Antonio Carlos Egypto
POESIA (Shi). Coreia do Sul, 2010. Direção: Lee Chang-Dong. Com Jeong-hee Yoon, Hira Kim, Da-wit Lee. 139 min.
De que se alimenta a poesia? Da observação e da redescoberta do cotidiano. Da beleza que se pode encontrar nas coisas simples da vida. Da redescoberta da beleza de uma flor, do fluir de um rio, do vento que sopra. Isso tudo significa um novo olhar sobre a vida, treinar a observação em busca da expressão por palavras.
Mas é só de beleza que se alimenta a poesia? Ou dos sentimentos a ela associados? Pode haver poesia a partir do espanto, da dor, da decepção, da iminência da morte?
São essas as questões que estão em jogo na vida da senhora Mija (Jeong-hee Yoon), uma mulher que se veste lindamente para sua idade, que se situa entre os 70 e os 80 anos. Sempre suave, gentil e bem produzida, ela busca nas aulas de poesia um novo estímulo para viver e se propõe a encarar o desafio de, pela primeira vez na vida, escrever um poema.
Procura reeducar o olhar e vai se surpreendendo com o que vê, com a beleza das coisas, como se o fizesse pela primeira vez. Seu cotidiano acaba obrigando-a, porém, a olhar também para a desgraça humana. Encarar a existência da maldade e dos interesses que se sobrepõem aos sentimentos.
Ela própria esquece palavras banais de seu dia-a-dia, o que lhe dificulta a comunicação. Muitas vezes parece dispersa, distante do que lhe sucede, sem conseguir acompanhar o que se passa e tomar posições. Pelo menos, é assim que nos parecem suas atitudes.
Uma visita a um hospital para cuidar da própria saúde faz com que ela se depare com a mãe de uma adolescente, desesperada porque sua filha tão jovem cometeu suicídio. Mija cuida de um neto adolescente, que estudava com a menina na mesma escola e acaba por ter de encarar que seu neto tem relação com esse suicídio. O menino mal consegue cuidar de sua própria higiene, vive a comer, ver TV e jogar videogame, com quem ela não consegue entabular conversa nenhuma. Cuida bem dele e não vê resultados ou reconhecimento. E agora isso?
É no desenrolar dessa história que Mija encontrará o caminho doloroso, mas enriquecedor, da poesia. É bonito acompanhar um filme que, por meio de belas imagens e de uma grande atriz, trata de poesia. E até ousa chamá-lo, precisamente, de “Poesia”. Essa poesia está não só no assunto de conseguir redigir um poema, mas em sua linguagem cinematográfica, essencialmente poética, sem dúvida.
É mais um bom filme que nos chega da Coreia do Sul, de ritmo e beleza orientais, que nos convida à contemplação. O diretor Lee Chang-Dong já está em seu quinto longa-metragem, com prêmios em Veneza e Cannes, tendo sido, durante um período, ministro da Cultura e Turismo, na Coreia do Sul. É o primeiro filme dele que vejo. Estarei atento aos próximos ou a alguma retrospectiva de seus trabalhos, que venha a ser realizada.
Não é sempre que o cinema nos brinda com tão bela poesia, sem se alienar da realidade, por mais dura que ela possa ser. E que nos mostra uma personagem tão fantástica, como é a senhora Mija, de quem não se esquece facilmente. “Poesia” recebeu o prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes. A trama é, de fato, muito bem engendrada. É um dos pontos altos do filme. Mas a riqueza de detalhes a observar é tão importante e reveladora quanto o desenrolar da trama.
Olá,Áurea Laguna indicou-me o seu blog, gostei. Parabéns! Como poeta e mãe de adolescentes, fiquei curiosa sobre o filme. Um abraço, Eliane
ResponderExcluir