Antonio Carlos Egypto
PIETÀ (Pietà). Coreia do Sul, 2011. Direção: Kim Ki-Duk. Com Min-soo Jo, Eunjin Kang, Jae-rok Kim. 104 min.
O sul-coreano Kim Ki-Duk é um cineasta visceral. Seus personagens sempre atingem
comportamentos exacerbados, como se nada pudesse detê-los. Ou como se fosse sempre preciso testar algum
tipo de limite. Esse limite pode se
revestir de erotismo, transformações no corpo, paixão, isolamento,
violência. Tudo em alto grau, para além
do que se poderia esperar. Nesse
sentido, “Pietà” é muito semelhante a “A Ilha”, de 2000, “Casa Vazia”, de 2004,
“Time”, de 2006, ou “Primavera, Verão, Outono, Inverno e Primavera”, de 2003,
esse último seu trabalho mais lírico e belo.
Há uma patente falta de equilíbrio e uma exacerbação da experiência
humana nesses filmes, que são provocadoras para o espectador.
“Pietà” se centra especialmente numa expressão da
violência: a crueldade. Ao tentar
explicá-la, derrapa um pouco, mas as cenas que mostra são absurdas, inumanas,
de tão radicais.
Um jovem trabalha como cobrador de dívidas de
agiotas. E o faz das formas mais cruéis imagináveis, visando a obter o montante
exigido. Por exemplo, produz
incapacitações que geram, de um lado, dinheiro do seguro, de outro, pessoas que
perdem braços, pernas, ficam aleijadas e podem acabar como mendigas nas ruas.
Sem dó nem piedade. Afinal, quem pede
dinheiro emprestado sabendo que não vai pagar e volta a pedir outra e outra vez,
só pode mesmo acabar assim. É o que ele
pensa. Os devedores não só estão de
acordo como, às vezes, tentam convencê-lo a se automutilarem por dinheiro.
As condições econômicas e sociais da existência não
contam, a questão se resolve no plano meramente individual. Uma espécie de validação de vencedores e
vencidos. Inapelável. Crítica do capitalismo que mutila e destrói
as pessoas? Afinal, tudo se faz por
dinheiro. De qualquer forma, não fica
clara a dimensão coletiva do problema, o que deixa a narrativa
empobrecida. Centrada na crueldade pela
crueldade.
Aí aparece uma mãe ausente e que abandonou seu
filho. Ou uma impostora, que se faz
passar por ela. De alguma maneira, as
coisas mudam. Algo pretende estar sendo
explicado. Mas não convence.
Que o ser humano é capaz de ser cruel, todos
sabemos. Que isso não tem propriamente
uma explicação, também é fato. E ficamos
perplexos diante disso. Por vezes,
bradamos por vingança, crueldade para combater a inexplicável crueldade humana. Ou tentamos acreditar em algo que aplaque a
nossa consciência ou nossos próprios impulsos.
Exibir alguém que não só nem tenta controlar seus
impulsos, como também não sente culpa alguma, incomoda muito. Se pudermos classificar numa patologia
qualquer, fica mais fácil de admitir. Só
que “Pietà” não vai bem por aí. Fala de
monstros que se regem pela absoluta falta de afeto, porque lhes faltou
amor. De vinganças e mistérios. É pouco, para tanta exposição de crueldade na
tela, em que pese o talento do diretor para produzir imagens fortes,
impactantes e belas, também.
“Pietà” foi premiado com o Leão de Ouro no Festival
de Cinema de Veneza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário