de visibilidade ruim em qualquer
sessão normal de cinema. Que dirá quando
se estão projetando legendas eletrônicas abaixo da tela? É óbvio que a sala 3 seria a mais adequada,
como já havia acontecido em anos anteriores.
Qual terá sido o motivo da escolha infeliz?
No Reserva Cultural, a escolhida foi a sala 2, muito
mais acanhada do que a sala 1, que comportaria melhor o público que acorre à
Mostra. Por que essa escolha? Quem recebe a Mostra deveria fazê-lo da
melhor maneira possível e não pela metade.
Não dá para entender.
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