quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

AS QUATRO VOLTAS

                             
Antonio Carlos Egypto

AS QUATRO VOLTAS (Le Quattro Volte).   Itália, 2010.  Direção e roteiro: Michelangelo Frammartino.  Com Giuseppe Fuda, Bruno Timpano, Nazareno Timpano.  88 min.
Tudo se passa numa pequena e calma vila incrustada nas montanhas na região da Calábria, sul da Itália. Poucas casas, pouquíssima gente, muitas cabras, marcas de religiosidade presentes na igreja e numa procissão de personagens caracterizados para uma encenação de rua.  Uma caminhonete que transporta coisas da aldeia e para ela, um cachorro, um velho pastor de ovelhas doente.  A poeira que se assenta no chão da igreja será por ele misturada em água e bebida como remédio.  Um novo cabrito nascerá e tentará se manter sobre as próprias pernas.

Esses são alguns dos elementos do filme “As Quatro Voltas”, onde não há nenhum diálogo, apenas um vozerio eventual ou murmúrios, mas não se distingue o que é comunicado.  Até porque as cenas mostram que se trata de uma banalidade qualquer, um ato rotineiro sem nenhuma importância especial.  Também não há música, só os sons da aldeia.  São frequentes os latidos do cachorro, que se movimenta bastante.  Ouve-se o vento, o motor da caminhonete, os sinos e o berro das cabras, o movimento dos seres humanos e dos animais e tudo o mais que compõe a vida da pequena vila.  O registro é ficcional, tudo cuidadosamente encenado, mas parece documental.

É um trabalho cinematográfico que nos convida à observação, sem pressa, pois tudo acontece devagar, naturalmente.  Se alguma coisa inesperada surge, a gente vai ficar sabendo, mais pelo que conclui e ouve do que por aquilo que é mostrado.  Na verdade, o que o filme nos convida é a uma atenção difusa, se deixar penetrar pelo clima do vilarejo rural, sua vida pacata e simples.  Bem diversa do burburinho urbano das grandes cidades a que está acostumada a maioria das pessoas que vai ao cinema.
Além da encenação cuidadosa, os enquadramentos de câmera são belíssimos, dando condições àquele pequeno mundo de adentrar ao do espectador.  Ou, então, ele irá rejeitá-lo rapidamente e deixará o cinema antes do final.  Haverá espaço para um filme como esse na tela da TV, do computador ou do celular? Difícil imaginá-lo sendo absorvido por um espectador que permaneça ligado ao seu ambiente tecnológico urbano.

É de contemplação que se trata, de um desligar-se da correria das coisas do dia-a-dia, entrando em contato com uma outra realidade.  Sentir o passar do tempo, a mudança das estações, as transformações da natureza, os ciclos da vida.
É interessante que quem nos propõe uma viagem cinematográfica assim um tanto radical a um presente que remete ao mundo de um passado distante é um jovem diretor italiano, nascido em 1968, em seu segundo longa-metragem.  Sensível aos contrastes, não só de seu país ou de uma região, mas também do confronto temporal de diferentes mundos.  Em busca dessa diferença de forma determinada, eu diria.

Belíssimo trabalho.  Exemplo cabal de puro cinema, em que tudo é imagem e o próprio som é apenas uma decorrência natural dela.  Não se trata de um filme mudo que tenta falar, como nos velhos tempos do cinema silencioso.  Esse não tinha escolha.  Aqui, a simplicidade, a calma e o silêncio são uma escolha.  Um registro, um modo de tentar entender, um modo de se contrapor, quem sabe, aos ditames da pós-modernidade.  Um jeito alternativo de fazer cinema nos dias de hoje, que ainda pode ser encontrado em festivais pelo mundo.  E que, às vezes, felizmente, chega a um pequeno circuito exibidor, como é o caso agora.  Geralmente por pouco tempo. Melhor do que nada.
“As Quatro Voltas” foi exibido e recebeu prêmios no Festival de Cannes e na 34ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2010.

2 comentários:

  1. Egyto, onde encontrar este filme? abs

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    1. Ele estava sendo exibido nos cinemas de praças como S.Paulo e Rio.Nós quase sempre fazemos críticas do que está entrando em cartaz, ou vai entrar em seguida.Alguns meses depois a maioria dos filmes sai em DVD.Mas não todos.

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