Antonio Carlos
Egypto
RALÉ. Brasil,
2015. Direção e roteiro: Helena
Ignez. Com Ney Matogrosso, Simone
Spoladore, Djin Sganzerla, Zé Celso Martinez, Marcelo Drummond, Mário
Bortolotto, Helena Ignez. 73 min.
“Ralé” é cinema alternativo, libertário, na contramão
das tendências conservadoras e moralistas que parecem estar vencendo batalhas
importantes no momento atual brasileiro.
É, portanto, muito bem-vindo para reforçar a ideia de que já avançamos o
suficiente para não poder mais aceitar retrocessos nas ações coletivas e nas
leis.
A começar da questão do desejo, do amor e do
casamento gay, que tem amplo destaque
no filme. O casamento dos personagens
Barão e Marcelo é uma espécie de fio condutor da trama, motivo de alegria e
festa, ensejando manifestações claras e explícitas de afetividade e tesão. Assim como eles, outros personagens se
expressam com a mesma desenvoltura, sem amarras ou falsos pudores.
Não é só isso, o filme celebra a natureza, o espírito
e a poética amazônica, a busca constante da liberdade e até a ayahuasca dos
rituais do Santo Daime e da União do Vegetal.
Não tanto pelo caráter religioso, mas por poder vê-la sem o estigma da
droga. Já a maconha, estigmatizada
socialmente ou não, é parte integrante e natural da vida dessas pessoas. Sem grilos.
A natureza também se faz presente na cidade, numa
sequência em que uma chuva muito forte alaga ruas e destrói um guarda-chuva,
algo já corriqueiro nos nossos dias. A
cena é bonita e serve de alerta e contraponto.
Sem dramas ou vítimas, com suavidade.
Os personagens riem, se divertem, dançam,
cantam. E a música brasileira é parte
importante dessa grande celebração que é a vida, digamos, marginal. Isso para ficar num termo que remete a um
cinema caro a Helena Ignez.
São muitas sequências belas, ousadas, provocadoras,
talvez, mas cheias de vitalidade e de crença na capacidade dos indivíduos de
experimentar o sentido real da liberdade.
É, nesse sentido, um filme de alto astral.
O elenco é maravilhoso para a proposta da obra de
Helena Ignez. Ney Matogrosso se entrega
ao papel de modo pleno e ainda canta divinamente, como de costume. Zé Celso Martinez, da mesma forma,
completamente solto e à vontade. E também
canta e se acompanha ao piano. Djin Sganzerla e Simone Spaladore estão ótimas. Gente do teatro alternativo, como Mário
Bortolotto e Marcelo Drummond, além da própria Helena Ignez, fazem
participações importantes.
Os personagens se confundem com os atores, que são,
em larga medida, muito próximos deles mesmos.
Ficção documental é o tom, já que não há uma história a contar, mas
coisas legais a fazer. E que eles fazem
com a maior naturalidade do mundo. Ou,
pelo menos, assim parece.
Há espaço para tanta soltura, tanto descompromisso,
tanta liberdade e diversidade nesses tempos tão tensos, de crises, conflitos e
guerras para todo lado? Por que
não? Cada um busca os seus caminhos onde
pode se encontrar. Uns, nos prédios
envidraçados dos escritórios, outros, na selva amazônica. Talvez embalados pela mesma e rica música
popular brasileira, que de Luiz Gonzaga a Ney Matogrosso acompanha sonhadores
de todos os tipos. A seleção musical,
que a própria diretora escolheu para o filme, é preciosa. E a realização toda é muito boa.
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