Antonio Carlos Egypto
EU, EU, EU, JOSÉ LEWGOY. Brasil, 2009. Direção: Cláudio Kahns. Documentário. 85 min.
José Lewgoy (1920-2003) foi um dos atores mais presentes e representativos da história do cinema nacional, desde os tempos de grande sucesso popular das chanchadas, em que despontavam Oscarito e Grande Otelo. Lewgoy trabalhou muito com eles e se notabilizou pelo papel de vilão. Mas ele foi ator importante do cinema novo: seu papel em “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, de 1967, é destacado e inesquecível. Ele também esteve presente nas pornochanchadas que marcaram o cinema brasileiro no tempo da ditadura militar. Esteve, na verdade, numa enormidade de filmes de todos os tipos e gêneros do nosso cinema, por décadas a fio. Foram cerca de cem filmes.
Teve a oportunidade de viver e atuar no cinema no exterior, na França, nos Estados Unidos, e deixou outro grande desempenho registrado no filme “Fitzcarraldo”, do diretor alemão Werner Herzog, de 1982.
Além de tudo isso, fez muito sucesso em novelas e minisséries da TV Globo, deixando sua marca registrada, inclusive em bordões de sucesso marcante, como: “E eu não sei?”.
O documentário “Eu, Eu, Eu, José Lewgoy” traz a trajetória profissional desse grande ator, realizando ampla pesquisa e apresentando registros de atuações que cobrem todas as épocas e a grande extensão do trabalho de Lewgoy. Estão lá imagens raras de atuações em filmes de menor peso no exterior, cenas de chanchadas antigas, assim como as suas performances marcantes do cinema e também da TV.
Quem não sabe muito da sua carreira profissional ficará bem informado e poderá avaliar a importância do trabalho desse ator notável que ele foi . Esse é o centro e a razão de ser do documentário de Cláudio Kahns.
Outros aspectos da vida de José Lewgoy aparecem para explicar ou esclarecer algo que tenha relevo para o trabalho que ele desenvolveu. A vida pessoal só entra naquilo que se relaciona diretamente com a profissão. Uma escolha perfeita, a meu ver. O que interessa é resgatar a importância do ator para a cultura brasileira e suas relações com a época em que viveu, do nosso Brasil recente. Com destaque para o legado cinematográfico que ele deixou em seus desempenhos brilhantes como ator que, apesar de marcado pelo eterno papel do vilão, foi muito além disso no drama, na comédia ou na aventura.
Aparecem também o seu propalado mau-humor, seu acidente e as sequelas que deixou, e o narcisismo de sempre se referir a si mesmo, empregando abusivamente a primeira pessoa do singular. Esse último aspecto acabou servindo de título ao filme. Mas tudo isso entra porque tem relação direta com sua vida profissional.
O depoimento de Guilherme de Almeida Prado a respeito do filme “A Hora Mágica”, de 1998, que ele dirigiu e em que Lewgoy faz três papéis e se vale até de morfina para dar conta do que havia se proposto a fazer, é um dos momentos tocantes, e ao mesmo tempo divertidos, da personalidade e da tenacidade de José Lewgoy, o ator.
Muitos outros depoimentos ajudam a revelar quem foi, o que fez e como fez Lewgoy o seu trabalho: Tônia Carrero, Millôr Fernandes, Anselmo Duarte, Luís Fernando Veríssimo, Chico Caruso, Sérgio Augusto, Gilberto Braga e Glória Pires são alguns deles. É emocionante o relato de Werner Herzog sobre sua relação com Lewgoy e a atuação dele no filme “Fitzcarraldo”. Há, ainda, outros depoimentos colhidos no exterior, como o do crítico de cinema do Village Voice, Elliot Stein, amigo de Lewgoy.
Um conjunto de imagens reveladoras do talento de Lewgoy, complementadas por esses depoimentos todos, dá a dimensão desse ator mítico do cinema e da TV brasileiros, que partiu de uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul (Veranópolis) e se tornou um ator de projeção internacional. Maior do que ele mesmo se julgava ou percebia, apesar do narcisismo. Deixa saudades. Já não se fazem vilões como antigamente, nem é fácil encontrar atores com tamanho talento e cultura como ele tinha. José Lewgoy foi único.
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