Antonio
Carlos Egypto
REPARE BEM (Les
Yeux de Bacuri). França, Itália,
Brasil, 2012. Direção: Maria de
Medeiros. Documentário. 95 min.
A diretora de “Repare Bem” é Maria de Medeiros,
atriz, cineasta, cantora e compositora portuguesa, que faz tudo isso com enorme
talento, numa visão política aberta, generosa e democrática. Fez muitos filmes como atriz na Europa, nos
Estados Unidos e, mesmo, no Brasil.
Entre eles, “Pulp Fiction”, de Quentin Tarantino, “Henry & June”, de
Philip Kaufman, “O Xangô de Baker Street”, de Miguel Faria Jr., “Porto da Minha
Infância”, de Manoel de Oliveira. Está
atualmente em cartaz, no teatro em São Paulo, com a peça “Aos Nossos Filhos”,
de Laura Castro, que trata de preconceitos em relação à sexualidade e exílio,
ligados à ditadura brasileira.
Em 2003, dirigiu e também atuou em “Capitães de
Abril”, contando a história da Revolução dos Cravos, em Portugal, em 1974, que
primava por uma visão democrática, coletivista e até, paradoxalmente,
legalista. Se aquele movimento não
resultou em tudo o que dele se esperava para o futuro, ao menos significou a
superação definitiva do atraso e da opressão do salazarismo. A atuação militar ali era generosa e libertária. E o filme de Maria de Medeiros celebra isso.
Maria de Medeiros |
Agora, ela encara, assim como na peça em cartaz, os
horrores da perseguição e tortura que marcaram o período da ditadura paisano-militar
brasileira, como diria o cientista político Carlos Novais. O documentário faz um relato sincero,
pungente e corajoso, desse período negro, por meio de uma família e seus
sobreviventes, marcados para sempre pelos fatos. O fio condutor de “Repare Bem” é Denise
Crispim, filha de pais militantes, que conviveu com Eduardo Leite, o Bacuri,
atuando na luta armada, e com ele fez uma filha: Eduarda.
A história de prisões e torturas bárbaras, que
resultaram na morte de Bacuri com vinte e cinco anos, é relatada por ela com
todas as letras e sentimentos.
Impossível não se envolver com sua tragédia, por mais que se possa
questionar a militância comunista a que estavam ligados e a própria opção pela
luta armada. Não dá para acreditar que
tudo aquilo aconteceu daquele jeito mesmo.
E ainda há quem diga que a nossa ditadura foi branda. Pois sim!
Denise Crispim |
Outro depoimento extremamente marcante no filme é o
de Eduarda, que cresceu na Europa e tenta remontar, com os pouquíssimos
elementos que tem, a figura de seu pai e a sua própria identidade perdida. A
câmera de Maria de Medeiros está absolutamente atenta às duas mulheres, sabe
ouvir e ser solidária. É tocante,
maravilhoso. Assim como essa câmera ouve
e repara bem nelas, e nessa comovente e revoltante história, o filme não se
esquece de pregar a reparação de tudo isso, a partir da recuperação histórica
que procura fazer a Comissão da Verdade instalada no Brasil.
O título com esse duplo sentido dado ao documentário
é preciso. Há que se entender e resgatar
a história. Para isso, há que se ver e
ouvir com atenção e reparar os erros cometidos pelo Estado, não só
materialmente, mas também simbolicamente.
Uma cena do filme mostra Eduarda de posse do título
de cidadão paulistano, recentemente concedido a Eduardo Leite, o Bacuri. Em outra, ela recebe o pedido de perdão, em
nome do Estado, pela Comissão da Verdade.
Isso tem um valor imenso para ela.
Como terá para todos os muitos casos que ainda estão sendo recuperados e
em vias de reparação. Há muito o que
fazer e a portuguesa Maria de Medeiros nos mostra, com seu filme, o quanto isso
é importante.
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