terça-feira, 19 de março de 2013

PIETÀ


   Antonio Carlos Egypto



PIETÀ (Pietà).  Coreia do Sul, 2011.  Direção: Kim Ki-Duk.  Com Min-soo Jo, Eunjin Kang, Jae-rok Kim.  104 min.


O sul-coreano Kim Ki-Duk é um cineasta visceral.  Seus personagens sempre atingem comportamentos exacerbados, como se nada pudesse detê-los.  Ou como se fosse sempre preciso testar algum tipo de limite.  Esse limite pode se revestir de erotismo, transformações no corpo, paixão, isolamento, violência.  Tudo em alto grau, para além do que se poderia esperar.  Nesse sentido, “Pietà” é muito semelhante a “A Ilha”, de 2000, “Casa Vazia”, de 2004, “Time”, de 2006, ou “Primavera, Verão, Outono, Inverno e Primavera”, de 2003, esse último seu trabalho mais lírico e belo.  Há uma patente falta de equilíbrio e uma exacerbação da experiência humana nesses filmes, que são provocadoras para o espectador.

“Pietà” se centra especialmente numa expressão da violência: a crueldade.  Ao tentar explicá-la, derrapa um pouco, mas as cenas que mostra são absurdas, inumanas, de tão radicais.



Um jovem trabalha como cobrador de dívidas de agiotas. E o faz das formas mais cruéis imagináveis, visando a obter o montante exigido.  Por exemplo, produz incapacitações que geram, de um lado, dinheiro do seguro, de outro, pessoas que perdem braços, pernas, ficam aleijadas e podem acabar como mendigas nas ruas. Sem dó nem piedade.  Afinal, quem pede dinheiro emprestado sabendo que não vai pagar e volta a pedir outra e outra vez, só pode mesmo acabar assim.  É o que ele pensa.  Os devedores não só estão de acordo como, às vezes, tentam convencê-lo a se automutilarem por dinheiro.

As condições econômicas e sociais da existência não contam, a questão se resolve no plano meramente individual.  Uma espécie de validação de vencedores e vencidos.  Inapelável.  Crítica do capitalismo que mutila e destrói as pessoas?  Afinal, tudo se faz por dinheiro.  De qualquer forma, não fica clara a dimensão coletiva do problema, o que deixa a narrativa empobrecida.  Centrada na crueldade pela crueldade.



Aí aparece uma mãe ausente e que abandonou seu filho.  Ou uma impostora, que se faz passar por ela.  De alguma maneira, as coisas mudam.  Algo pretende estar sendo explicado.  Mas não convence.

Que o ser humano é capaz de ser cruel, todos sabemos.  Que isso não tem propriamente uma explicação, também é fato.  E ficamos perplexos diante disso.  Por vezes, bradamos por vingança, crueldade para combater a inexplicável crueldade humana.  Ou tentamos acreditar em algo que aplaque a nossa consciência ou nossos próprios impulsos. 



Exibir alguém que não só nem tenta controlar seus impulsos, como também não sente culpa alguma, incomoda muito.  Se pudermos classificar numa patologia qualquer, fica mais fácil de admitir.  Só que “Pietà” não vai bem por aí.  Fala de monstros que se regem pela absoluta falta de afeto, porque lhes faltou amor.  De vinganças e mistérios.  É pouco, para tanta exposição de crueldade na tela, em que pese o talento do diretor para produzir imagens fortes, impactantes e belas, também.

“Pietà” foi premiado com o Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza.



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