Antonio Carlos Egypto
AS QUATRO VOLTAS (Le Quattro Volte). Itália, 2010. Direção e roteiro: Michelangelo
Frammartino. Com Giuseppe Fuda, Bruno
Timpano, Nazareno Timpano. 88 min.
Tudo se passa numa pequena e
calma vila incrustada nas montanhas na região da Calábria, sul da Itália.
Poucas casas, pouquíssima gente, muitas cabras, marcas de religiosidade
presentes na igreja e numa procissão de personagens caracterizados para uma
encenação de rua. Uma caminhonete que
transporta coisas da aldeia e para ela, um cachorro, um velho pastor de ovelhas
doente. A poeira que se assenta no chão
da igreja será por ele misturada em água e bebida como remédio. Um novo cabrito nascerá e tentará se manter
sobre as próprias pernas.
Esses são alguns dos elementos do
filme “As Quatro Voltas”, onde não há nenhum diálogo, apenas um vozerio
eventual ou murmúrios, mas não se distingue o que é comunicado. Até porque as cenas mostram que se trata de uma
banalidade qualquer, um ato rotineiro sem nenhuma importância especial. Também não há música, só os sons da
aldeia. São frequentes os latidos do
cachorro, que se movimenta bastante.
Ouve-se o vento, o motor da caminhonete, os sinos e o berro das cabras,
o movimento dos seres humanos e dos animais e tudo o mais que compõe a vida da
pequena vila. O registro é ficcional,
tudo cuidadosamente encenado, mas parece documental.
É um trabalho cinematográfico que
nos convida à observação, sem pressa, pois tudo acontece devagar, naturalmente. Se alguma coisa inesperada surge, a gente vai
ficar sabendo, mais pelo que conclui e ouve do que por aquilo que é
mostrado. Na verdade, o que o filme nos
convida é a uma atenção difusa, se deixar penetrar pelo clima do vilarejo
rural, sua vida pacata e simples. Bem
diversa do burburinho urbano das grandes cidades a que está acostumada a
maioria das pessoas que vai ao cinema.
Além da encenação cuidadosa, os
enquadramentos de câmera são belíssimos, dando condições àquele pequeno mundo
de adentrar ao do espectador. Ou, então,
ele irá rejeitá-lo rapidamente e deixará o cinema antes do final. Haverá espaço para um filme como esse na tela
da TV, do computador ou do celular? Difícil imaginá-lo sendo absorvido por um
espectador que permaneça ligado ao seu ambiente tecnológico urbano.
É de contemplação que se trata, de um desligar-se da correria das coisas do dia-a-dia, entrando em contato com uma outra realidade. Sentir o passar do tempo, a mudança das estações, as transformações da natureza, os ciclos da vida.
É interessante que quem nos
propõe uma viagem cinematográfica assim um tanto radical a um presente que
remete ao mundo de um passado distante é um jovem diretor italiano, nascido em
1968, em seu segundo longa-metragem.
Sensível aos contrastes, não só de seu país ou de uma região, mas também
do confronto temporal de diferentes mundos.
Em busca dessa diferença de forma determinada, eu diria.
Belíssimo trabalho. Exemplo cabal de puro cinema, em que tudo é imagem e o próprio som é apenas uma decorrência natural dela. Não se trata de um filme mudo que tenta falar, como nos velhos tempos do cinema silencioso. Esse não tinha escolha. Aqui, a simplicidade, a calma e o silêncio são uma escolha. Um registro, um modo de tentar entender, um modo de se contrapor, quem sabe, aos ditames da pós-modernidade. Um jeito alternativo de fazer cinema nos dias de hoje, que ainda pode ser encontrado em festivais pelo mundo. E que, às vezes, felizmente, chega a um pequeno circuito exibidor, como é o caso agora. Geralmente por pouco tempo. Melhor do que nada.
“As Quatro Voltas” foi exibido e
recebeu prêmios no Festival de Cannes e na 34ª. Mostra Internacional de Cinema
de São Paulo, em 2010.
Egyto, onde encontrar este filme? abs
ResponderExcluirEle estava sendo exibido nos cinemas de praças como S.Paulo e Rio.Nós quase sempre fazemos críticas do que está entrando em cartaz, ou vai entrar em seguida.Alguns meses depois a maioria dos filmes sai em DVD.Mas não todos.
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