Antonio Carlos Egypto
O HOMEM AO LADO (El Hombre de al Lado). Argentina, 2009. Direção: Mariano Cohn e Gastón Duprat. Com Rafael Spregelburd, Daniel Aráoz, Eugenia Alonso, Inés Budassi, Loren Acuña. 100 min.
Vizinhos podem ser uma surpresa na vida da gente. Nunca se sabe se resultarão em convívio pacífico, amizade, indiferença ou motivo de desentendimentos e conflitos.
Em “O Homem ao Lado”, Leonardo (Rafael Spregelburd) é um designer industrial muito bem sucedido, que vive com sua esposa Anne (Eugenia Alonso), sua filha Lola (Inés Budassi) e a empregada Alba (Loren Acuña), na cidade de La Plata, em Buenos Aires, numa casa dos sonhos. Basta dizer que essa casa foi a única construída pelo famoso arquiteto Le Corbusier, em toda a América. Ela vive sendo fotografada por estudantes de arquitetura, turistas e outros interessados.
Leonardo é um personagem da elite, tanto financeira, quanto intelectual, se dando ao direito de ser, às vezes, muito exigente, sarcástico ou arrogante. Sua mulher não deixa por menos, quer as coisas do seu jeito e pode ser intolerante em algumas situações. A filha, em início de adolescência, vive em seu mundo, exercitando-se, sempre ligada num som que lhe vem pelos auriculares. Não se comunica com os pais se não for obrigada a isso, como acontece em poucas situações.
O vizinho do lado, Vitor (Daniel Aráoz), entra na vida deles quando começa a quebrar uma parede de sua casa para fazer uma janela que dá direto para a casa de Leonardo, perturbando sua intimidade e realizando ato ilegal, segundo creem Leonardo e Anne. A construção ou não da janela, as mudanças na sua proposta e o seu possível fechamento pontuam toda a trama do filme. É pelo litigante da janela que vamos acompanhar os personagens e a relação que se estabelece entre eles.
Ao sofisticado Leonardo se contrapõe o simplório e direto Vitor, uma figura destemida e que, aparentemente, não se constrange em nenhuma situação. O que fazer com ele? Pedir, intimidar, brigar, negociar, aproximar-se dele, tratá-lo como amigo?
É de diferenças de classes sociais que se trata, mas também de experiências diversificadas, de personalidades e de estilos de encarar a vida que se trata, também. Enfim, das diferenças que estão presentes nos contatos sociais. Só que numa situação onde o convívio se faz obrigatório, em função da vizinhança.
Que rumo essa história irá tomar? É aí que o filme tem sua força: não dá para prever. As situações se sucedem, revelando decisões e ações inesperadas, que surpreendem ou que se mostram diferentes do que pareciam ser. É possível compreender as motivações dos dois lados e apreciar ou não a conduta de uma parte e da outra. O desenrolar dos fatos e o final do filme são reveladores e têm algo a afirmar. Mas o fazem de forma sutil, utilizando um elemento surpresa.
O jogo de relacionamento que se estabelece em torno da construção da janela, indispensável para Vitor, indesejável para Leonardo, põe a nu jeitos de ser e encenam uma interessante disputa pelo poder, em situações em que flagrantes disparidades existem.
O confronto entre eles é o confronto de mundos distintos, separados socialmente, mas diferenciados também por fatores individuais. Por outro lado, mostra por pequenas frestas o que há em comum de humanidade nas relações de poder que se estabelecem. E na forma de tentar solucioná-las.
A narrativa é linear, com ênfase nas formas distintas de lidar com a realidade que os dois principais personagens apresentam. O desempenho dos atores que protagonizam a trama dá bem conta desse objetivo. A figura do ator Daniel Aráoz é perfeita para o tipo do personagem Vitor e ele cria uma interpretação que dispensa qualquer exagero e se destaca pela eficácia. A arquitetura sofisticada e os elementos artísticos que são postos em cena caem como uma luva para exprimir a vida de elite de Leonardo e sua família.
O “Homem ao Lado” é mais um bom produto do cinema argentino contemporâneo, cujos filmes o público brasileiro tem sabido apreciar, em que pesem as rivalidades futebolísticas e comerciais que existem entre os dois países, também vizinhos.
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