Antonio Carlos Egypto
DENTRO
DA CASA (Dans la Maison). França, 2012.
Direção: François Ozon. Com
Fabrice Luchini, Ernst Unhauer, Kristin Scott Thomas. 105 min.
“Dentro
da Casa” é um filme curioso e com uma proposta arrojada. Bem ao estilo de François Ozon, que está
sempre em busca de algo novo, inusitado, para apresentar. A história gira em torno do relacionamento de
um professor de literatura francesa, Germain (Fabrice Luchini), com um de seus
alunos.
Como
quase todos os professores hoje em dia, ele reclama que seus alunos não leem e
não escrevem mais do que duas linhas.
Até que encontra em Claude (Ernst Unhauer) um talento literário,
desabrochando aos 16 anos de idade.
Claude vai construindo sua história em capítulos, na medida em que ganha
a confiança de um colega de classe e de sua família e se imiscui na vida
deles. Aí se desenrola um filme de
suspense a la Hitchcock. Com implicações
éticas, decisões que geram fortes problemas e tudo o mais. Porém, o centro da narrativa é outro.
Na
verdade, “Dentro da Casa” é sobre a construção literária. Como ela se dá, a partir da experiência de um
autor, no caso o jovem aluno, observando a vida de outros. E como se pode construir uma história com
suposições, imaginação, delírios mesmo, a partir do que se vê.
Quem
cria uma narrativa parte de algo visível e projeta possibilidades,
desdobramentos, consequências. Inventa a
partir de algo. Que pode ser pouca
coisa, como o filme ao final ilustra. Um
diálogo que não se ouve entre duas mulheres, com gestos intensos, pode
representar uma briga de irmãs por questões financeiras, uma pendenga amorosa
entre amantes lésbicas e o que mais a imaginação puder criar. Há aí a referência a “Janela Indiscreta”,
grande clássico do mestre do suspense, em que o personagem imobilizado, na
condição de voyeur, imagina e cria, a
partir do que pode ver de sua janela, para as demais janelas das unidades do
prédio em que mora. O autor literário
também interfere na trama, se insere nela, como é o caso de Claude, convivendo
na família do amigo Rapha. E o supervisor
da obra literária, o professor Germain, também não consegue se colocar de fora
da criação. O mesmo acaba acontecendo
com sua mulher, Jeanne (Kristin Scott Thomas), com quem Germain compartilha a
escrita do jovem.
Como
distinguir a criação literária da chamada realidade? Isso pode acabar sendo difícil,
principalmente quando chega a hora de encontrar o final da narrativa em
capítulos. Quando a vida e a história
criada se confundem, os riscos são grandes e capazes de produzir situações que
escapam ao controle. Acompanhar o filme, vendo a produção literária do garoto
seguida pelo professor se construindo na forma de um folhetim aos capítulos, é
o que de mais interessante tem essa história.
O que
importa não é tanto o que acontece ao professor, ao aluno, ao colega e à
família, nem à esposa do professor. O
que importa é como se dá a criação literária, a partir de alguém inexperiente,
mas com talento e sagacidade para experimentar, correr riscos e colocar em
palavras bem escritas algo que ultrapasse sua vivência concreta, que pertença
ao mundo da imaginação, da criação. E
que, ao mesmo tempo, possa remeter ao que acontece com o próprio autor nas suas
relações atuais, em suas experiências anteriores e em seu mundo interno.
Ozon, e
o cinema francês, em algumas oportunidades, conseguem pôr em relevo a criação
literária e alçá-la à condição de personagem principal de uma película. Só quem ama e valoriza a literatura poderia
fazer uma homenagem como essa. Uma bela
e inteligente homenagem. Num filme
envolvente, que tem leveza e um bom desempenho de seu elenco.
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