Antonio Carlos Egypto
YVES
SAINT LAURENT (Yves Saint Laurent). França, 2013. Direção: Jalil Lespert. Com
Pierre Niney, Guillaume Gallienne, Charlote Le Bon, Laura Smet. 116 min.
Um dos primeiros cuidados a tomar quando se faz uma
biografia, seja na literatura, seja no teatro ou no cinema, é o respeito à obra
do biografado. Afinal, se a pessoa foi
lembrada para ser retratada, não há de ser pelos porres que tomou, pelas brigas
que aprontou, pelas mulheres que teve ou traiu, por ser uma personalidade
excêntrica ou algo assim. Tudo isso pode
ser importante e entrar na história. Mas
é a obra que a pessoa realizou o que de fato conta. E que fez dela alguém importante para ser
lembrado. Por isso, creio que o trabalho
que notabilizou a pessoa deve ser bem mostrado e colocado em primeiro plano e
não ser eclipsado pelas fofocas, tramas amorosas ou tragédias de sua vida.
Dito isso, posso agora afirmar que considero “Yves
Saint Laurent” uma boa cinebiografia de um dos maiores talentos da moda, no
século XX. Para quem não conhece a sua
história, o filme explica. Dá para ver a
sua ascensão profissional ao longo do tempo e as suas criações em várias
etapas. Muitos vestidos são mostrados, nos
vários estilos que ele foi criando, ao encenar desfiles famosos, ensaios ou
eles sendo concebidos e desenhados por Yves.
É possível, até para quem não tem muito interesse ou conhecimento no
assunto, avaliar a qualidade do trabalho deste criador de moda, que produziu
uma grife das mais famosas do mundo. Da
alta costura ao prêt-à-porter, o seu
trabalho está na tela, o que justifica plenamente a existência do filme.
Além disso, a personalidade tímida, frágil e
conturbada do criador, sua homossexualidade e o papel que seu parceiro, Pierre
Bergé, teve em toda sua vida e carreira,
permanecendo até nos períodos em que a relação pessoal degringolou, está
bem delineada na narrativa.
Também é curioso como as diversas fases da vida de
Yves Saint Laurent são mostradas relacionando-se com fatos da época, como a
guerra da Argélia. Ele era francês
porque nascido na Argélia enquanto colônia francesa. Mas isso estava mudando de forma dramática. Sua família continuava lá, enquanto ele
buscava êxito em Paris.
Viveu em Marrakech, sua inspiração para os vestidos
reflete bem a arte marroquina, suas cores e mosaicos e até o hábito islâmico de
cobrir os cabelos nas apresentações, em um de seus períodos criativos.
A aparência de seminarista que ele apresentava no
começo do filme sofrerá mudanças radicais de imagem nos anos 1960 da era
hippie. Barba, cabelos longos, muita
loucura e drogas refletem esse período.
Tudo se rearrumará depois, quase voltando à antiga forma, assim como o
mundo, que encontraria um novo equilíbrio.
Como qualquer vida intensa reflete o mundo em que vive, Yves Saint
Laurent é visto como fruto do seu tempo.
Mas com interesses específicos, com um talento particular e um jeito
próprio de encarar a vida e os obstáculos que lhe aparecem. O momento em que é chamado a servir o
exército, em plena guerra, é especialmente revelador de uma grande crise e de
como ele lidará com ela. A dependência
de Pierre Bergé no relacionamento e nos negócios, também. Há espaço para a contestação, a rebeldia e o
descontrole no seu modo de viver.
Moda remete a sofisticação e riqueza, hábitos e
comportamentos elitizados, glamour. Mas
o filme não fica nisso, explora as misérias, contradições e conflitos desse
universo fashion. O que o torna interessante para o público em geral
e não apenas para as mulheres.
É uma bem cuidada produção, com narrativa linear, que
não exige muito do espectador, mas funciona como entretenimento e informação
sobre o assunto tratado. O filme integra
o Festival Varilux do Cinema Francês, que está nos cinemas de várias cidades
brasileiras.
Eis aqui um exemplo do porque as críticas do blog "Cinema com Recheio" são superiores a muitas outras que lemos: só um crítico preocupado com a informação, além do comentário sobre o filme, escreve um prólogo como o que tivemos o prazer de ler.
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