Antonio
Carlos Egypto
Em 2003, em viagem de turismo a Portugal, tive a
oportunidade de passar um dia em Guimarães, a cidade onde Portugal nasceu. Caminhei pelo mais antigo monumento nacional
português, o castelo de Guimarães, do século X, o seu centro histórico, a praça
principal, o Paço dos Duques, igreja, arcos e ruas históricas. As imagens daquele passeio e da bela cidade,
que exala história por todos os poros, ficaram como uma bela lembrança em minha
mente. Lembrança reavivada agora, na
37ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, ao assistir a dois filmes
produzidos em Guimarães, na condição de capital europeia da cultura 2012.
O primeiro deles, “Centro Histórico”, celebra a
cidade do norte de Portugal, em quatro episódios distintos, conduzidos por
diretores consagrados. O finlandês Aki
Kaurismaki põe em cena um dono de um pequeno restaurante, de comida simples e
sem fregueses, que vê seu vizinho prosperar.
As cores de interiores fortes e seus personagens deslocados, sempre às
voltas com o insucesso, marcantes no seu cinema, frequentaram assim as ruas de
pedra de Guimarães.
O português Pedro Costa fez um episódio só
compreensível para quem conhece o seu cinema e um personagem específico de seus
filmes. Não pude apreciar o seu
trabalho.
VICTOR ERICE |
O espanhol Victor Erice se destacou, ao resgatar a
história de uma fábrica de tecidos tradicional, que por anos a fio empregou
gerações de operários e depois fechou.
Os depoimentos dos que lá viveram e trabalharam revelam um mundo que já
não existe mais, que já não é possível, do qual se podem ter lembranças
protetoras, mas também amargas, de frustração e falta de perspectivas. Uma enorme foto do refeitório da fábrica,
coalhado de operários que não sorriem, é a marca visível do episódio.
O último pequeno episódio, chamado “O Conquistador
Conquistado”, foi feito por Manoel de Oliveira.
Aqui, a cidade e suas muralhas são mostradas em seus encantos por um
grupo de turistas e seu guia. Culmina na
estátua de D. Afonso Henriques, que conquistou a chefia do condado
portucalense, dando início ao processo de independência de Portugal, em
1128. O conquistador, aqui, fica à mercê
dos flashes contínuos dos turistas, desta vez por eles conquistado. Mais uma pequena joia do mestre português do
cinema.
PETER GREENAWAY |
Outro filme da mostra especial Guimarães 2012 foi
“3X3D”, que, como o título indica, mostra três visões do cinema em 3D. A primeira e espetacular apresentação coube
ao cineasta britânico Peter Greenaway, que explora a história da cidade de
Guimarães, atravessando dois milênios ao redor do Paço dos Duques de Bragança,
corporizando seus personagens marcantes e explorando visualmente, com muito
brilho, os recursos do 3D. Artista
plástico que é, Greenaway deu uma aula de como produzir beleza com a nova
tecnologia, em que o jogo de espelhos e a divisão das imagens refletidas
encanta.
Depois desse episódio, o impacto dos dois outros
inevitavelmente será menor. Mas o
português Edgar Pêra encontrou um cativante caminho, ao explorar a evolução
tecnológica do cinema até chegar ao 3D, por meio do público, que ele classifica
e que acompanha essa evolução reciclando comportamentos e expectativas dentro
de um cinema de Guimarães. Também faz um
uso atraente do recurso 3D.
O último episódio coube a Jean-Luc Godard, inovador
histórico do cinema, que vem de há algum tempo levantando questões
filosófico-ideológicas, em relação ao mundo e ao cinema, tentando fazer o
espectador pensar e olhar para o que ele não vê. Com isso, se eximiu de explorar o recurso 3D
do ponto de vista técnico. Se o episódio
fosse em 2D, não faria qualquer diferença.
MANOEL DE OLIVEIRA |
O produtor dos dois filmes aqui citados comentou numa
das sessões da Mostra que a intenção dele era de que Manoel de Oliveira, aos
104 anos, filmasse seu episódio em 3D.
Seria um feito e tanto: o único diretor que iria do cinema mudo ao
3D. Mas não obteve êxito. Manoel de Oliveira não quis filmar em
3D. Argumentou que essa tecnologia
aproxima demais o cinema da realidade e, quanto mais real for o cinema, menos
arte ele será.
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