quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

HAHAHA

                        
Antonio Carlos Egypto

HAHAHA (Hahaha).  Coreia do Sul, 2010.  Direção: Hong Sang-soo.  Com Sangkyung Kim, Sori Moon, Yu Junsang. 115 min.


O filme do cineasta coreano Hong Sang-soo, “Hahaha, tem o grande mérito de contar uma história de forma inovadora e surpreendente.  Dois amigos se encontram e se reúnem para beber, num bar de uma pequena cidade costeira da Coreia do Sul.  Estão lá por razões diversas e há muito não se veem. Vai daí que há bastante o que contar, um para o outro.  Muitas histórias vividas por ali mesmo.

Como ele nos mostra esse papo de bar?  Por meio de fotos em branco e preto, alternando os dois personagens, e se ouve o diálogo entre eles.  Cada um fala um pouco de seu caso e passa a bola ao outro, como se dissessem: E aí, o que aconteceu depois?  Talvez até haja frases assim, não me lembro.  Mas o sentido é esse: uma conversa que flui entre dois amigos que têm interesse um pelas histórias do outro.  E ouvem com atenção.  Falam e ouvem na mesma proporção.  Uma espécie de diálogo ideal, já que é raro que isso ocorra.  É mais comum as pessoas tentarem monopolizar a conversação, exibirem seus conhecimentos, contarem coisas sem se darem conta de que não interessam aos interlocutores.  Ou se fala por ansiedade.  Ou se cala por tédio.  Mas esse não é o caso dos jovens amigos aqui.



A cada figura ou situação que vai sendo exposta ou relatada vamos vendo as cenas coloridas, como se dão os encontros, os desencontros, os relacionamentos, o que dá e o que não dá certo.

Parecem duas narrativas paralelas, que nada tem a ver uma com a outra.  Mas, aos poucos, vamos percebendo que as pessoas com quem eles se relacionam, ou se relacionaram, são as mesmas ou se conhecem.  A expectativa fica nos rondando.  Ficamos à espera de que os relatos se encontrem.  Mas o roteiro, habilmente, encontra saídas para que isso não aconteça, de modo que ambos prosseguem seus relatos alternados, sem suspeitar de nada.  E sempre gentis e simpáticos ao que acontece com o amigo.  Sem saber que poderia ter mudado a sua vida.  A narrativa é brilhante.

O clima do filme é também muito interessante. É centrado no afeto entre dois amigos que bebem e isso se percebe  pelas fotos pois quando os vemos em ação eles estarão sempre com outras pessoas.  No entanto, é a amizade deles o que se destaca no filme.  Não só, é verdade.  As circunstâncias determinam coisas importantes, o acaso, o destino, se se pode chamar assim.  Muita coisa pode mudar o rumo da nossa vida sem que a gente sequer se dê conta ou possa ter controle sobre isso.



Há, ainda, a percepção das figuras femininas comuns às histórias dos dois.  Como elas são vistas por um e pelo outro também indicam coisas muito distintas.  Quem seria ela, ou quem seriam elas, verdadeiramente?  Há evidentes pontos em comum.  Mas cada um vê coisas bem diferentes do que o outro vê.  Ou vive com elas coisas bem diferentes, até porque as circunstâncias variam.  Haverá uma verdade do personagem ou a verdade é a mera percepção que o outro tem de cada pessoa?

Não só mulheres, objetos potenciais de desejo, ou uma mãe que é dona de restaurante, aparecem.  Uma terceira figura, um jovem que conhece ambos, em momentos e situações diferentes, vai se revelando a cada relato.  Os dois amigos parecem estar contando um para o outro sobre alguém que eles não imaginam quem seja.  Um verdadeiro painel de estudos do comportamento humano e das percepções distintas que se manifestam conforme a experiência dos sujeitos.




Pode parecer a quem está lendo este meu texto agora que se trata de um filme difícil, confuso ou pesado.  Nada disso.  O clima é não só afetivo como leve, em tom de comédia, aparentemente despretensioso.  Hong Sang-soo fala de um monte de coisas importantes para os relacionamentos humanos, como quem não está dizendo nada.  Como quem conta causos à mesa de bar.  E para isso se vale do desempenho de um elenco que atua com brilho, parecendo não estar fazendo nada demais.  A sensação é a de um bando de gente que sabe que tem talento, mas atua com humildade.  Adorável!

“Hahaha” venceu o prêmio principal da Mostra Um Certain Regard no Festival de Cannes 2010.  É o primeiro filme do diretor lançado comercialmente no Brasil, apesar de tratar-se de um cineasta conceituado e com larga trajetória na cena cinematográfica de Seul e nos festivais de cinema pelo mundo.




Nenhum comentário:

Postar um comentário