Antonio Carlos
Egypto
FRANCOFONIA – O LOUVRE SOB OCUPAÇÃO (Francofonia – Le Louvre Sous L’Ocupation). Produção europeia, 2015. Direção: Alexandr Sokurov. Com Louis-Do de Lencquesaing, Benjamin Utzerath, Vincent Nemeth. 84 min.
História e Arte são elementos centrais do trabalho do
cineasta russo Alexandr Sokurov. Em 2002, em “A Arca Russa”, ele percorreu o museu Hermitage, em São
Petersburgo, num único plano-sequência, mostrando as obras de arte associadas a
elementos da história russa, sendo encenados à medida em que a visita
acontecia.
Agora, o foco de seu interesse é o Museu do Louvre,
em Paris, num momento delicado de sua história: o da ocupação nazista. “Francofonia – O Louvre sob Ocupação” nos
oferece a oportunidade de conhecer um pouco da história desse museu
emblemático, que reflete a própria história da França, exibe algumas de suas
obras pictóricas e esculturas, abordando as relações entre poder e arte e os
significados associados aos acervos culturais.
Os museus representam a própria civilização em seu
momento mais glorioso: o da criação artística.
Para Sokurov, não há nada mais importante do que eles. O que significaria a França sem o Louvre, ou
a Rússia, sem o Hermitage? É isso o que
talvez explique a luta pela preservação de obras de arte em meio às guerras.
Esta, porém, não é uma questão a ser entendida
linearmente. “Francofonia” mostra que o
poder nazista pretendia incorporar a cultura e a arte francesas a um suposto
Estado francogermânico, que se sucederia aos conflitos da Segunda Guerra
Mundial. Daí a reverência, o respeito e o desejo de preservar o patrimônio
artístico-cultural francês. Já quanto ao
acervo cultural soviético, não havia qualquer preocupação de preservação. Esse era o inimigo a ser eliminado, varrido
do mapa civilizatório. A justificativa
para o combate à arte degenerada, tal como mostra muito bem o documentário
“Arquitetura da Destruição”, de Peter Cohen, de 1992, é puramente
ideológica. O combate ao comunismo
soviético levaria tudo para essa categoria de avaliação. Considere-se, ainda, que preservar, aqui, significa
também roubar, saquear, como resultado das guerras. A própria figura de Napoleão Bonaparte é
chamada em encenação do filme para, não só apreciar a arte em que ele figurava,
mas para jactar-se de ter amealhado todo aquele acervo maravilhoso para a França.
Obras de grande valor artístico também têm de ser
transportadas e estão sujeitas a todo tipo de risco, como o representado pelos
temporais que atingem os navios. De
qualquer modo, os bombardeios são fatais.
E foi preciso deslocar a maior parte das peças do Louvre, durante a
Segunda Guerra, para evitar um possível desastre.
Se alguém se preocupa seriamente com essas coisas,
tanto estando do lado dos invasores quanto dos invadidos, é sinal de que há
esperança e civilização possíveis. Em
“Francofonia”, isso é mostrado pela relação entre o diretor do Louvre do
período, Jacques Jaujard (1895-1967) (Louis-Do de Lencquesaing), que continuou
seu trabalho junto ao governo colaboracionista de Vichy, e o conde Wolff
Metternich (1893-1978) (Benjamin Utzerath), o interventor que, em nome do
governo alemão, tinha a tarefa de controlar o acervo artístico e, quando
solicitado, enviá-lo para a Alemanha.
O que ele evitou de forma consciente que, de fato, se concretizasse.
A parceria de Jaujard e Metternich em nome da arte,
em plena guerra, transforma até o sentido de palavras como colaboracionismo,
obediência e patriotismo, tão comuns em referências bélicas, porque surge uma
ética que se superpõe a essas questões, em nome da humanidade e da cultura
universal.
“Francofonia” é um filme rico, que dá margem a muitas
reflexões de toda ordem e é criativo, do ponto de vista cinematográfico, além
de visualmente muito bonito. Cenas
documentais filmadas na época se acoplam a encenações atuais, por meio das
tonalidades fotográficas. Passado e
presente se integram em panorâmicas da cidade de Paris e do Louvre, os
personagens dialogam com as obras de arte dentro do museu e o próprio filme se
faz à nossa frente, contando com as explicações narradas pelo próprio
Sokurov.
É um filme sofisticado, que não tem a pretensão de
atingir grandes bilheterias. É daquelas
coisas pelas quais os cinéfilos babam, mas muito gente acha simplesmente
tedioso. Fazer o quê? Não é todo mundo que consegue apreciar um
biscoito fino.
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