sábado, 25 de julho de 2015

ADEUS À LINGUAGEM


Antonio Carlos Egypto





ADEUS À LINGUAGEM (Adieu au Langage).  França, 2013.  Direção e roteiro: Jean-Luc Godard.  Com Héloise Godet, Kamel Abdeli, Richard Chevallier, Zoé Bruneau e o cão Roxy Miéville.  70 min.


Jean-Luc Godard, um dos mais importantes cineastas da França e um dos realizadores da revolução estética da nouvelle vague, é, na verdade, de origem suíça.  É um dos diretores mais inovadores da história do cinema, alguém que sempre procurou renovar a linguagem, experimentar, provocar. 

Desde o início, buscou novas formas de filmar, novos enquadramentos (foi o primeiro a ousar filmar personagens de costas, vistos por meio de suas nucas, filmar pés em primeiro plano, filmar corpos omitindo rostos, etc.), ainda que contasse histórias ou atuasse dentro de um gênero cinematográfico. Aí, a digressão da narrativa, o uso do tempo entrecortado, a originalidade dos personagens e situações, se destacavam




Godard foi, então, se direcionando para um cinema mais diretamente político, reflexivo e questionador, abandonando qualquer convenção narrativa.  Foi um pulo para a negação do chamado cinema comercial.

O cinema de Godard se torna radical, em forma e conteúdo.  Na realidade, sempre foi, mas há um rompimento com os esquemas de produção, distribuição e divulgação.  Consequentemente, com uma rejeição no mercado.  Mas como nada é tão absoluto, Godard, mesmo se dedicando à experimentação, alcança êxitos, não só nos festivais, mas nas salas de cinema mundo afora.  Seu talento é evidente demais para ser ignorado.




Godard pensa o cinema e pensa o mundo, reflete sobre o que vê e nos obriga a olhar para o que precisa ser visto e pensado.  Nunca de forma linear, organizada, com causalidades ou propostas a serem veiculadas.  Não, ele o faz de modo fragmentado, provocador, desorganizador.  Impossível não sair mexido de um filme dele.  Ou irritado, rejeitando aquela aparente confusão mental.  Amando ou odiando, temos de reconhecer sua importância e sua força.

“Adeus à Linguagem”, filme realizado em 2013, quando o cineasta já tinha 83 anos de idade (nasceu em 1930), está sendo lançado agora como o primeiro filme de Godard realizado em 3D, em que ele explora as possibilidades dessa novidade dentro do seu universo peculiar.  É verdade isso.  Mas há um equívoco na afirmação.  Ele já havia realizado um episódio em 3D no filme “3 X 3D”, dividindo a cena com outros cineastas: o inglês Peter Greenaway e o português Edgar Pêra.  Naquela oportunidade, o filme de Godard foi o que menos aproveitou os recursos do 3D, os dois outros diretores se destacaram mais.




  Neste primeiro longa, “Adeus à Linguagem”, a história é outra. Godard explorou muito bem a nova possibilidade tecnológica.  Fez um filme altamente sensorial, vigoroso, questionador e, como sempre, levantando uma profusão de temas e questões que tratam do papel do Estado na vida contemporânea, do que resta de função ao conhecimento,  do impasse da literatura, de um mundo que se desintegra em imagens, dos direitos dos animais.  Isso tudo se apresenta enquanto um casal se relaciona e se desentende e um cachorro anda entre eles.

Fica tudo claro?  Absolutamente!  Nem Godard busca qualquer coisa semelhante à clareza.  Mas o filme brilha nas cores, por vezes estouradas, nas ideias jogadas, em que muitas se perdem à nossa mente, na provocação que incorpora a beleza que a tecnologia do 3D pode acentuar.  E até na superposição de algumas imagens, o que embaralha a visão nessa técnica.  O que ele consegue produzir é, paradoxalmente, mais cativante do que vinha fazendo nos últimos tempos.  O octogenário realizador está em grande forma.


Héloise Gadet e Kamel Abdeli no Reserva Cultural


Héloise Godet e Kamel Abdeli, protagonistas do filme, estão no Brasil para o lançamento, já que Godard, obviamente, não faria esse tipo de trabalho.  São ótimos, alegres, desinibidos.  E, em São Paulo, o cine Reserva Cultural inaugura seu equipamento em 3D com “Adeus à Linguagem”, de Jean-Luc Godard, em projeção impecável.


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