Antonio Carlos
Egypto
A VIAGEM DE MEU PAI (Floride). França, 2015. Direção: Philippe Le Guay. Com Jean Rochefort, Sandrine Kiberlain,
Laurent Lucas, Anamaria Marinca. 110
min.
Akira Kurosawa (1910-1998) considerava que uma
condição essencial para se ter um bom filme é se ter um bom personagem. De fato, um personagem bem estruturado,
psicologicamente consistente, inserido em seu contexto sociocultural e
histórico, é capaz de envolver o público, cativá-lo, provocá-lo ou
assustá-lo. É meio caminho andado para
que um filme funcione e atinja o espectador, razão de ser da produção
cinematográfica, algumas vezes ignorada pelos realizadores.
O personagem Claude (Jean Rochefort), de “A Viagem de
Meu Pai”, é uma dessas figuras que marcam presença com força e prendem a nossa
atenção o tempo todo. Impossível ficar
indiferente a ele.
E quem é Claude?
Um homem na faixa dos 80 anos, que tem força, presença marcante, alta
autoestima e, consequentemente, uma boa imagem de si mesmo e de suas
capacidades e recursos. Só que ele já
está sofrendo do mal de Alzheimer, mas não se dá conta disso. Ou prefere não ver que seus esquecimentos, as
confusões que ele acaba provocando, as dificuldades que surgem no convívio com
as pessoas, são consequência de um problema sério, de uma doença que atinge a
mente, embora possa mantê-lo ativo e serelepe.
O desgaste que sua filha sofre e demonstra, inclusive
com a troca de cuidadoras que ele, de um lado, rejeita, de outro, se relaciona
de um modo totalmente inconveniente, não é percebido como algo relacionado ao
que ele faz. Assim como as malandragens
que o divertem são da ordem de um comportamento infantil, que ele não percebe
como fora de lugar.
Enfim, o roteiro do diretor Philippe Le Guay e de Jérôme
Tonnerre, com base em história de Florian Zeller, explora muito bem as
características da doença de Alzheimer, se manifestando numa pessoa dinâmica,
forte e divertida, muito difícil de abordar, controlar e restringir. Tanto que, quando ele resolve fazer uma
grande viagem, o fará, de um modo ou de outro.
No caso, o destino é a Flórida, onde supostamente vive sua outra filha,
e que produz um suco de laranja inigualável.
Claude não aceita nenhum outro suco em seu lugar.
Para que o filme se complete, surpreenda ao final e
faça valer a boa trama que construiu, aplica-se uma pegadinha na plateia. Sem ela, não seria possível. Não gosto desse recurso, apesar de reconhecer
que funciona, no filme. É, digamos, um
mal menor que se pode tolerar.
A direção, numa abordagem clássica, consegue passar
um clima de leveza e informação séria, que faz a gente refletir, se
divertindo. À semelhança de um outro
trabalho anterior de Philippe Le Guay, “Pedalando com Moliére”, de 2013, o
humor é o seu ponto forte. Um humor
inteligente, sofisticado.
Em “A Viagem de Meu Pai”, nada supera a construção do
personagem. É seu grande trunfo. Claude é muito especial e vivido com enorme
talento pelo ator Jean Rochefort. Ele é
brilhante, consegue uma atuação impecável, luminosa, que encanta. A gente ri, se diverte, sofre com ele, torce
por ele, admira sua determinação.
Rochefort constrói um personagem inesquecível, que vale o filme.
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