Antonio Carlos Egypto
DZI CROQUETTES. Brasil, 2009. Direção: Tatiana Issa e Raphael Alvarez. Documentário. 110 min.
Uma menina pequena, por conta do trabalho de seu pai, conheceu e conviveu de perto com um grupo artístico de homens que, para ela, eram os palhacinhos. Diversão pura. Essa menina, 40 anos depois, é a cineasta Tatiana Issa, que conta essa história, junto com Raphael Alvarez. Eles são os diretores do filme que homenageia o grupo. Mais do que homenagear, refaz a trajetória daquele grupo num momento crucial da história política brasileira.
Que grupo era esse? Os fantásticos “Dzi Croquettes”, uma troupe de 13 homens, liderados por Lenie Dale e Vagner Ribeiro, que dançavam, cantavam, faziam cenas teatrais vestidos de mulher, com muita purpurina, roupas extravagantes, nudez, um deboche e uma ironia capazes de implodir o moralismo oficial do período, combater os tabus e preconceitos e alegrar o público num momento triste do país.
Vivíamos o auge da ditadura militar quando eles se projetaram e fizeram um sucesso enorme nos palcos do Rio, São Paulo e de todo o pais, nos anos 1970 e, depois, em Paris. Só não conquistaram Nova York porque não quiseram, já que o apoio entusiasmado de Liza Minelli, que tanto abriu portas para eles na França, valeria ainda mais nos Estados Unidos.
O que o documentário nos mostra é o ineditismo do grupo: eles faziam um show que poderia ser visto como um show de travestis ou um espetáculo gay, mas não era isso. Ou era muito mais do que isso. Primeiro, porque aqueles homens peludos e barbados, vestidos de mulher, não correspondiam ao figurino tradicional dos travestis e não se apresentavam em lugares gays, mas em teatros que se dirigiam a um público muito mais amplo. Além disso, críticos e politizados, faziam do deboche sua arma contra uma ditadura que censurava a cena cultural, perseguia artistas e ficara perplexa diante daquilo que não conseguia entender ou classificar. E que levava grandes plateias aos teatros. Era algo perigoso, certamente. Mas por quê? Alguma nudez ou palavrões poderiam ser censurados, mas não mudava nada. Até que em algum momento tudo foi censurado.
Os “Dzi Croquettes” agitaram a cena cultural brasileira e deixaram influências muito fortes, o que o documentário resgata por meio de depoimentos, como os de Miéle, Nelson Motta, Ney Matogrosso, Betty Faria, Gilberto Gil, Cláudia Raia, Pedro Cardoso, Norma Benguel e outros mais. Cenas do espetáculo do grupo são resgatadas e esse é o maior mérito do filme, já que o tempo apagou da memória aquele trabalho incrível, que os jovens de hoje não chegaram a conhecer.
A figura de Lenie Dale associa-se à cena musical do período, porque um bailarino norte-americano, apaixonado pela música brasileira, com espírito inovador e francamente revolucionário, foi capaz de influir em pessoas-chave da MPB da época e incrementar espetáculos com muita dança e movimento corporal. Uma das maiores beneficiárias do talento de Lenie Dale foi Elis Regina, que ganhou uma força no palco do tamanho do seu talento musical incomum.
“Dzi Croquettes” nos faz relembrar que já houve no Brasil um idealismo na cena cultural carregado de muita urgência de fazer coisas e de muita bravura, também.
Os palhacinhos eram, na verdade, revolucionários que pareciam ter saído de um bloco de carnaval, mas paradoxalmente não estavam para brincadeira, não. Dos 13 integrantes originais, 8 morreram dizimados pela Aids ou outras doenças ou por assassinatos que poderiam ter sido melhor explicados pelo filme. O legado dos “Dzi Croquettes” está muito vivo nos muitos artistas que beberam daquela fonte e estão produzindo belos trabalhos, hoje. Mas faltava recuperar a memória perdida, o que se fez agora, com muita justiça, nesse documentário tão competente.
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