domingo, 1 de setembro de 2013

REPARE BEM

                          

Antonio Carlos Egypto




REPARE BEM (Les Yeux de Bacuri).  França, Itália, Brasil, 2012.  Direção: Maria de Medeiros.  Documentário.  95 min.


A diretora de “Repare Bem” é Maria de Medeiros, atriz, cineasta, cantora e compositora portuguesa, que faz tudo isso com enorme talento, numa visão política aberta, generosa e democrática.  Fez muitos filmes como atriz na Europa, nos Estados Unidos e, mesmo, no Brasil.  Entre eles, “Pulp Fiction”, de Quentin Tarantino, “Henry & June”, de Philip Kaufman, “O Xangô de Baker Street”, de Miguel Faria Jr., “Porto da Minha Infância”, de Manoel de Oliveira.  Está atualmente em cartaz, no teatro em São Paulo, com a peça “Aos Nossos Filhos”, de Laura Castro, que trata de preconceitos em relação à sexualidade e exílio, ligados à ditadura brasileira.

Em 2003, dirigiu e também atuou em “Capitães de Abril”, contando a história da Revolução dos Cravos, em Portugal, em 1974, que primava por uma visão democrática, coletivista e até, paradoxalmente, legalista.  Se aquele movimento não resultou em tudo o que dele se esperava para o futuro, ao menos significou a superação definitiva do atraso e da opressão do salazarismo.  A atuação militar ali era generosa e libertária.  E o filme de Maria de Medeiros celebra isso.

Maria de Medeiros


Agora, ela encara, assim como na peça em cartaz, os horrores da perseguição e tortura que marcaram o período da ditadura paisano-militar brasileira, como diria o cientista político Carlos Novais.  O documentário faz um relato sincero, pungente e corajoso, desse período negro, por meio de uma família e seus sobreviventes, marcados para sempre pelos fatos.  O fio condutor de “Repare Bem” é Denise Crispim, filha de pais militantes, que conviveu com Eduardo Leite, o Bacuri, atuando na luta armada, e com ele fez uma filha: Eduarda.

A história de prisões e torturas bárbaras, que resultaram na morte de Bacuri com vinte e cinco anos, é relatada por ela com todas as letras e sentimentos.  Impossível não se envolver com sua tragédia, por mais que se possa questionar a militância comunista a que estavam ligados e a própria opção pela luta armada.  Não dá para acreditar que tudo aquilo aconteceu daquele jeito mesmo.  E ainda há quem diga que a nossa ditadura foi branda.  Pois sim!

Denise Crispim


Outro depoimento extremamente marcante no filme é o de Eduarda, que cresceu na Europa e tenta remontar, com os pouquíssimos elementos que tem, a figura de seu pai e a sua própria identidade perdida. A câmera de Maria de Medeiros está absolutamente atenta às duas mulheres, sabe ouvir e ser solidária.  É tocante, maravilhoso.  Assim como essa câmera ouve e repara bem nelas, e nessa comovente e revoltante história, o filme não se esquece de pregar a reparação de tudo isso, a partir da recuperação histórica que procura fazer a Comissão da Verdade instalada no Brasil.

O título com esse duplo sentido dado ao documentário é preciso.  Há que se entender e resgatar a história.  Para isso, há que se ver e ouvir com atenção e reparar os erros cometidos pelo Estado, não só materialmente, mas também simbolicamente.



Uma cena do filme mostra Eduarda de posse do título de cidadão paulistano, recentemente concedido a Eduardo Leite, o Bacuri.  Em outra, ela recebe o pedido de perdão, em nome do Estado, pela Comissão da Verdade.  Isso tem um valor imenso para ela.  Como terá para todos os muitos casos que ainda estão sendo recuperados e em vias de reparação.  Há muito o que fazer e a portuguesa Maria de Medeiros nos mostra, com seu filme, o quanto isso é importante.


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