sábado, 20 de dezembro de 2014

CINEMA PARA AS FÉRIAS ESCOLARES


Antonio Carlos Egypto

Cinema ainda é uma boa atração para a garotada em férias, apesar da profusão de imagens que habita sua vida diária desde que nasceram?  Posso apostar que sim.  E não creio que só ação desmesurada, efeitos especiais em profusão ou vampiros em comédias românticas sejam capazes de interessá-la.


As Aventuras do Avião Vermelho

Estão entrando em cartaz filmes dirigidos às crianças e aos adolescentes que remetem a um outro tempo, a um tempo nostálgico, tanto nas histórias que contam quanto na sua criação.  A começar da animação “As Aventuras do Avião Vermelho”, dirigida por Frederico Pinto e José Maia, com base na obra de Érico Veríssimo.  Uma história em que a imaginação corre solta, realizada em moldes tradicionais. O filme foi feito com mais de 50.000 desenhos. Um avião de brinquedo vive grandes aventuras pelo mundo da imaginação de um menino que viaja com seus amiguinhos, brinquedos de estimação que ganham vida. Vozes de Milton Gonçalves, Lázaro Ramos, Wandi Doratiotto e Pedro Yan. São 70 minutos de alegria e muita fantasia.  Uma graça.


As Férias do Pequeno Nicolau

Se a criançada gostou da adaptação cinematográfica de “Le Petit Nicolas”, de Jean-Jacques Sempé e René Goscinny, vale recomendar “As Férias do Pequeno Nicolau”. As fantasias do pequeno Nicolau e sua turminha são um exemplo de humor inteligente, que é capaz de encantar crianças e adultos.  Ver crianças de terninhos de calças curtas e gravatas, por si só já soa tão estranho, que parece que o mundo em que vivemos é hoje irreconhecível. Agora o que vai chamar mais atenção é a moda: vestidos, penteados, roupa de praia, carros. “As Férias do Pequeno Nicolau” também é dirigido por Laurent Tirard, assim como o primeiro filme, e tem no elenco Mattheo Boisselier, Valérie Lemercier, Kad Merad e  Dominique Lavanant.  A duração é de  97 minutos.


O Segredo dos Diamantes

E será que os adolescentes vão curtir uma história de aventuras que se passa numa pequena cidade mineira, nas proximidades de Diamantina, onde um tesouro perdido pode estar enterrado?  O diamante e seus segredos fazem parte do imaginário dos habitantes da região desde sempre.  E ele serve aqui a um filme infantojuvenil de aventura que segue os referenciais do gênero e pode ser um bom entretenimento para a garotada. E não só a das pequenas cidades das Minas Gerais ou a da zona rural.  “O Segredo dos Diamantes”, de Helvécio Ratton, tem no elenco Matheus Abreu, Rachel Pimentel, Alberto Gouveia, Dira Paes e Rodolfo Vaz.  Dura 86 minutos.

Os três filmes aqui citados são produções de 2013 e estão sendo lançados no final de 2014. Parecem coisa do passado, mas daquele passado cujas lembranças continuam encantando as pessoas, grandes ou pequenas.


quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

RUN & JUMP


Antonio Carlos Egypto




RUN & JUMP (Run & Jump)Irlanda, 2013.  Direção: Steph Green.  Com Maxine Peake, Edward Machiam, Sharon Horgan, Will Forte.  102 min.


Um homem de 38 anos, marceneiro, casado e com filhos, sofre um derrame que deixa funções cerebrais comprometidas e gera transtorno de personalidade.  Após meses de hospitalização, ele volta para casa, para o convívio da família.  Mas volta acompanhado de um observador, pesquisador de problemas mentais, que vai viver com a família durante dois meses, para documentar e escrever relatórios científicos  sobre o processo de recuperação do paciente.

É óbvio que a família toda se sentirá observada e incomodada com a presença do estranho, especialmente a esposa.  E, claro, uma tal experiência não tem como dar certo e é do envolvimento do pesquisador com a família e dos problemas familiares que se tratará daí em diante.  Com direito a uma bizarra relação amorosa.




O ponto de partida, que cria a história do filme, não se sustenta.  Nas ciências humanas, não há como separar o pesquisador do seu objeto de pesquisa, uma vez que ele é parte integrante desse objeto.  A experiência de viver num determinado contexto humano, envolvido com ele, sentindo e interagindo com ele, é possível e pode trazer conhecimentos relevantes.  Desde que não se pretenda um distanciamento do objeto de estudo ou algum tipo de neutralidade, como a observação objetiva do fenômeno.  E aqui era o que se pretendia.

Diante disso, o personagem do pesquisador é apresentado como alguém que diz que não tem família e que vive para o trabalho.  Mais do que isso, ele é travado em coisas simples da vida, como interagir espontaneamente com crianças ou dançar.  Naturalmente, isso vai ter de mudar, ao longo da narrativa.  Mas a construção do personagem soa artificializada, numa situação que já não é crível.

Faltam a ele características humanas básicas que favoreçam a interação social.  Ou estão reprimidas de tal jeito, para que ele possa se dedicar a esse tipo de trabalho, que não lhe permitem viver com naturalidade.  Mas como se explica isso, num estudioso das ciências humanas?  É o contrário do que se supõe que seria alguém que se dedicasse a um trabalho como esse.




De outro lado, há os sentimentos da esposa, que recebe em casa um “novo” marido e um “novo” pai.  Que já não é capaz de cumprir essas funções, nem tem alcance do que se passa à sua volta.  Parece identificar-se com os sentimentos e ações dos animais, mais simples de serem compreendidos.  Portanto, alguém que se ausenta daquilo que lhe diria respeito.  Não obstante, está vivo, presente e atuante naquele espaço.  Embora nem mesmo seu talento com a marcenaria sirva mais para o sustento da família.  Quando a cabeça não funciona bem, tudo se complica.

A esposa, sobrecarregada com o problema do marido, as funções da casa e um estranho que também a observa,  nem percebe direito o que se passa com seu filho mais velho.  E tem de encontrar meios de se entender e se relacionar com esse homem, que está de passagem pela casa, mas que, em tese, seria capaz de resolver muitas questões da vida dela.

“Run & Jump”, o primeiro filme da cineasta Steph Green, acaba soando estranho e um tanto deslocado da realidade, apesar de buscar um tema denso e relevante e de todos os cuidados para a realização de um trabalho sério, sem preocupações ou concessões comerciais.




terça-feira, 9 de dezembro de 2014

MOMMY

 Antonio Carlos Egypto




MOMMY (Mommy).  Canadá, 2014.  Direção e roteiro: Xavier Dolan.  Com Anne Dorval, Antoine-Olivier Pilon, Suzanne Clément.  138 min.


Xavier Dolan é um jovem ator, roteirista e diretor, do Canadá que fala francês, que, aos 25 anos, já está no seu quinto longa-metragem como cineasta.  E abocanhou alguns prêmios importantes em Cannes.

Seu primeiro filme, de 2009, já demonstra o quanto as relações mãe e filho absolutamente conturbadas estão no seu imaginário (e/ou, na sua experiência concreta).  O título é simplesmente “Eu Matei Minha Mãe”, revelador da força do Édipo e de desejos assassinos que povoam  mentes humanas em relações vitais.  Novos e terríveis embates entre mãe e filho ocupam a tela do cinema em seu novo filme, “Mommy”.




Aqui, um garoto superagitado, provocador e com atos delinquenciais frequentes, aos 15 anos de idade, provoca um pandemônio na vida da mãe.  A ponto de levá-la a interná-lo, para poder se ver livre dele, apesar da culpa que isso lhe acarreta.  Ele é louquinho e carente, perdeu o pai há pouco e isso é um agravante, ou explicação, apresentado pelo filme.  Mas a mãe não fica atrás.  Não podia ser mais inadequada e incompetente a sua atuação como mãe.  E é um completo desastre a sua falta de controle emocional.  Ela só agrava os problemas e põe tudo a perder.  Numa relação assim, é preciso que alguém mais apareça para dar algum equilíbrio ao relacionamento.  Providencia-se, então, uma vizinha perdida, comprometida no seu trabalho de professora por problemas vocais que, embora viva com o marido, parece totalmente desconectada dele.  Por isso, solta no mundo e disponível.

 

Por aí já se vê que tudo está fora do lugar.  Mas o pior é o modo como o diretor conduz a narrativa.  É tudo muito histérico, exagerado, aos gritos.  Cansativo e irritante.  Mas se você, como espectador, for capaz de resistir a esses estímulos agressivos e aguentar o registro over do cineasta, vai perceber que, por trás de toda essa história, há ideias, preocupações válidas e, principalmente, capacidade de encenação.  Há criatividade na composição de muitas cenas, beleza visual, enquadramentos estilosos.  Não é um filme para se desprezar, não.




Está sendo considerado o melhor trabalho do enfant terrible Xavier Dolan.  De seu primeiro filme, a que já me referi, nem se fale, era tosco e equivocado, apesar de já forte e intenso, além de altamente provocador.  Depois vieram “Amores Imaginários”, de 2010, “Laurence Anyways”, de 2012, e “Tom na Fazenda”, de 2013.  Não vi todos, que ninguém é de ferro, e já nem me lembro bem deles, mas, apesar disso, posso apostar que, com “Mommy”, o diretor cresceu artisticamente, amadureceu.  Há quem adore o seu estilo, há quem não o suporte.  Não sei qual será o seu caso, mas, gostando ou não, há que se reconhecer talento no trabalho de Xavier Dolan.




terça-feira, 2 de dezembro de 2014

HOMENS, MULHERES E FILHOS


Antonio Carlos Egypto




HOMENS, MULHERES E FILHOS (Men, Women and Children).  Estados Unidos, 2014.  Direção e Roteiro: Jason Reitman.  Com Ansel Elgort, Keitlyn Dever, Jennifer Garner, Adam Sandler, Rosemarie De Witt.  Narração: Voz de Emma Thompson.  116 min.


“Homens, Mulheres e Filhos”, do diretor canadense Jason Reitman, baseia-se no livro de Chad Kultgen e mergulha de cabeça numa discussão muito importante: o impacto da Internet na vida de todos nós.  Tema atualíssimo e cuja discussão se faz cada vez mais necessária.

Basta frequentar qualquer ambiente, público ou privado, para perceber que os relacionamentos humanos são hoje invariavelmente mediados pelas redes sociais.  As comunicações, mesmo a pessoas que estão fisicamente muito próximas, se fazem on line, muito mais do que ao vivo.  Todos enviam e recebem uma profusão de imagens e, de uma forma ou de outra, cultivam  uma persona virtual.




Como fica a vida sexual e amorosa das pessoas diantes desses recursos e controles?  Novos amores, infidelidades, exposição pública de intimidade, abuso e exploração sexuais, pornografia e consolo masturbatório para solitários, são parte integrante da paisagem virtual.  Parece que a rede pode tudo, para o bem e para o mal.

Como se dá o relacionamento das mães e pais com os filhos?  É possível e desejável protegê-los, controlá-los?  Há tecnologia apropriada e suficiente para isso?  Dominá-la não fará dos pais modelos acabados de autoritarismo? 




No filme, um grupo de adolescentes e seus pais vivem essa realidade virtual, em que ninguém está imune à mudança social que os smartphones, tablets e notebooks produziram e têm de se relacionar com ela.  Os desejos, as esperanças, os sofrimentos, as características da idade, estão lá.  Só que muitas vezes multiplicados pelos recursos tecnológicos hoje disponíveis.  A solidão se torna pública, a intimidade, compartilhada, a infidelidade, mostrada a todos, o preconceito e a crueldade, midiatizados.  Tudo num clique. Os problemas se agravam.  A proliferação de material ilícito é oceânica.  Mas a diversão parece garantida e a vida, preenchida, nem que seja pelo videogame da hora.

Isso tudo não diz respeito só aos jovens.  Os adultos estão na mesma toada.  Descobrindo e contatando novos parceiros ou experiências fugazes, tendo acesso a redes de prostituição sofisticadas, quebrando a cara também, mas igualmente expostos a um mundo de possibilidades que estão bem à mão.  Casamentos de pessoas que moram em países distantes e se conheceram pela Internet, por exemplo.




O que o filme mostra bem é que o mundo mudou e de forma inapelável.  Abrem-se possibilidades infinitas, ao mesmo em que enormes barreiras se erguem.  Ganhos e perdas serão inevitáveis na vida de cada um e do planeta.  Mas o ser humano se desconhece a si mesmo e a quem está ao seu lado.  Praticamente não olha mais para o seu semelhante, a menos que ele apareça numa tela qualquer.  O que é, afinal, a vida real na atualidade?

Como se trata de discutir a Internet, “Homens, Mulheres e Filhos” enche a tela do cinema de ícones do mundo virtual.  Respostas são enviadas, deletadas, sites se abrem, tudo à nossa vista.  O que predomina, no entanto, é a relação entre os personagens de carne e osso.  Felizmente.  Um deles se angustia, ao perceber que, se ele não estivesse mais aqui, o universo nem notaria.  Assim, nada parece ter sentido.




Citando Carl Sagan na abertura do livro que deu origem ao filme: “Em nossa humilde condição, em toda esta vastidão, não há qualquer indício de que alguma ajuda virá de outro lugar para nos salvar de nós mesmos”.  A esperança, se ela ainda puder existir, estará no próprio ser humano, em nenhum outro lugar.

Um filme que mexe nesses temas e dá margem a reflexões como essas merece ser visto.  A par de ser uma produção bem realizada e com bom elenco, tem um diretor que já havia demonstrado sua argúcia em relação a questões contemporâneas, num olhar não convencional, em filmes como “Juno”, de 2007, que mostra a gravidez na adolescência por um prisma pouco explorado, e “Amor Sem Escalas”, de 2009, que discute a demissão de pessoas num ambiente empresarial, pela ótica e com a frieza de quem tem por função fazer isso, viajando de um lado a outro.  São abordagens que sacodem a poeira dos assuntos e estão bem antenadas com o que se passa no mundo.  “Homens, Mulheres e Filhos” é um trabalho ainda mais certeiro do que os seus filmes anteriores.