Antonio
Carlos Egypto
AMAR, BEBER E CANTAR (Aimer, Boire et Chanter).
França, 2013. Direção: Alain
Resnais. Com Sabine Azéma, Hippolyte
Girardot, Caroline Silhol, André Dussolier, Sandrine Kiberlain, Michel
Vuilermoz. 112 min.
“Amar, Beber e Cantar” é o último filme do mestre do
cinema Alain Resnais, realizado aos 90 anos de idade, um ano antes de sua
morte. É uma pena, e é triste, que seja
o último. A contribuição de Resnais para
o cinema é imensa e seu trabalho, sempre inovador, fará muita falta. Essa contribuição já vem de longe, alcançando
seu auge em 1959 e 1961, com os clássicos “O Ano Passado em Marienbad” e
“Hiroshima, Mon Amour”, filmes que implodiram a narrativa clássica e abriram
novas perspectivas para o uso do tempo no cinema. Se tivesse feito só isso, já teria deixado
uma grande e decisiva marca histórica.
Mas não, ele trabalhou o tempo todo, realizando filmes incríveis e
marcantes, década após década.
“Providence”, de 1976, e “Meu Tio da América”, de 1980, estão entre os
muitos que eu poderia citar. Mas eu
gostaria de lembrar que seus últimos filmes são grandes realizações
também. O final de sua produção
artística, na verdade, foi um novo auge.
A idade avançada pode produzir trabalhos sólidos e espetaculares, como
os dele e de Manoel de Oliveira. “Medos
Privados em Lugares Públicos”, de 2006, “Ervas Daninhas”, de 2009, e “Vocês
Ainda Não Viram Nada”, de 2012, (todos com críticas publicadas no cinema com recheio) são pérolas de
humanismo e humor inteligente e complexo.
“Vocês Ainda Não Viram Nada” é também uma elegia ao teatro, o que se
repete em “Amar, Beber e Cantar”.
Aqui, George, o personagem ausente, está com os dias
contados. O câncer que o acometeu só lhe
possibilita poucos meses de vida. Seus
amigos procuram oferecer-lhe o que de melhor puderem, para que esse final lhe
seja agradável. E descobrem que o teatro
amador que estão ensaiando poderia incluí-lo e dar-lhe novo alento, a
proximidade e a afetividade de amigos de toda uma vida. O teatro como elemento motivador,
salvador.
Por meio desses amigos e o que vai se passando com
eles, vamos conhecendo melhor George.
Descobrimos, por exemplo, que ele é sedutor, mulherengo, desorganizado,
impontual, e gosta de dormir até tarde, entre outras coisas. É notável como isso se revela pelo
comportamento dos seres com quem ele se relaciona. Também podemos avaliar a performance artística dele e dos outros na peça que nunca é
mostrada. Só a decoração de trechos do
texto aparece, além de um pequeno ensaio de diálogo que, na verdade, expõe a
relação do casal de atores fora da peça.
O teatral está também nos cenários adotados: cortinas
na forma de painéis estapam diferentes casas, simples ou suntuosas, o ambiente
do campo, o acesso ao teatro. A mudança
de cena se faz por meio de desenhos realizados a partir de construções reais,
incluindo os elementos que fazem parte dos cenários utilizados no filme. Uma estrada cercada de verde, por onde
circula um veículo que não é mostrado, também divide as cenas, pontuando os
deslocamentos. Passa pela cidade e suas
belas construções em York, na Inglaterra, ou no ambiente campestre.
Os papéis dos personagens da trama são vividos por
grandes atores e atrizes franceses, colaboradores habituais do diretor. Suas atuações, impecáveis como sempre,
dispensam maiores comentários. Nos
filmes de Alain Resnais o que não falta é talento interpretativo. O fato de ele se valer quase sempre dos
mesmos atores e atrizes, sobretudo nos filmes da última fase, parece facilitar
e garantir isso. Percebe-se uma relação
de confiança e cumplicidade, um caráter de equipe nos desempenhos. Tudo flui com facilidade.
ALAIN RESNAIS |
O humor com que são tratados assuntos aparentemente
trágicos, ou pelo menos complicados, como as infidelidades e mágoas passadas,
além da morte iminente, torna o filme mais do que sedutor. Alain Resnais, nesses seus trabalhos mais
recentes, incluindo esse último, tem uma leveza profunda, que é uma coisa
admirável. É preciso muito lastro para
chegar a um resultado assim. Que, no
entanto, parece tão simples. Uma lástima
que acabe por aqui. Resta-nos, agora,
rever a sua obra excepcional, para lembrar que foi um dos maiores cineastas de
todos os tempos. E que, felizmente,
viveu bastante e produziu muito. O
cinema, a arte, a cultura, são gratos a Alain Resnais.
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