quinta-feira, 2 de maio de 2013

O SONHO DE WADJDA


                             
 Antonio Carlos Egypto




O SONHO DE WADJDA (Wadjda).  Arábia Saudita, 2012.  Direção: Haifaa Al Mansour.  Com Reem Abdullah, Waad Mohamed, Abdullrahman Al Gohani, Sultan Al Assaf.  97 min.


Está entrando em cartaz nos cinemas o primeiro filme de longa-metragem produzido na Arábia Saudita, filmado em Riad, realizado por uma cineasta do país e com atores locais, em coprodução com a Alemanha.

Essa notícia por si só já surpreende.  Na Arábia Saudita não existem salas de projeção e o cinema está proibido.  Filmes são vistos na TV ou em DVD, mas há limitações e censura.  Que justamente uma mulher tenha sido a primeira a conseguir a proeza de realizar um longa por lá é algo inesperado.  Claro que ela teve problemas para atender às exigências burocráticas de caráter legal, com os controles constantes da polícia sobre as filmagens e, principalmente, com reclamações em função de haver uma mulher no comando das ações e homens e mulheres trabalharem juntos no mesmo projeto, o que não é bem aceito pela população.  Além disso, escolher uma menina para estrelar o filme foi difícil: as famílias não costumam permitir que suas filhas atuem como atrizes.  Mas, no final, tudo deu certo e, embora o filme não vá ser exibido na Arábia Saudita, chegou ao Festival de Veneza e agora está por aqui.  Sendo otimistas, podemos considerar que o simples fato de o filme ter saído já indica alguma abertura do regime.  Ventos liberalizantes?  Será?




É importante a temática do filme: singela e ambientada no mundo infantil, mas expondo muito bem a opressão a que estão sujeitas as mulheres.  Conta-se uma história, aparentemente despretensiosa, mas seu recheio conta tudo o que precisa contar.

Wadjda (Waad Mohamed) é uma menina que tem um sonho, que pode ser considerado comum e banal: ter uma bicicleta e andar com ela pela cidade.  Mas num país onde as mulheres não podem dirigir ou ter carro isso não é tão simples assim.  Meninas decentes não andam de bicicleta, isso é coisa de homem.  Além do mais, segundo a crença local, essa prática pode desvirginar as moças.  O assento ou o cano da bicicleta podem romper o hímen?  Esse deve ser o medo difundido, já que a norma não faz qualquer sentido racional.




Wadjda também desenvolverá uma amizade com um menino da vizinhança, com quem pretende disputar corridas de bicicleta.  Mas as mulheres não convivem com homens que não sejam seus maridos, noivos ou parentes.  Isso já vale para crianças com o advento da puberdade.  Um complicador a mais, portanto.  Numa brincadeira, o amiguinho brinca de tirar o véu que ela estava usando para cobrir a cabeça e isso lhe vale uma bronca enorme na escola, por estar sem o véu obrigatório. Na escola também será preciso parar de jogar amarelinha, em um dado momento, porque homens estão trabalhando no telhado e podem vê-las de lá, o que fica mal para as meninas.

Wadjda ainda enfrenta dificuldades familiares.  Sua mãe não está conseguindo ir trabalhar na hora certa e com tranquilidade, porque o motorista da van que a transporta, junto com outras mulheres, é grosseiro e impertinente.  Mas ela depende dele para se locomover.  E terá dificuldade para achar outro motorista.  O marido, pai de Wadjda, vive fora, viaja sempre, é bastante ausente.  Ama sua mulher e é correspondido, mas está à procura de uma segunda esposa, uma vez que ele teria condições de sustentá-la.  Isso deixa tristes a mãe e a menina.




Assim, a cineasta Haifaa Al Mansour, de 38 anos de idade, vai mostrando como as coisas se dão por lá.  Impossível não se incomodar.  Mas parece que agora as mulheres estão conseguindo permissão para guiar e o sonho de Wadjda de andar de bicicleta já pode se realizar sem comprometer a honra.



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