Antonio Carlos Egypto
BAARÌA – A PORTA DO VENTO (Baarìa). Itália, 2009. Direção e roteiro: Giuseppe Tornatore. Com: Francesco Scianna, Margareth Madè, Raoul Bova, Angela Molina e Monica Bellucci. 150 min.
Se o diretor italiano Giuseppe Tornatore não tivesse feito nenhum outro filme além de “Cinema Paradiso”, passaria para a história do cinema só por essa maravilhosa película. Ele fez muito mais coisas, por certo, ainda que não tenha voltado a acertar na mosca da mesma forma. Talvez fosse mesmo pedir demais.
Com “Baarìa”, porém, o cinema de Tornatore volta a crescer. É um projeto grandioso, um filme já concebido para ter grande importância e significado na vida do diretor, do cinema italiano em novo momento de crescimento e do espetáculo cinematográfico em geral. “Baarìa” é o nome pelo qual é chamada a cidade de Bagheria, que tem entre suas possíveis etimologias poder derivar de Bab el Gherid, que em árabe significa “A Porta do Vento”. Daí o título do lançamento brasileiro.
Baarìa, na província de Palermo, é a cidade onde nasceu Giuseppe Tornatore e onde viveu até os 28 anos de idade. O filme pretende prestar uma homenagem à sua terra natal e à sua família. É a saga épica de uma família siciliana, através de três gerações, a partir da década de 1930 até a de 1980. Passa, portanto, pela ascensão e solidificação do fascismo, a Segunda Guerra Mundial e a fome que dela resultou e a consequente paixão pela política, que envolve Peppino (Francesco Scianna). São os tempos das lendárias esperanças que o PCI (Partido Comunista Italiano) despertava. Mas do modelo soviético nas mãos de Stálin começam a surgir as dúvidas.
De toda maneira, foram tempos de muitas e decisivas convicções. Mudar o mundo era um imperativo. O militante comunista encontraria, por outro lado, as incompreensões e os preconceitos habituais, incluindo a velha história de que “comunista come criancinha”, que não deixa de ser citada no filme. Em momento já de maturidade, sua atuação será chamada de reformista. E ele explica ao filho o que é isso: “reformista é aquele que sabe que, ao bater com a cabeça no muro, você quebra a cabeça, não o muro”.
Peppino encontra a mulher de sua vida, Mannina (Margareth Madè), e ela terá de entender e acompanhar as lutas políticas do marido. Os jovens amantes buscarão a realização de seus sonhos, vivendo todas as dificuldades possíveis. Entre elas, a presença do crime organizado na história.
Cada cena é bem trabalhada e realizada com capricho, mesmo aquelas que tratam de coisas banais. Por exemplo, o filme começa com a corrida de um garoto para comprar cigarros para um adulto, em troca de uma moeda. A filmagem dessa cena já tem um caráter forte e intenso e servirá de base para a mudança de época ao longo da película.
De Cicco para seu filho Peppino até seu neto, Pietro, o filme é um relato dessa saga familiar em que as emoções afloram todo o tempo. Grandes paixões, alegrias e tragédias pontuam a história, que é também recheada de humor e poesia.
A reconstrução das diferentes épocas por que passa a trama do filme se faz por meio de uma estética cativante. Locações na Tunísia, segundo informa o diretor de arte Maurizio Sabatini, além de levar a belos lugares, apresentam uma série de analogias com Baarìa, como era no início do século XX. Ainda segundo ele, a construção dos cenários envolveu desafios à criatividade, para que se pudesse passar de uma época a outra em questão de dias. O resultado é amplamente convincente.
Os números divulgados relativos ao filme são todos grandiosos. Uma superprodução que levou 9 meses de preparação, 12 meses para a construção dos sets, 25 semanas de filmagens, envolvendo 122 locações, 2800 trajes, 63 atores profissionais, 147 não profissionais e 35.000 figurantes, 27 temas originais de música, sob a responsabilidade de Ennio Morricone para 210 personagens.
Não é apenas o fato de ser superprodução de alta qualidade o que importa. Mas é que se trata também de um trabalho que tem grande investimento afetivo do diretor. Um filme que evoca memórias, amores, sonhos e desilusões de personagens marcados pela cultura siciliana, mostrada sobretudo no comportamento intenso, histriônico dos seus habitantes e em que a intimidade é vivida de forma pública. A história dos personagens se funde com a história política da Sicília e, consequentemente, da Itália. Na medida em que o espectador se emociona com os muitos elementos constitutivos da saga e se maravilha com as imagens que a telona apresenta, vai aprendendo algo sobre a história política da Itália, ao longo de grande parte do século XX.
O filme é longo, são duas horas e meia de projeção, mas não dá para sentir o tempo passar, pelo envolvimento que se tem com personagens e situações tão próximas de todos, apesar das diferenças culturais, além da beleza que impregna toda a película. E a gente até quer mais. “Baarìa” foi um investimento de peso, dando suporte ao roteiro e direção de uma história pessoal e autoral de Giuseppe Tornatore. Compensou artisticamente o custo. É o melhor filme dele desde “Cinema Paradiso”, de 1989.
Ótimo texto, Egypto. E também compartilho com você minhas impressões positivas do filme de Tornatore, que realmente me emocionou pela poesia das cenas, pelos diálogos, pelos personagens bem construídos. Ultimamente, estão raros os filmes bons, é verdade, principalmente no grande circuito, e este, com apenas 10 cópias, não foge à regra. É para o pequeno grupo que vão os ótimos trabalhos.
ResponderExcluir