segunda-feira, 30 de novembro de 2015

DOIS AMIGOS


Antonio Carlos Egypto




DOIS AMIGOS (Les Deux Amis).  França, 2015.  Direção: Louis Garrel.  Com Louis Garrel, Golshifteh Farahani, Vincent Macaigne.  100 min.


Louis Garrel talvez seja o jovem ator francês de sua geração (em torno dos 30 anos de idade) de maior sucesso no mundo do cinema.  Agora ele, além de atuar, dirige seu primeiro longa-metragem.  E veio ao Brasil para divulgá-lo.  É “Dois Amigos”, um filme sobre relacionamentos humanos que se mostram complicados porque há segredos, subentendidos, falta de sinceridade e medo, nos contatos.  Na base deles está o desejo, a possibilidade do envolvimento amoroso e o que, por algum motivo, não pode acontecer.




A temática, claro, tem tudo a ver com a herança da nouvelle vague.  O jeito de filmar, cool e próximo dos personagens, também.  Afinal, Louis é filho do grande cineasta Philippe Garrel, com quem trabalhou como ator em filmes que retratam as muitas formas de vivenciar o amor e seus problemas, como “Amantes Constantes” (2005), “Fronteira da Alvorada” (2008), “Um Verão Escaldante” (2011) e “Ciúme” (2013). 

Ator frequente também em filmes de Christophe Honoré, Louis Garrel divide com ele o roteiro de “Dois Amigos”.  Honoré costuma trabalhar com personagens em busca de amor e afeto, mas um tanto estranhos e desencontrados.  Ou bizarros, para ficar num termo frequente em língua francesa.  “Em Paris” (2006), “Canções de Amor” (2007), “A Bela Junie” (2008) e “As Bem-Amadas” (2011) são exemplos de filmes que Honoré dirigiu, tendo Louis Garrel no elenco.


Louis Garrel em coletiva de imprensa SP

A experiência do ator e essas influências são muito positivas no que se vê em “Dois Amigos”.  O filme se centra em dois personagens masculinos bem construídos.  Frágeis, carentes, dependentes um do outro e com uma alma feminina, convivem com uma mulher forte, intensa e algo misteriosa, que luta para sobreviver, enquanto aguarda sair da prisão.  Já está em regime semiaberto, trabalhando fora, mas isso ainda limita muito sua vida.  O papel é da atriz iraniana Golshifteh Farahani, que já mostrou seu talento em filmes como “Procurando Elly” (2010), no Irã, e em “Pedra de Paciência” (2014), no Afeganistão.  Ela vive na França e nem pode pensar em voltar a seu país de origem, depois que posou nua para uma revista.  A propósito, ela está linda e sensual em “Dois Amigos”, é o grande destaque do filme.  Uma estrela.


Louis Garrel no Reserva Cultural

Além de Louis Garrel, que consegue dar conta de dirigir e atuar, está no filme Vincent Macaigne, o amigo, em belo desempenho.  Ambos girando em torno da figura marcante da jovem mulher que, na prática, comanda as ações e dá luminosidade ao filme.


sábado, 28 de novembro de 2015

OS 100 MAIS DO CINEMA BRASILEIRO


Antonio Carlos Egypto



A ABRACCINE, Associação Brasileira dos Críticos de Cinema, que reúne cerca de cem críticos de todo o Brasil, da qual tenho orgulho de ser membro, convidou todos os seus integrantes a elaborarem listas com os 25 melhores filmes brasileiros de todos os tempos, em ordem de preferência, com vistas a uma publicação em 2016.

Computou os resultados e chegou à lista dos 100 grandes destaques do cinema nacional, com a pontuação recebida, na ordem em que foram votados.  Creio que chegamos a uma seleção bem representativa da nossa história cinematográfica, embora sempre seja possível detectar a ausência de um grande trabalho, questionar a inclusão de algum dos escolhidos ou sua ordem de importância.  A subjetividade faz parte do trabalho da crítica.  E ser criticado, também.  Confira a lista.

LIMITE

1.         Limite (1931), de Mario Peixoto 
2.         Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha 
3.        Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos 
4.        Cabra Marcado para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho 
5.        Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha 
6.        O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla 
7.       São Paulo S/A (1965), de Luís Sérgio Person 
8.        Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles 
9.        O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte 
10.      Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade 
11.      Central do Brasil (1998), de Walter Salles 
12.      Pixote, a Lei do Mais Fraco (1981), de Hector Babenco 
13.      Ilha das Flores (1989), de Jorge Furtado 
14.      Eles Não Usam Black-Tie (1981), de Leon Hirszman 
15.     O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho 
16.     Lavoura Arcaica (2001), de Luiz Fernando Carvalho 
17.     Jogo de Cena (2007), de Eduardo Coutinho 
18.     Bye Bye, Brasil (1979), de Carlos Diegues 
19.     Assalto ao Trem Pagador (1962), de Roberto Farias 
20.     São Bernardo (1974), de Leon Hirszman 
21.     Iracema, uma Transa Amazônica (1975), de Jorge Bodansky e Orlando Senna 
22.     Noite Vazia (1964), de Walter Hugo Khouri 
23.     Os Fuzis (1964), de Ruy Guerra 
24.     Ganga Bruta (1933), de Humberto Mauro 
25.     Bang Bang (1971), de Andrea Tonacci 
26.    A Hora e a Vez de Augusto Matraga (1965), de Roberto Santos 
27.     Rio, 40 Graus (1955), de Nelson Pereira dos Santos 
28.     Edifício Master (2002), de Eduardo Coutinho 
29.     Memórias do Cárcere (1984), de Nelson Pereira dos Santos 
30.     Tropa de Elite (2007), de José Padilha 



DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL


31.     O Padre e a Moça (1965), de Joaquim Pedro de Andrade 
32.     Serras da Desordem (2006), de Andrea Tonacci  
33.     Santiago (2007), de João Moreira Salles 
34.     O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), de Glauber Rocha 
35.     Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro (2010), de José Padilha 
36.     O Invasor (2002), de Beto Brant  
37.     Todas as Mulheres do Mundo (1967), de Domingos Oliveira 
38.     Matou a Família e Foi ao Cinema (1969), de Julio Bressane 
39.     Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), de Bruno Barreto 
40.     Os Cafajestes (1962), de Ruy Guerra 
41.     O Homem do Sputnik (1959), de Carlos Manga 
42.     A Hora da Estrela (1985), de Suzana Amaral 
43.     Sem Essa Aranha (1970), de Rogério Sganzerla 
44.     SuperOutro (1989), de Edgard Navarro 
45.     Filme Demência (1986), de Carlos Reichenbach 
46.     À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964), de José Mojica Marins 
47.     Terra Estrangeira (1996), de Walter Salles e Daniela Thomas 
48.     A Mulher de Todos (1969), de Rogério Sganzerla 
49.     Rio, Zona Norte (1957), de Nelson Pereira dos Santos 
50.     Alma Corsária (1993), de Carlos Reichenbach 
51.     A Margem (1967), de Ozualdo Candeias 
52.     Toda Nudez Será Castigada (1973), de Arnaldo Jabor 
53.     Madame Satã (2000), de Karim Ainouz 
54.     A Falecida (1965), de Leon Hirzman 
55.     O Despertar da Besta – Ritual dos Sádicos (1969), de José Mojica Marins  
56.     Tudo Bem (1978), de Arnaldo Jabor (1978) 
57.     A Idade da Terra (1980), de Glauber Rocha 
58.     Abril Despedaçado (2001), de Walter Salles 
59.     O Grande Momento (1958), de Roberto Santos 
60.     O Lobo Atrás da Porta (2014), de Fernando Coimbra 
61.     O Beijo da Mulher-Aranha (1985), de Hector Babenco 
62.     O Homem que Virou Suco (1980), de João Batista de Andrade 
63.     O Auto da Compadecida (1999), de Guel Arraes 
64.     O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto 
65.     A Lira do Delírio (1978), de Walter Lima Junior 
66.     O Caso dos Irmãos Naves (1967), de Luís Sérgio Person 
67.     Ônibus 174 (2002), de José Padilha 
68.     O Anjo Nasceu (1969), de Julio Bressane 
69.     Meu Nome é... Tonho (1969), de Ozualdo Candeias 
70.     O Céu de Suely (2006), de Karim Ainouz  


VIDAS SECAS

71.     Que Horas Ela Volta? (2015), de Anna Muylaert 
72.     Bicho de Sete Cabeças (2001), de Laís Bondanzky 
73.     Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda 
74.     Estômago (2010), de Marcos Jorge 
75.     Cinema, Aspirinas e Urubus (2005), de Marcelo Gomes 
76.     Baile Perfumado (1997), de Paulo Caldas e Lírio Ferreira 
77.     Pra Frente, Brasil (1982), de Roberto Farias 
78.     Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1976), de Hector Babenco 
79.     O Viajante (1999), de Paulo Cezar Saraceni  
80.     Anjos do Arrabalde (1987), de Carlos Reichenbach 
81.     Mar de Rosas (1977), de Ana Carolina  
82.     O País de São Saruê (1971), de Vladimir Carvalho 
83.     A Marvada Carne (1985), de André Klotzel 
84.     Sargento Getúlio (1983), de Hermano Penna 
85.     Inocência (1983), de Walter Lima Jr. 
86.     Amarelo Manga (2002), de Cláudio Assis 
87.     Os Saltimbancos Trapalhões (1981), de J.B. Tanko 
88.     Di (1977), de Glauber Rocha 
89.     Os Inconfidentes (1972), de Joaquim Pedro de Andrade 
90.     Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1966), de José Mojica Marins 
91.     Cabaret Mineiro (1980), de Carlos Alberto Prates Correia 
92.     Chuvas de Verão (1977), de Carlos Diegues 
93.     Dois Córregos (1999), de Carlos Reichenbach 
94.     Aruanda (1960), de Linduarte Noronha  
95.     Carandiru (2003), de Hector Babenco 
96.     Blá Blá Blá (1968), de Andrea Tonacci 
97.     O Signo do Caos (2003), de Rogério Sganzerla 
98.     O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006), de Cao Hamburger  
99.     Meteorango Kid, Herói Intergalactico (1969), de Andre Luis Oliveira 
100.  Guerra Conjugal (1975), de Joaquim Pedro de Andrade (*) 
100.  Bar Esperança, o Último que Fecha (1983), de Hugo Carvana (*)   
(*) Empatados na última colocação, com o mesmo número de pontos.



sábado, 21 de novembro de 2015

CHATÔ

Antonio Carlos Egypto





CHATÔ.  Brasil, 2105.  Direção: Guilherme Fontes.  Com Marco Rica, Andréa Beltrão, Paulo Betti, Leandra Leal, Eliane Giardini, Gabriel Braga Nunes, Letícia Sabatella.  102 min.


O filme brasileiro mais esperado da história foi ”Chatô”, de Guilherme Fontes, inspirado em livro homônimo de Fernando Morais. Foram cerca de vinte anos de espera, desde a concepção do projeto.  Certamente, todos os que me leem agora acompanharam pelo menos uma parte do noticiário relativo ao filme, que envolveu questionamentos de toda ordem, rejeição de contas, falta de verba para a continuação e finalização do trabalho, acusações de uso inadequado de dinheiro público e até afirmações categóricas de que o filme não existia ou que poucas sequências haviam sido filmadas e que nunca o veríamos.

Não vou entrar no mérito dessas questões, mas é inegável que o filme gerou expectativas demais, ao longo de todos esses anos.  E, quando se espera muito de um filme, a chance de que ele não corresponda à expectativa é muito grande.




É por isso mesmo que foi uma agradabilíssima surpresa assistir a “Chatô”.  Guilherme Fontes optou por contar a trajetória do magnata das comunicações Assis Chateaubriand (1892-1968) na forma de farsa.  Foi uma ótima escolha.  Permitiu mostrar os métodos e excessos do personagem com eficiência, sem maiores preocupações com a sequência histórica dos fatos ou com qualquer didatismo.  E, naturalmente, acentuou o sentido crítico, tornando-o corrosivo em relação à figura retratada.  Permitiu um mergulho no mundo manipulador e antiético que cercou a atuação de Chateaubriand e que se aplica também aos chamados barões da mídia até hoje.  Ele fez escola e a forma como se utilizou do poder da imprensa serviu e serve de referência para muitos.

Fica menos evidente, mas é perceptível no filme, a contribuição inegável de Chateaubriand à cultura.  Basta lembrar que se deve a ele o acervo que deu origem ao MASP, Museu de Arte de São Paulo, um dos nossos orgulhos.




O papel modernizador que Chatô exerceu no campo das comunicações e o investimento pioneiro na modernização da imprensa, no rádio e em trazer a televisão para o Brasil, são legados evidentes.

O problema de tudo isso é que os fins não justificam os meios e, no caso de Assis Chateaubriand, essa idéia marca toda a sua trajetória.  Impossível dissociar os avanços dos métodos inaceitáveis utilizados.  Justificáveis à luz do personagem, mostrado no filme como alguém sem escrúpulos.  Seja como for, “Chatô” é um filme forte, provocador, ágil e bem-humorado. Seus excessos farsescos combinam com o personagem retratado.




Ver em cena, com cerca de quinze anos a menos, os atores e atrizes que protagonizam a história, é outra curiosidade que não costuma acontecer. É divertido e interessante, até para eles próprios, se ver na telona num filme atual, muito mais jovens e inexperientes do que são hoje.  Nada que os desabone, o elenco é muito bom e os desempenhos merecem aplausos.  Marco Rica faz um ótimo Chatô, Andréa Beltrão faz Vivi, uma combinação de duas personagens que com ele conviveram, uma paixão não correspondida.  Paulo Betti vive Getúlio Vargas,Leandra Leal e Letícia Sabatella encarnam as esposas do magnata: Lola e Maria Eudóxia, respectivamente. Todos compõem adequadamente a vida de um Chatô ficcional, segundo o próprio diretor.  Mas muito realista em sua farsa.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O MELHOR DA 39a. MOSTRA: OS LATINO-AMERICANOS


Antonio Carlos Egypto

A safra de filmes latino-americanos, Brasil à parte, exibida na 39ª. Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, foi o grande destaque do evento.  Nem tanto pela quantidade, mas pela alta qualidade que apresentou.  É bom ficar atento, porque os filmes devem entrar em cartaz nos cinemas a seguir.  Espero que brevemente, mas nunca se sabe.


O BOTÃO DE PÉROLA

O BOTÃO DE PÉROLA (Chile, 2014, 82 min.)
A água vem do espaço, cria a vida, alimenta e serve de rota para povos indígenas da Patagônia e navegadores estrangeiros, forma a fronteira mais longa do Chile e é cemitério de        “desaparecidos” do regime de Pinochet.  Os oceanos contêm história e memória, podem também ter voz.  O botão de pérola encontrado no fundo do mar é uma dessas vozes eloquentes. 

O filme de Patricio Guzmán, um dos maiores documentaristas da atualidade, é extraordinariamente bem construído, de uma beleza plástica incontestável e não deixa um fio solto.  Todos os elementos levantados são muito bem amarrados e integrados num todo não só compreensível como inovador, surpreendente, até.

No cinema contemporâneo, a gente admite micro histórias, excertos, fios narrativos, ideias soltas ou sugeridas.  É um caminho alternativo.  Mas quando se vê um filme tão bem planejado e realizado como O BOTÃO DE PÉROLA, fica evidente a superioridade de um produto estruturalmente completo.  Trata-se de um documentário astronômico, etnológico, histórico, geográfico e político, que nos dá uma dimensão ampla e abrangente do Chile, em múltiplos aspectos do país.

Apenas para lembrar, é de Patricio Guzmán a trilogia A BATALHA DO CHILE, de 1975, 1977 e 1979, e o espetacular NOSTALGIA DA LUZ, de 2010 (Veja crítica de fevereiro de 2015, no cinema com recheio).  Com O BOTÃO DE PÉROLA, ele reafirma sua capacidade de construir obras complexas, plasticamente arrebatadoras, que são verdadeiras maravilhas do cinema documental.


IXCANUL


IXCANUL (Guatemala, 2015, 91 min)

IXCANUL significa vulcão, na língua falada por uma comunidade de camponeses de origem indígena, num vilarejo à beira de um vulcão ativo, na Guatemala.  Às suas costas, estão os Estados Unidos, o protótipo do desejo daqueles que buscam escapar de seu destino.  Mais do que a cidade da Guatemala ou de qualquer outra no país.

Nesse universo cultural tradicional, um casamento arranjado aparece como algo natural.  Mas não corresponde aos desejos de uma adolescente, que busca alguém mais jovem e ambicioso que pretenda se evadir para a América e, quem sabe, levá-la.

O filme mostra como se dão as relações familiares, as tradições e a religiosidade da localidade, mas, diante de uma gravidez inesperada, novas questões se colocam, incluídas formas abortivas com base em plantas e rituais e o que pode acontecer com um bebê que está para nascer.  Passa pelo atendimento médico na cidade, dificultado pelo idioma, e muitas outras coisas.  O filme guatemalteco tem uma história muito bem construída, de concepção moderna, que não se alimenta do exótico, mas do dilema moral e de aspectos políticos nada óbvios.

Um surpreendentemente grande filme, de um diretor estreante em longas-metragens, Jayro Bustamante, de um país com pouca tradição cinematográfica.  A Guatemala o indicou para representá-la na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro.  Sem nenhum favor, um dos melhores da 39ª. Mostra.

CINEMA COLOMBIANO

Da Colômbia pude ver dois belos filmes: A TERRA E A SOMBRA e O ABRAÇO DA SERPENTE. E quem viu ALIAS MARIA gostou muito desse filme também.

A TERRA E A SOMBRA é um filme-denúncia, triste e pungente, sobre a plantação de cana-de-açúcar e suas queimadas predatórias, que destroem o meio ambiente e matam tudo à sua volta, inclusive seus próprios trabalhadores.

A história é contada a partir de uma família que permanece em sua pequena propriedade, imersa numa nuvem de poeira e cinzas, convivendo com a doença e a falta de esperança.  O clima é obviamente sombrio, mas o filme tem muita beleza e talento nos enquadramentos e movimentos de câmera, nesse cenário desolador.  Sua denúncia é muito forte.  O diretor César Augusto Acevedo faz, assim, seu primeiro longa, com muita competência.  O filme ganhou o prêmio Caméra D’Or no Festival de Cannes 2015.


A TERRA E A SOMBRA


O ABRAÇO DA SERPENTE, terceiro longa do diretor colombiano Ciro Guerra, nos remete ao coração da Amazônia, com uma bela fotografia em preto e branco, para contar a história de um xamã, último sobrevivente de sua tribo, isolado e esquecido, que, junto a um pesquisador norte-americano, embarcará numa jornada, em busca de uma planta sagrada, em que passado, presente e futuro se conectam.  Também recebeu um prêmio importante no Festival de Cannes.

CINEMA DA VENEZUELA

Da Venezuela, destaque para DESDE ALLÁ, primeiro longa de Lorenzo Vigas, vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza.  O filme navega num universo em que a homossexualidade como desejo traz à tona uma série de questões e constrói uma narrativa complexa, muito forte, que surpreende.  Tem uma estrutura consistente, que inclui a realidade social dos meninos de rua, mexe e brinca com preconceitos estabelecidos.  E tem elementos policiais e de suspense.  Tudo muito bem concatenado.  Ótimo filme.


DESDE ALLÁ


Outro filme venezuelano, LO QUE LLEVA EL RÍO, focaliza uma jovem que tem de enfrentar os rígidos ditames de sua cultura.  Ela deseja crescer e viver uma vida rica de possibilidades que a cidade lhe apresenta, sem perder o contato com sua comunidade e sua história.  Mais do que isso: está disposta a estudar e escrever, difundindo sua cultura.  O complicado é que seu marido e a comunidade possam entendê-la.  Primeiro longa de Mario Crespo, de origem cubana, que vive na Venezuela. Bonito trabalho.

CINEMA MEXICANO

Do México há a destacar dois bons produtos.  A ESTREITA FAIXA AMARELA, primeiro filme de Celso García, é um road movie, construído a partir de uma situação aparentemente banal.  Cinco homens estão a trabalho, em busca de sobrevivência, não de resolver questões existenciais.  O que eles têm de fazer é pintar de amarelo a linha central de uma estrada de  200 km. de extensão, em quinze dias. O convívio entre eles e as situações práticas que aparecem vão mudar suas vidas ou, mesmo, abreviar uma delas.  O clima é afetivo, às vezes complicado, mas, envolvente.  O filme tem humor e é uma celebração da amizade e da solidariedade, sem ingenuidades.



A ESTREITA FAIXA AMARELA


CHRONIC, do cineasta mexicano Michel Franco, focaliza a vida e o trabalho de um cuidador de doentes terminais.  Competente e dedicado ao seu ofício, é desencontrado em sua própria vida pessoal.  Desse mote, o diretor desenvolve longos planos-sequência, mostrando o trabalho desse cuidador, em alguns casos se alongando um pouco além do necessário.  O objetivo é preparar o nosso espírito para o final bombástico que ele produz.  Funciona.

PAULINA (La Patota)

Da Argentina veio não o melhor mas o mais polêmico dos latino-americanos da Mostra.  Violência sexual, gravidez, aborto, são as questões que mobilizam esse filme, em que a protagonista Paulina toma decisões inesperadas e estranhas.  Qual é a sua lógica?  Tem sustentação?  O que ela sente?  Faz sentido?  Que clave moral a guia? 


PAULINA


Todas essas perguntas já mostram que PAULINA é um filme eficiente, como provocação, para abrir debates, discussões acaloradas, mobilizar questões de gênero importantes.  Identificar-se com a personagem certamente será algo muito raro para as mulheres.  Merece ser visto.


007 Contra Spectre

Tatiana Babadobulos


007 CONTRA SPECTRE (Spectre). Reino Unido e Estados Unidos, 2015. Direção: Sam Mendes. Roteiro: John Logan e Neal Purvis. Com Daniel Craig, Léa Seydoux, Monica Bellucci, Ralph Fiennes. 148 min.

Não dá pra ir assistir ao longa-metragem “007 Contra Spectre” (“Spectre”) e achar que vai encontrar um filme como os de arte, com recheio filosófico e tratamento intimista.
Quando se compra um tíquete para ver mais uma sequência da bilionária franquia, já se sabe o que vem pela frente: ação, muita ação. E, nesse quesito, Sam Mendes  (de “Beleza Americana”, “Soldado Anônimo” e “007 Operação Skyfall”) entrega aquilo o que promete.
O ator Daniel Craig diz que este é o seu último papel como James Bond. O final, aliás, dá isso a entender. Ele fecha com chave de ouro uma sequência de quatro filmes como o espião mais conhecido do mundo e eternizado por gigantes como Sean Connery, Pierce Brosnan, Roger Moore e outros. Há rumores, no entanto, que ele também fará o papel no 25º filme da franquia.
Os clichês são muitos e estão todos lá. O nome do espião, do jeito que só ele sabe contar; os carros rápidos, esportivos e cheios de ferramentas; e as “traquitanas” que se transformam em outras para livrá-lo de algum perigo. A maneira como ele sai dos percalços condizem com o verdadeiro James Bond, para delírio da plateia lotada.
O início da trama se passa na Cidade do México. Na primeira fuga, um plano sequência digno de Alfred Hitchcock. Mas o charme da cena termina por aí. Dali pra frente, ficam a ação, a correria, as perseguições, a música alta e repetitiva martelando na cabeça para ninguém esquecer que trata-se da série 007.
A narrativa vai passar ainda por Marrocos, por Roma, pelas montanhas geladas da Áustria e, claro, Londres.
Tudo começa quando Bond é levado para a Cidade do México a partir de uma mensagem cifrada. De lá, segue para Roma, onde conhece Lucia Sciarra (a bela Monica Belluci), que está de luto. Bond se infiltra em uma reunião e descobre a existência da organização Spectre.

Nessa reunião, aliás, o vilão é mostrado apenas como uma sombra. A voz e o próprio letreiro de abertura do filme já indicam quem é o ator. Sua calma e seu jeito sarcástico são imbatíveis, embora Javier Barden, em “Skyfall”, também esteja sensacional.
Assim como em “Skyfall”, cuja Bond Girl era francesa (Bérénice Marlohe), desta vez é a também francesa Léa Seydoux (“Azul É a Cor Mais Quente”) que ocupa o lugar. Ela atira, ajuda o agente 007 a se salvar, além de ser belíssima. Falta um pouco de química com James Bond, mas este é o menor dos problemas no meio de muita ação, sangue e tiros.
“Spectre” é o 24º filme da série e não pode ficar de fora da sua filmografia, se for fã de Bond. James Bond.
Em tempo: No Brasil, o longa estreou na quinta, 5 de novembro. No mundo, segundo a revista “Variety”, “007 Contra Spectre” rendeu US$ 300 milhões em bilheteria. Só nos EUA, em seu fim de semana de estreia, a produção arrecadou US$ 73 milhões.

domingo, 8 de novembro de 2015

VISITA OU MEMÓRIAS E CONFISSÕES

 Antonio Carlos Egypto




VISITA OU MEMÓRIAS E CONFISSÕES.  Portugal, 1982.  Direção: Manoel de Oliveira. Documentário.  68 min.


Foi um verdadeiro presente o que nos deu a 39ª. Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, quando Renata de Almeida anunciou a exibição de um filme inédito do mestre português do cinema, Manoel de Oliveira.

A história é a seguinte: em 1982, Manoel de Oliveira chegava aos 74 anos de idade e realizou um filme documental sobre uma casa em que ele morou por muitos anos, 40, creio, e sobre a sua própria vida e história.  Talvez imaginando que já era mesmo hora de fazer isso.  Mas deixou o filme guardado na Cinemateca portuguesa, para só ser exibido após a sua morte.  E assim se fez.




Ocorre que ele só veio a falecer no ano passado, aos 106 anos de idade, e trabalhou até o fim da vida mesmo.  Seu último trabalho, “O Velho do Restelo”, é um curta-metragem realizado em 2014.  Seu último grande filme, o brilhante longa “O Gebo e a Sombra”, em 2012.  Ou seja, o filme póstumo do diretor, “Visita ou Memórias e Confissões”, ficou guardado por inacreditáveis 33 anos.  E, se ele já havia feito muita coisa até então, a verdade é que a maior parte da sua grande obra é posterior ao filme.  Foi quando ele trabalhou mais, melhor, mais intensamente, e nos legou filmes inesquecíveis.

É preciso ver “Visita ou Memórias e Confissões” sabendo dessas coisas, para se perceber a importância que ele tem como registro de um trabalho in progress, poderíamos dizer, em relação ao conjunto da obra.



Na abertura do filme, Manoel de Oliveira põe a informação de que fez esse trabalho falando de si mesmo e não sabe se deveria tê-lo feito.  Mas, enfim, está feito.  Que bom, Manoel!  Assim pudemos ter registrada a sua fala sobre aspectos importantes da sua vida pessoal, familiar, problemas econômicos que o levaram a vender a casa tão amada, que expõe lindamente no filme, a sua prisão no tempo de Salazar, suas ideias sobre arte, arquitetura e, especialmente, cinema.  Imagens de filmagens familiares são mostradas, em paralelo à linda casa esquadrinhada e objeto de interessantes reflexões.

A origem do cineasta na cidade do Porto, vindo de uma família de industriais, indicava caminhos diversos do que trilhou no cinema.  As dificuldades da expressão artística no longo período ditatorial do regime salazarista foram grande empecilho.  Ele chegou a ser atleta, piloto de corridas e vinicultor, mas era o cinema o que ele tinha na veia.  E foi tardiamente que conseguiu dar vazão completa a seu espírito criativo e inovador.




O filme autobiográfico de Manoel de Oliveira é simples e admirável, um documento inestimável sobre um dos grandes cineastas que o cinema já teve.  Merece não só ser exibido comercialmente, como integrar uma caixa de DVD ou BluRays com os principais filmes do mestre, coisa que está faltando no mercado brasileiro.  Vários deles foram lançados em DVD, outros, exibidos na TV paga, no canal Brasil, mas para uma obra tão vasta e longeva são apenas pílulas.



quinta-feira, 5 de novembro de 2015

MAIS FILMES DA 39a. MOSTRA


Antonio Carlos Egypto
  
** KAMINSKI E EU, do diretor alemão Wolfgang Becker, o mesmo de ADEUS, LENIN, é um filme muito bem realizado, moderno na narrativa e no tratamento visual.  Assim como no filme anterior, Becker se vale aqui do que está escondido, se omite, se ignora, da mentira e das intenções não declaradas para explorar o humor que se insinua nos relacionamentos humanos, em suas possibilidades e fracassos.  Belo trabalho.


KAMINSKI E EU


** Outro que tem um humor sutil e peculiar, um tanto insano e irônico, é o novo filme do diretor norueguês Bent Hamer, 1001 GRAMAS.  Quem viu CONVERSAS NA COZINHA e CARO SR. HORTEIN já deve ter sido fisgado pelo estilo original do diretor.  Aqui tudo gira em torno do quilo oficial da Noruega, isso mesmo, uma medida guardada a sete chaves, com muito cuidado e carinho.  Quando ela tem de sair do seu “esconderijo” para ser exposta numa convenção internacional de pesos e medidas, algo pode acontecer.  O filme flui de uma forma tal que, quando acaba, a gente lamenta constatar que acabou.  Muito bom .

** Já o filme inglês A SENHORA DA VAN, que conta a divertida história real de uma mulher sem teto, educada, mas despossuída, que viveu quinze anos numa van em frente à casa de um escritor, esgota um pouco o seu humor e acaba se repetindo, alongando e dando a sensação de que já deu tudo o que tinha para dar.  Vale a pena ver esse filme de Nicholas Hytner, para apreciar o trabalho de Maggie Smith, sempre ótima, aqui em grande desempenho.


A SENHORA DA VAN

** EISENSTEIN EM GUANAJUATO é dirigido por Peter Greenaway, pintor e cineasta, garantia de esmero e criatividade visual.  O tom farsesco é excessivo e o personagem do grande cineasta soviético Sergei Eisenstein (de ENCOURAÇADO POTEMKIN), mostrado como idiota e infantilóide, incomoda.   Um intelectual daquele porte, gênio da montagem cinematográfica, ser retratado assim, de forma avacalhada?  A sua pretensa homossexualidade também aparece num exibicionismo totalmente deslocado.  Melhor seria ter criado um personagem de pura ficção, aí tudo caberia no delírio de Greenaway.  Com Eisenstein não acho que caiba, não.  Mesmo assim, é um filme bonito, muito bem realizado.

** Indo para um registro mais sério, vem por aí o filme LABIRINTO DE MENTIRAS, exibido na Mostra, com estreia prevista para os próximos dias no circuito comercial.  O filme alemão, dirigido pelo cineasta Giulio Ricciarelli, de origem italiana, retrata em Frankfurt, 1958, a batalha de um jovem promotor público para pôr em julgamento membros da SS que serviram em Auschwitz.  O processo que quebrou o tabu e revelou os crimes do campo de extermínio passou por muitos percalços para acontecer, porque, de algum modo, toda uma geração se comprometeu e participou da barbárie nazista.  É fácil jogar toda a culpa em Hitler...  O assunto é importante, historicamente, mas o filme é quadrado, convencional na narrativa, na recriação de época, numa estética limpinha, arrumadinha, que soa falsa.

** Passou pela Mostra, e já entra em cartaz, ALIANÇA DO CRIME, dos Estados Unidos, de Scott Cooper.  Conta a história do envolvimento do FBI, em Boston, nos anos 1970, com o gangster irlandês James “Whitey” Bulger, a pretexto de eliminar a máfia italiana, que ampliava seus domínios no mundo da contravenção e do crime na região.  Bom filme para o gênero.  Destaque para Johnny Depp, enfeiado e exibindo pronunciada careca pela primeira vez no cinema.  Ele é mesmo um ator capaz de se transformar radicalmente a cada papel.


CHICO,ARTISTA BRASILEIRO

** O filme nacional CHICO, ARTISTA BRASILEIRO, de Miguel Faria Jr, que abriu o Festival do Rio e foi exibido também na 39ª. Mostra, foi um momento de grande beleza, música sublime e papo inteligente.  Chico Buarque destila seu gênio com delicadeza, respeito e admiração pelos outros.  O cineasta fez jus ao grande talento do retratado e nos deu números musicais preciosos, não só do próprio Chico, mas de ótimos intérpretes, alguns pouco conhecidos.  Ainda nos mostrou a veia literária, já consolidada, do escritor Chico Buarque.  Por conta do seu último trabalho literário, acabamos conhecendo o seu irmão alemão em vídeo e cantando.  Importante material de arquivo também é resgatado.  Imperdível.  Deve chegar aos cinemas brevemente.

** Outro brasileiro que vi na Mostra foi BEIRA MAR, produção gaúcha da dupla Filipe Matzembacher e Márcio Reolon.  O relacionamento entre adolescentes amigos que evolui para o distanciamento e para a descoberta da homossexualidade é mostrado com simplicidade e de forma cuidadosa.  Poderia ter ido mais fundo nos sentimentos, mas é um retrato sensível dessa sexualidade que aflora na juventude, desafiando expectativas.


PARDAIS

** A adolescência como momento crucial de encontrar caminhos, se encontrar e enfrentar um relacionamento muito difícil e distante com o pai é abordada pelo cinema da Islândia, com grande competência, em PARDAIS.  A forma de narrar, trazendo para perto da câmera o mal estar do jovem e a repulsa ao pai, é tocante, tornando o assunto especialmente atraente.  O clima gélido mostrado nas imagens da Islândia contribui para isso.  O roteiro, inteligentemente montado, também. O diretor Rúnar Rúnarsson, premiado pela 39ª. Mostra, teve outro filme exibido: VULCÃO, que já fez parte da 35ª. Mostra e pôde ser revisto agora.  Tão bom quanto, ou talvez ainda melhor.  É só o segundo longa do cineasta nórdico.  Mais pérolas devem vir por aí.