Antonio
Carlos Egypto
ADEUS À LINGUAGEM (Adieu au Langage). França,
2013. Direção e roteiro: Jean-Luc
Godard. Com Héloise Godet, Kamel Abdeli,
Richard Chevallier, Zoé Bruneau e o cão Roxy Miéville. 70 min.
Jean-Luc Godard, um dos mais importantes cineastas da
França e um dos realizadores da revolução estética da nouvelle vague, é, na verdade, de origem suíça. É um dos diretores mais inovadores da
história do cinema, alguém que sempre procurou renovar a linguagem,
experimentar, provocar.
Desde o início, buscou novas formas de filmar, novos
enquadramentos (foi o primeiro a ousar filmar personagens de costas, vistos por
meio de suas nucas, filmar pés em primeiro plano, filmar corpos omitindo
rostos, etc.), ainda que contasse histórias ou atuasse dentro de um gênero
cinematográfico. Aí, a digressão da narrativa, o uso do tempo entrecortado, a
originalidade dos personagens e situações, se destacavam
Godard foi, então, se direcionando para um cinema
mais diretamente político, reflexivo e questionador, abandonando qualquer
convenção narrativa. Foi um pulo para a
negação do chamado cinema comercial.
O cinema de Godard se torna radical, em forma e
conteúdo. Na realidade, sempre foi, mas
há um rompimento com os esquemas de produção, distribuição e divulgação. Consequentemente, com uma rejeição no mercado. Mas como nada é tão absoluto, Godard, mesmo
se dedicando à experimentação, alcança êxitos, não só nos festivais, mas nas
salas de cinema mundo afora. Seu talento
é evidente demais para ser ignorado.
Godard pensa o cinema e pensa o mundo, reflete sobre
o que vê e nos obriga a olhar para o que precisa ser visto e pensado. Nunca de forma linear, organizada, com
causalidades ou propostas a serem veiculadas.
Não, ele o faz de modo fragmentado, provocador, desorganizador. Impossível não sair mexido de um filme
dele. Ou irritado, rejeitando aquela
aparente confusão mental. Amando ou
odiando, temos de reconhecer sua importância e sua força.
“Adeus à Linguagem”, filme realizado em 2013, quando
o cineasta já tinha 83 anos de idade (nasceu em 1930), está sendo lançado agora
como o primeiro filme de Godard realizado em 3D, em que ele explora as
possibilidades dessa novidade dentro do seu universo peculiar. É verdade isso. Mas há um equívoco na afirmação. Ele já havia realizado um episódio em 3D no
filme “3 X 3D”, dividindo a cena com outros cineastas: o inglês Peter Greenaway
e o português Edgar Pêra. Naquela
oportunidade, o filme de Godard foi o que menos aproveitou os recursos do 3D,
os dois outros diretores se destacaram mais.
Neste
primeiro longa, “Adeus à Linguagem”, a história é outra. Godard explorou muito
bem a nova possibilidade tecnológica.
Fez um filme altamente sensorial, vigoroso, questionador e, como sempre,
levantando uma profusão de temas e questões que tratam do papel do Estado na
vida contemporânea, do que resta de função ao conhecimento, do impasse da literatura, de um mundo que se
desintegra em imagens, dos direitos dos animais. Isso tudo se apresenta enquanto um casal se
relaciona e se desentende e um cachorro anda entre eles.
Fica tudo claro?
Absolutamente! Nem Godard busca
qualquer coisa semelhante à clareza. Mas
o filme brilha nas cores, por vezes estouradas, nas ideias jogadas, em que
muitas se perdem à nossa mente, na provocação que incorpora a beleza que a
tecnologia do 3D pode acentuar. E até na
superposição de algumas imagens, o que embaralha a visão nessa técnica. O que ele consegue produzir é,
paradoxalmente, mais cativante do que vinha fazendo nos últimos tempos. O octogenário realizador está em grande
forma.
Héloise Gadet e Kamel Abdeli no Reserva Cultural |
Héloise Godet e Kamel Abdeli, protagonistas do filme,
estão no Brasil para o lançamento, já que Godard, obviamente, não faria esse
tipo de trabalho. São ótimos, alegres,
desinibidos. E, em São Paulo, o cine
Reserva Cultural inaugura seu equipamento em 3D com “Adeus à Linguagem”, de
Jean-Luc Godard, em projeção impecável.
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