segunda-feira, 28 de outubro de 2013

GUIMARÃES NA MOSTRA

                         
Antonio Carlos Egypto


Em 2003, em viagem de turismo a Portugal, tive a oportunidade de passar um dia em Guimarães, a cidade onde Portugal nasceu.  Caminhei pelo mais antigo monumento nacional português, o castelo de Guimarães, do século X, o seu centro histórico, a praça principal, o Paço dos Duques, igreja, arcos e ruas históricas.  As imagens daquele passeio e da bela cidade, que exala história por todos os poros, ficaram como uma bela lembrança em minha mente.  Lembrança reavivada agora, na 37ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, ao assistir a dois filmes produzidos em Guimarães, na condição de capital europeia da cultura 2012.



O primeiro deles, “Centro Histórico”, celebra a cidade do norte de Portugal, em quatro episódios distintos, conduzidos por diretores consagrados.  O finlandês Aki Kaurismaki põe em cena um dono de um pequeno restaurante, de comida simples e sem fregueses, que vê seu vizinho prosperar.  As cores de interiores fortes e seus personagens deslocados, sempre às voltas com o insucesso, marcantes no seu cinema, frequentaram assim as ruas de pedra de Guimarães.

O português Pedro Costa fez um episódio só compreensível para quem conhece o seu cinema e um personagem específico de seus filmes.  Não pude apreciar o seu trabalho.

VICTOR ERICE

O espanhol Victor Erice se destacou, ao resgatar a história de uma fábrica de tecidos tradicional, que por anos a fio empregou gerações de operários e depois fechou.  Os depoimentos dos que lá viveram e trabalharam revelam um mundo que já não existe mais, que já não é possível, do qual se podem ter lembranças protetoras, mas também amargas, de frustração e falta de perspectivas.  Uma enorme foto do refeitório da fábrica, coalhado de operários que não sorriem, é a marca visível do episódio.

O último pequeno episódio, chamado “O Conquistador Conquistado”, foi feito por Manoel de Oliveira.  Aqui, a cidade e suas muralhas são mostradas em seus encantos por um grupo de turistas e seu guia.  Culmina na estátua de D. Afonso Henriques, que conquistou a chefia do condado portucalense, dando início ao processo de independência de Portugal, em 1128.  O conquistador, aqui, fica à mercê dos flashes contínuos dos turistas, desta vez por eles conquistado.  Mais uma pequena joia do mestre português do cinema.

PETER GREENAWAY

Outro filme da mostra especial Guimarães 2012 foi “3X3D”, que, como o título indica, mostra três visões do cinema em 3D.  A primeira e espetacular apresentação coube ao cineasta britânico Peter Greenaway, que explora a história da cidade de Guimarães, atravessando dois milênios ao redor do Paço dos Duques de Bragança, corporizando seus personagens marcantes e explorando visualmente, com muito brilho, os recursos do 3D.  Artista plástico que é, Greenaway deu uma aula de como produzir beleza com a nova tecnologia, em que o jogo de espelhos e a divisão das imagens refletidas encanta.



Depois desse episódio, o impacto dos dois outros inevitavelmente será menor.  Mas o português Edgar Pêra encontrou um cativante caminho, ao explorar a evolução tecnológica do cinema até chegar ao 3D, por meio do público, que ele classifica e que acompanha essa evolução reciclando comportamentos e expectativas dentro de um cinema de Guimarães.  Também faz um uso atraente do recurso 3D.

O último episódio coube a Jean-Luc Godard, inovador histórico do cinema, que vem de há algum tempo levantando questões filosófico-ideológicas, em relação ao mundo e ao cinema, tentando fazer o espectador pensar e olhar para o que ele não vê.  Com isso, se eximiu de explorar o recurso 3D do ponto de vista técnico.  Se o episódio fosse em 2D, não faria qualquer diferença.

MANOEL DE OLIVEIRA

O produtor dos dois filmes aqui citados comentou numa das sessões da Mostra que a intenção dele era de que Manoel de Oliveira, aos 104 anos, filmasse seu episódio em 3D.  Seria um feito e tanto: o único diretor que iria do cinema mudo ao 3D.  Mas não obteve êxito.  Manoel de Oliveira não quis filmar em 3D.  Argumentou que essa tecnologia aproxima demais o cinema da realidade e, quanto mais real for o cinema, menos arte ele será.



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