Antonio Carlos Egypto
O ESTRANHO EM MIM (Das Fremde in Mir). Alemanha, 2008. Direção: Emily Atef. Com Susanne Wolff, Johann von Buelow, Maren Kroymann, Hans Diehl e Judith Engel. 99 min.
Seguramente, é preciso coragem para tratar de um tema como depressão pós-parto no cinema. Mais palatável seria a discussão por meio de médicos e psicólogos habituados a uma linguagem técnica e dando orientações pela TV, por revistas ou Internet.
Transpor o assunto para uma obra de ficção na literatura, no teatro ou no cinema implica enfrentar alguns tabus. Primeiro: o tabu da maternidade, tão valorizado na nossa sociedade. Basta dizer que o Dia das Mães é a comemoração que mais lucro dá ao comércio, ao lado do Natal. Segundo: apresentar o sentimento de rejeição que se dirige ao bebê recém-nascido por aquela que o pariu. Assustador, sem dúvida. Terceiro: encarar o fato de que a maternidade não é a realização de todas as mulheres e, principalmente, que ser mãe não é algo “natural” da ordem da biologia, mas algo também aprendido, da ordem da cultura. Em tempos de busca desenfreada de respostas genéticas para tudo ou quase tudo, soa estranho. Quarto: na ficção é a emoção que conta. E o que uma mulher com depressão pós-parto mostra é o contrário do que se espera encontrar. Não se trata só da rejeição ao filho, mas também da culpa vivida pela própria mãe e seu sentimento de autodestruição.
São temas pesados, que nada têm a ver com um cinema de entretenimento ou diversão. É, portanto, difícil de fazer, já que não é comercialmente rentável. Além disso, é fácil ir para o lado piegas, moralista, e terminar no final feliz e redentor, que acabaria por negar toda a complexidade do assunto. Pois a diretora alemã, Emily Atef, conseguiu lidar muito bem com tudo isso, apenas no segundo longa metragem de sua carreira, e fez um belo filme, que será uma referência para a discussão da depressão pós-parto, daqui por diante.
Ao contar a história de Rebecca, jovem de 32 anos, e seu marido Julian, de 34, que se dão muito bem e esperam a chegada de seu primeiro filho, o que se imagina, quando do parto de um menino saudável, é a coroação dessa felicidade. Mas é o oposto disso o que ocorre, quando se manifesta a reação de estranheza da mãe por seu bebê e se percebe o sofrimento dela.
Por meio do filme, vamos conhecendo a vivência dessa mulher acuada, com medo e culpa, com a pulsão de morte buscando ocupar o lugar da vida, convivendo com seus próprios impulsos agressivos ou suicidas. Tudo isso mostrado com sutileza, de forma contida, o que acentua a força do problema.
Quando tudo vira do avesso, a família se desintegra e a mãe pode ser vista como ameaça à criança. A gente entende o que a personagem sente, inclusive sua ambiguidade, mas os demais personagens da trama têm dificuldade de entender e sofrem com isso, ao mesmo tempo em que discriminam a vítima, que parece algoz também.
Mas há os inúmeros recursos dos profissionais de saúde, terapeutas de diversos enfoques, que poderão ajudá-la. O acesso a eles numa hora dessas é fundamental, assim como a mãe da mãe, que vem de longe para tentar entender, acolher e ajudar.
O tratamento é longo, difícil e penoso, às vezes. “O estranho em mim” nos mostra esse processo com esperança, mas com honestidade. Sem escamotear as dificuldades e sem glamourizar a sua gradual superação, sendo didático, até. O que é muito bom, já que uma das formas de superar tabus é se informar, conhecer o assunto, ser capaz de problematizá-lo. É possível aprender muito sobre a depressão pós-parto assistindo ao filme.
A diretora Emily Atef foi capaz de abordar o avesso da maternidade com sensibilidade, veracidade e humanismo, levando os espectadores a viver os conflitos e emoções que sua personagem vivia, ao enfrentar tal drama. É impossível ser indiferente a ela, deixar de se emocionar com os fatos que se sucedem, de refletir sobre eles. E também compreender o que acontece com todos os outros personagens que entram na história, em especial Julian.
O filme foi exibido na 32ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2008. Chega agora, em agosto de 2010, quase dois anos depois, às salas de exibição. Espero que chegue também ao DVD e seja visto e debatido por muita gente. É um filme que tem o que dizer, não tem medo de correr riscos e não se pauta pelo gosto do mercado. Corajoso, inovador e muito bem feito.
O ESTRANHO EM MIM (Das Fremde in Mir). Alemanha, 2008. Direção: Emily Atef. Com Susanne Wolff, Johann von Buelow, Maren Kroymann, Hans Diehl e Judith Engel. 99 min.
Seguramente, é preciso coragem para tratar de um tema como depressão pós-parto no cinema. Mais palatável seria a discussão por meio de médicos e psicólogos habituados a uma linguagem técnica e dando orientações pela TV, por revistas ou Internet.
Transpor o assunto para uma obra de ficção na literatura, no teatro ou no cinema implica enfrentar alguns tabus. Primeiro: o tabu da maternidade, tão valorizado na nossa sociedade. Basta dizer que o Dia das Mães é a comemoração que mais lucro dá ao comércio, ao lado do Natal. Segundo: apresentar o sentimento de rejeição que se dirige ao bebê recém-nascido por aquela que o pariu. Assustador, sem dúvida. Terceiro: encarar o fato de que a maternidade não é a realização de todas as mulheres e, principalmente, que ser mãe não é algo “natural” da ordem da biologia, mas algo também aprendido, da ordem da cultura. Em tempos de busca desenfreada de respostas genéticas para tudo ou quase tudo, soa estranho. Quarto: na ficção é a emoção que conta. E o que uma mulher com depressão pós-parto mostra é o contrário do que se espera encontrar. Não se trata só da rejeição ao filho, mas também da culpa vivida pela própria mãe e seu sentimento de autodestruição.
São temas pesados, que nada têm a ver com um cinema de entretenimento ou diversão. É, portanto, difícil de fazer, já que não é comercialmente rentável. Além disso, é fácil ir para o lado piegas, moralista, e terminar no final feliz e redentor, que acabaria por negar toda a complexidade do assunto. Pois a diretora alemã, Emily Atef, conseguiu lidar muito bem com tudo isso, apenas no segundo longa metragem de sua carreira, e fez um belo filme, que será uma referência para a discussão da depressão pós-parto, daqui por diante.
Ao contar a história de Rebecca, jovem de 32 anos, e seu marido Julian, de 34, que se dão muito bem e esperam a chegada de seu primeiro filho, o que se imagina, quando do parto de um menino saudável, é a coroação dessa felicidade. Mas é o oposto disso o que ocorre, quando se manifesta a reação de estranheza da mãe por seu bebê e se percebe o sofrimento dela.
Por meio do filme, vamos conhecendo a vivência dessa mulher acuada, com medo e culpa, com a pulsão de morte buscando ocupar o lugar da vida, convivendo com seus próprios impulsos agressivos ou suicidas. Tudo isso mostrado com sutileza, de forma contida, o que acentua a força do problema.
Quando tudo vira do avesso, a família se desintegra e a mãe pode ser vista como ameaça à criança. A gente entende o que a personagem sente, inclusive sua ambiguidade, mas os demais personagens da trama têm dificuldade de entender e sofrem com isso, ao mesmo tempo em que discriminam a vítima, que parece algoz também.
Mas há os inúmeros recursos dos profissionais de saúde, terapeutas de diversos enfoques, que poderão ajudá-la. O acesso a eles numa hora dessas é fundamental, assim como a mãe da mãe, que vem de longe para tentar entender, acolher e ajudar.
O tratamento é longo, difícil e penoso, às vezes. “O estranho em mim” nos mostra esse processo com esperança, mas com honestidade. Sem escamotear as dificuldades e sem glamourizar a sua gradual superação, sendo didático, até. O que é muito bom, já que uma das formas de superar tabus é se informar, conhecer o assunto, ser capaz de problematizá-lo. É possível aprender muito sobre a depressão pós-parto assistindo ao filme.
A diretora Emily Atef foi capaz de abordar o avesso da maternidade com sensibilidade, veracidade e humanismo, levando os espectadores a viver os conflitos e emoções que sua personagem vivia, ao enfrentar tal drama. É impossível ser indiferente a ela, deixar de se emocionar com os fatos que se sucedem, de refletir sobre eles. E também compreender o que acontece com todos os outros personagens que entram na história, em especial Julian.
O filme foi exibido na 32ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2008. Chega agora, em agosto de 2010, quase dois anos depois, às salas de exibição. Espero que chegue também ao DVD e seja visto e debatido por muita gente. É um filme que tem o que dizer, não tem medo de correr riscos e não se pauta pelo gosto do mercado. Corajoso, inovador e muito bem feito.
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