Antonio Carlos Egypto
A FONTE DAS MULHERES (La Source des femmes). França, Bélgica, Itália, 2011. Direção: Radu Mihaileanu. Com Leila Bekhti, Hafsa Biyouna, Sabrina Ouajani, Saleh Bakri, Hiam Abbass, Mohamed Majd. 135 min.
Quando o diretor romeno Radu Mihaileanu, nascido em Bucareste, em 1958, apareceu com seu trabalho nos nossos cinemas, em 1999, com o “Trem da Vida”, entusiasmou. O filme já tinha conseguido um prêmio do público, no Festival de Sundance, e um da crítica, no Festival de Veneza. Bom sinal: agradar ao público e à crítica, ao mesmo tempo.
“Trem da Vida” era um filme original, uma comédia contada em tom de fábula, passada em 1941, num vilarejo hipotético da Europa, aonde os nazistas estão chegando, com vistas a deportar os judeus. Isso dá ensejo a que os próprios habitantes forjem um trem nazista, interpretando tanto os alemães, como os deportáveis, e até os comunistas. O trem passa sem deixar suspeitas, e se refaz. É bom dizer que é o bobo da aldeia quem tem a ideia.
A fábula inverossímil tinha graça e passava um tom de festa e alegria que acabou por contagiar as pessoas, na Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, daquele ano.
Ficou, então, uma expectativa para os trabalhos vindouros. Em 2009, veio “O Concerto”. Claro que houve quem gostasse, e muito, até, mas a sensação de repetir a fórmula do impossível que vira festa já não conseguia ter graça. Prometia, e até oferecia, no final, a imponência de uma boa orquestra, tocando com beleza e vigor. Mas a fábula não se sustentava. Um maestro competente e com largos serviços prestados à música de seu país, a Rússia, acaba virando faxineiro da própria instituição, rebaixado por suas supostas convicções políticas contra o comunismo do regime então vigente. E é na condição de faxineiro que ele recria sua orquestra, com todos os demais perseguidos (e eram muitos), em apenas duas semanas, sem condições e ainda na clandestinidade. Uma trama tão inverossímil e sem propósito, que não conseguia sustentar os clichês anticomunistas, aplicados aos soviéticos. Uma queda um tanto forte, para quem prometia tanto.
“A Fonte das Mulheres” seria uma espécie de tira-teima. O que teria acontecido? Só uma derrapada ou a confirmação do esgotamento da fórmula? Infelizmente, a segunda hipótese é a que prevalece.
Aqui trata-se de uma pequena vila muçulmana, situada hipoteticamente no norte da África, em que as mulheres, como sempre mandou a tradição, penam para buscar água da fonte, com latas na cabeça ou baldes nas mãos, caindo e se machucando. Os homens não as ajudam, nem lutam para obter a canalização da água junto aos políticos locais. Será que não amam suas mulheres o suficiente, para lhes oferecer uma vida melhor? Ou precisam apegar-se à tradição, para nunca virem a ser questionados em seu poder? Verdade que uns poucos homens procuram ser compreensivos e ajudá-las, mas são só uma pequena minoria.
Elas resolvem se rebelar e fazer uma greve de amor e sexo, para lutar contra eles e mudar a situação. Um manifesto feminista, em pleno Islã. Talvez para mostrar que nem só de fundamentalismo vive o Islã. Muito bem. Só que o filme não decola, traz ideias antigas e repetidas e, ainda por cima, com um didatismo irritante. A alegria e a festa, marcas do diretor, estão lá, tornando tudo mais palatável. Mas, também, mais superficial. Em que pesem os enquadramentos bem cuidados e os belos ângulos e movimentos de câmera, a estética se esvazia. Não há nada de importante a dizer, que já não seja arquiconhecido. O artificialismo de tal fábula fica evidente e o que acontece não convence hora nenhuma. Uma pena, já que o tema seria bom. Precisaria de outro tratamento. Virou, apenas, mais uma das brincadeiras do diretor, sem qualquer originalidade. Lamentável, para quem começou tão bem em sua primeira investida conhecida nos longas.
Em seu primeiro filme, “Trem da Vida”, que deve ter inspirado Roberto Benigni em “A Vida é Bela”, já que é anterior a este, criava uma trama de humor que ousava brincar com um assunto muito sério, de forma respeitosa e divertida. Já sua “A Fonte das Mulheres” requenta a batida história da greve do sexo, na guerra entre os gêneros. Acaba produzindo uma fábula simplista, onde poderia ter havido uma reflexão muito mais séria. O filme participou da seleção oficial de Cannes.
Parece que a comédia ligeira, com base em histórias imaginárias e sem preocupação com a verossimilhança, se tornou a marca registrada de Radu Mihaileanu. Alegria, festa e brincadeira, emoldurando um drama. Só que, a essa altura, está faltando inovação e criatividade.
Creio que assisti outro filme, com o mesmo título...Não sei onde o Egypto foi achar que o tema é arquiconhecido... Será por causa da Lisistrata ou das Mulheres de Atenas? Um é uma lenda grega que resultou num filme adaptado na decada de 50, dirigido por Jean Negulesco com Angie Dickinson; o outro é uma canção de Chico Buarque. O filme que assistí é uma fábula - como explicitado no início - muitissimo bem interpretado e dirigido; algumas canções graciosas pertinentes ao tema do momento, e, de quebra, algumas lições do Alcorão real e do respeito que Maome tinha pelas mulheres, convenientemente ignorado pelos homens... Aliás, o filme anterior do diretor, O CONCERTO, foi, para mim,, um dos melhores que assisti em 2.010 (lançado nos últimos dias de 2010); e, quanto à satira do regime comunista, acredito que merece crítica porque foi levíssima - eu estive na Russia em plena epoca do comunismo, e posso afirmar, entre outras coisas socialmente negativas (embora outras positivas), que o que você nunca conseguia ver era um sorriso dos transeuntes...
ResponderExcluirBem, sempre elogiei as críticas do Egypto e me identifiquei com elas; de repente uma que me coloca no campo absolutamente oposto...
Francisco Monteagudo.