Antonio Carlos Egypto
A DAMA DE FERRO (The Iron Lady). Inglaterra, 2011. Direção: Phyllida Lloyd. Com Meryl Streep, Jim Broadbent, Richard Grant, Harry Lloyd, Anthony Head. 105 min.
“A Dama de Ferro” é uma biografia cinematográfica de Margaret Thatcher. Primeira-Ministra britânica, de 1979 a 1990, coordenou com inflexibilidade e rígidos princípios liberais-capitalistas, o governo inglês. Primeira mulher a alcançar tal posição de poder no Reino Unido (excluída a monarquia, naturalmente), não deixou saudades para seu povo, que sofreu as agruras de sua ação política, principalmente com o desemprego e a ausência de preocupações sociais. A elite comemorava os sucessos econômicos e a era de privatizações, enquanto os efeitos da globalização penalizavam mais a população.
Por que se dedicar a contar a história desse personagem? Muitos talvez desejassem esquecê-la de vez. Em todo caso, é uma figura importante da história inglesa recente. E registrar essa trajetória tem um significado para a memória histórica da Grã-Bretanha. Não tem o charme dos reis e rainhas que costumam agradar aos ingleses, e ao mundo, quando retratados pelo cinema, mas, enfim, cabe o registro.
A ex-Primeira-Ministra Thatcher, hoje com 86 anos, já está há um bom tempo retirada da cena pública, não só pela aposentadoria, mas principalmente por um quadro de demência que a incapacita. Embora, segundo o filme, lhe reste um tanto de lucidez, ainda.
“A Dama de Ferro” parte do estágio atual de Thatcher, para que ela rememore sua história, entremeada por alucinações, em que contracena com seu marido morto em 2003, Denis. O fato de mostrá-la idosa e frágil acaba por atenuar os traços altamente autoritários e sua vasta insensibilidade social. É inevitável que a gente sinta pena dessa senhora, apesar de tudo o que o seu governo conservador produziu em seu período de poder.
Essa escolha mostra uma simpatia com tal personagem que, na verdade, não me parece merecedor disso. Os muito conservadores talvez discordem, mas a marca da sra. Thatcher no poder foi nefasta, para o povo britânico e para o contexto mundial. O filme, nos flash- backs que contam a história, mostra os conflitos e a reação popular, sem se deter nas causas e efeitos das políticas, nem passar a emoção da revolta popular.
Quando o próprio Partido Conservador se volta contra ela e a destitui de sua liderança, a narrativa mostra que isso se deveu muito mais a um incidente em que ela foi grosseira e ríspida com um membro importante do governo e do partido, do que ao esgotamento de sua política, que acabou produzindo rejeição até entre os conservadores. O fato destacado pelo filme pode ter sido a gota d’água, não mais do que isso.
“A Dama de Ferro” dedica bastante tempo a apresentar a decisão firme de Thatcher em bancar a guerra contra os argentinos nas Falklands/Malvinas que, ao unir os ingleses contra o inimigo comum, reforçou o senso patriótico e disso ela se aproveitou para reverter um quadro impopular. Ou seja, um momento forte, e de vitória, ganha mais espaço do que as críticas produzidas ao longo de mais de uma década de poder.
Valorizar a conquista do poder pelas mulheres pode ter grande significado se e quando a mulher leva sua sensibilidade para a gerência do Estado e para a consecução de políticas públicas de avanço social e combate à desigualdade, por exemplo. Margaret Thatcher, ao contrário, foi uma mulher que exerceu o poder do jeito masculino mais tradicional. Pior até do que os homens, mais inflexível e dura do que eles. Não por acaso, ficou conhecida como a dama de ferro. Foi o jeito que encontrou para se impor aos próprios homens, ao seu partido, ao país e ao mundo. Não há motivos para comemorações, no entanto.
Vale a pena ver “A Dama de Ferro”, se você concorda minimamente comigo em que não se trata de uma figura a festejar? Talvez, se você quiser se informar sobre o assunto, por meio do cinema, ou ver um desempenho notável de atriz. Meryl Streep, novamente indicada ao Oscar, não é novidade para ninguém, é capaz de interpretações inesquecíveis dos mais diversos e variados personagens. Ela é tão boa no papel que pode acabar convencendo o público de que a sra. Thatcher era bem melhor e mais humana do que de fato ela era. Não que ela não passe a dureza daquela mulher, mas é que o filme se centra muito mais no seu período presente, da demência e debilidade. Meryl Streep faz essa fase muito bem e comove, o que é um perigo. Pode vender gato por lebre.
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