quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A GAIOLA DOURADA

                     
 Antonio Carlos Egypto




A GAIOLA DOURADA (La Cage Dorée).  França, Portugal, 2013.  Direção: Ruben Alves.  Com Rita Blanco, Joaquim de Almeida, Roland Giraud, Chantal Lauby, Barbara Cabrita, Lannick Gautry, Maria Vieira.  90 min.



“A Gaiola Dourada” é uma comédia, escrita e dirigida por Ruben Alves, jovem cineasta e ator francês, filho de pais portugueses há muito radicados em Paris.  O filme, segundo ele, é inspirado na própria experiência de sua família: imigrantes portugueses trabalhando há décadas na França, devidamente assimilados, e sua relação com as origens lusitanas.

Há os portugueses que se sentem tão franceses que mal identificam suas origens ou se utilizam de seu próprio idioma.  Outros, porém, continuam fortemente ligados à sua cultura e alimentam o desejo de um dia retornar à santa terrinha.  E há alguns que talvez já tenham desistido de pensar na possibilidade de voltar.


Os franceses, por seu turno, convivem com os portugueses que, via de regra, trabalham para eles, mas mal os conhecem ou aos signos culturais de Portugal.  Conhecem bem a paixão lusitana pelo bacalhau e alguns sabem dos tremoços e do fado.  O que não evita gafes como a de presentear tulipas em homenagem àquela revolução portuguesa: a Revolução dos Cravos, de 25 de abril de 1974.

Em “A Gaiola Dourada”, os personagens principais são o casal Maria Ribeiro (Rita Blanco) e José Ribeiro (Joaquim de Almeida), que vivem num pequeno apartamento em um luxuoso bairro parisiense, porque são zeladores do prédio, cuidam da portaria e serviços de reforma, entre outras coisas.  São muito queridos por sua dedicação, competência e disponibilidade para atender a todos, a qualquer dia ou hora.  Têm filhos já bastante integrados ao cotidiano francês, especialmente Paula (Barbara Cabrita).  Tudo vai seguindo seu rumo natural, até que uma carta traz a notícia de que o irmão de José faleceu, deixou-lhe uma grande fortuna e uma propriedade luxuosa em Portugal.  Mas será preciso morar lá.  Tudo pode mudar, agora.  O sonho vira realidade.  Mas será que eles querem?  E os filhos como se comportarão?


Mais difícil ainda será se demitir do prédio onde estão trabalhando há mais de 30 anos, cujos condôminos não desejarão a saída deles.  E poderão fazer todo tipo de pressão para que fiquem.  Mas valerá a pena desistir de tal oportunidade? Esse é o dilema que alimenta o filme e traz situações curiosas, engraçadas e reveladoras da identidade portuguesa, eclipsada pelo dia-a-dia francês.

O casal protagonista está muito bem representado por Rita Blanco e Joaquim de Almeida, muito bons.  Outras atrizes portuguesas que se destacam são a jovem Barbara Cabrita, a filha do casal, e a veterana Maria Vieira, no papel da empregada Rosa.  O casal de franceses que representa os patrões Francis e Solange Caillaux são os atores Roland Giraud e Chantal Lauby, respectivamente.  O filho deles, Charles Caillaux, é vivido por Lannick Gautry.  Todos têm bom desempenho, mas menor destaque do que os atores portugueses.


“A Gaiola Dourada” é uma comédia que funciona bem, não enseja gargalhadas, mas sorrisos.  É bem construída, alto astral, muito afetiva e uma bela homenagem ao povo português, em especial, os imigrantes.  É um bom entretenimento, que trata com leveza de um tema que envolve muitas questões complicadas.  A imigração é um sério problema político, econômico e social na Europa.  Mas aqui celebra-se o lado positivo dessa história, a imigração que deu certo, além de se divulgar a cultura lusitana.  Sem deixar de se referir à invisibilidade dos servidores, cujos talento e necessidade se reconhecem quando se corre o risco de perdê-los.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

POMPEIA

                          
                     
Antonio Carlos Egypto



POMPEIA (Pompeii).  Estados Unidos, 2013.  Direção: Paul W. S. Anderson.  Com Kit Harrington, Carrie-Anne Moss, Emily Browning, Adewale-Akinnuoye-Agbaje, Kiefer Sutherland. 104 min.


Pompeia, a cidade da Antiguidade Romana (situada a 22 km de Nápoles), quando foi inteiramente destruída pelo vulcão Vesúvio, em 79 d.C., contava com 20 mil habitantes, sendo que 80% da sua população, cerca de 16 mil pessoas, morreram nesse episódio.  As mortes se deram por intoxicação por gás e vapores clorídricos, pela ação do fogo e das cinzas e, também, por pisoteamento em tentativa de fuga e por soterramento.

Uma tal tragédia histórica, cujos registros da vida ali existentes se perderam e só restam indícios, se presta à criação das mais diversas histórias possíveis. Um prato cheio para a produção de filmes épicos.  Mas nisso o filme “Pompeia” sucumbe.  Tudo o que ali se conta é banal, repetitivo, esquemático.  Gladiadores escapam da morte, se enfrentam, se tornam grandes amigos e devem proteger um ao outro até o fim.  Uma história de amor se revela entre o escravo gladiador e a jovem filha dos detentores do poder local.  O senador romano encarna um vilão autoritário, assassino e idiota.  E por aí vai.  A trama inexiste, é puro clichê.



Os personagens são tão rasos que não há como avaliar o desempenho dos atores.  Eles não têm qualquer densidade ou consistência.  Nem coerência de comportamento, diante da tragédia que se desenha.  Além de não serem racionais, os protagonistas nem medo chegam a demonstrar diante da evidência da catástrofe.  Não são humanos, por certo.

Só para demonstrar a indigência do roteiro: a cidade está toda sendo destruída, no entanto, as lutas prosseguem.  Não as oficiais no Coliseu, mas os confrontos morais de vida e morte que envolvem mocinhos e vilões.  Quem poderá achar crível que duas pessoas lutem até a morte, em meio à profusão de lavas sendo expelidas pelo Vesúvio, num ambiente em que todos estão morrendo e eles próprios serão mortos em breve, se não tentarem pelo menos fugir dali?  Parece que não basta mostrar a destruição, é preciso mais ação, lutas e mais lutas, ainda que seja tudo inútil, um non sense total.



De qualquer modo, “Pompeia” é feito na medida para mostrar tudo sendo progressivamente arrebentado, coberto de cinzas, queimado, desmoronando.  É a destruição completa sendo mostrada.  O filme-catástrofe reina absoluto.  A tecnologia funciona, exibe seu poder no telão do cinema em 3D, convincentemente.  O problema é que gira no vazio.  Tecnologia a serviço de coisa nenhuma.


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

12 ANOS DE ESCRAVIDÃO

                          
                  
Antonio Carlos Egypto





12 ANOS DE ESCRAVIDÃO (12 Years A Slave).  Estados Unidos, Reino Unido, 2013.  Direção: Steve McQueen.  Com Chiwetel Ejiofor, Michael Fassbender, Brad Pitt, Benedict Cumberbatch, Lupita Nyong’o.  133 min.


A escravidão enquanto regime econômico pressupunha o domínio e posse de seres humanos por outros, como meio de produção.  A compra e venda de escravos, um negócio.  Aos escravos, nenhum direito, tratamento cruel e degradante, nenhuma voz.  Uma mancha indelével na história da humanidade, desde a Antiguidade e que chegou à Idade Moderna marcada pelo tráfico e escravidão dos negros da África, o que persistiu até o final do século XIX em grande parte do mundo.  Se é que podemos dizer que hoje, em pleno século XXI, ela tenha sido definitivamente abolida em todos os cantos.  Denúncias de trabalho escravo vivem sendo feitas sem cessar.



Suas consequências, de qualquer modo, estão aí evidenciadas nas manifestações racistas, principalmente, contra os negros.  Preconceito e discriminação de vários matizes, inclusive os econômicos, desafiam nossa pretendida evolução civilizatória. Muito apropriado que um ainda jovem e excelente cineasta negro, Steve McQueen, que já nos deu uma obra de peso como “Shame”, de 2011, tenha se ocupado com o máximo de realismo da brutalidade da escravidão.

O filme “12 Anos de Escravidão” conta a história verdadeira de Salomon Northup (Chiwetel Ejiofor), um homem negro livre do Estado de Nova York, nos Estados Unidos de antes da Guerra Civil Americana (1861-1865), que é sequestrado e vendido como escravo para o sul escravocrata e assim permanece pelos 12 anos do título do filme.  Northup tinha estudo e uma habilidade: tocava violino.  Foi ele mesmo que escreveu a história de sua vida como escravo, após ser resgatado na Louisiana, em 1853.  O texto foi publicado em 1859, às vésperas da Guerra Civil.  E, a julgar pelo filme, deve estar cheio de detalhes das agruras, maus tratos e violência sofridos por esse homem.  Uma denúncia, um grito de revolta.



O relato da história de Salomon Northup é cru, vai direto ao ponto, não doura a pílula.  A crueldade que daí emana só faz se acentuar pelo desempenho minimalista espetacular do ator protagonista, Chiwetel Ejiofor, vencedor do BAFTA, do Globo de Ouro e indicado ao Oscar por esse desempenho.  Destaque também para a atuação de Michael Fassbender, como o perverso dono de escravos, e Brad Pitt, como o abolicionista canadense que abre caminho para a libertação de Northup.

Steve McQueen optou por uma forma de realismo que, ao simplesmente mostrar de forma clara, com detalhes, e se permitindo o tempo necessário para que se possa sentir o que se passa, berra a plenos pulmões.  Sem nunca exagerar na mise-en-scène, mas sempre privilegiando o desenrolar dos acontecimentos e os sentimentos do seu protagonista.  Me faz lembrar de “O Grito”, o quadro famoso de Edvard Munch, de 1893, que, apenas visto, nos revela um grito ensurdecedor (aqui, pelo expressionismo).



Não sei se podemos dizer que haja algo de novo na narrativa de Northup, algo de que não tínhamos notícia que tivesse acontecido.  Infelizmente, essa história é conhecida.  Mas vivenciá-la por meio de um cinema bem construído é tocante e capaz de mexer com qualquer um.

“12 Anos de Escravidão” foi escolhido como melhor filme, na categoria drama, no Globo de Ouro.  Ganhou o BAFTA de melhor filme britânico (é uma coprodução com os Estados Unidos) e tem tudo para levar vários Oscar, está indicado em 9 categorias.


sábado, 15 de fevereiro de 2014

A IMAGEM QUE FALTA - Rithy Panh


     Antonio Carlos Egypto


A IMAGEM QUE FALTA (L’Image Manquante).  Camboja, França, 2013.  Direção de Rithy Panh.  Documentário. 95 min.




Rithy Panh viveu na infância uma história tão absurda quanto trágica, quando teve toda a sua família dizimada pela perseguição, pela fome e pela separação de seus membros, durante o regime do Khmer Vermelho, no Camboja, entre 1975 e 1979.  Sobrevivente dessa opressão, foi viver fora do país, se tornou cineasta e seu cinema se pauta, principalmente, pelo resgate da memória daquele período histórico.  O regime, que foi capitaneado por Pol Pot, acabou virando um tabu no país, do qual ninguém fala, nem quer se lembrar.  Romper esse tabu, revirar e mexer nessas memórias, tanto as pessoais quanto as que podem ser provocadas por uma câmera que perscruta quem viveu tudo aquilo, como algoz ou vítima, é seu principal objetivo cinematográfico.

Embora militante dessa causa de explodir o tabu cambojano do Khmer Vermelho, Rithy Panh não faz um cinema de pregação ou propaganda.  Apesar de tudo o que viveu, ainda consegue ser sutil, ao mexer nesse vespeiro, que envergonha as pessoas que seguem vivas.  E registra que o Camboja foi uma subjugada colônia francesa, fazia parte da Indochina, enfrentou esse regime dito comunista do Khmer Vermelho, incompetente e delirante, mas vive hoje na mesma miséria e exploração humanas de sempre, num mundo capitalista que segue oprimindo por outros meios, perpetuando a pobreza e a miséria.

Nada se compara, é claro, ao genocídio que o Camboja viveu naqueles quatro anos da década de 1970.  Um país que tinha sete milhões de habitantes viu morrer quase dois milhões de pessoas.  Perseguidos e executados como inimigos do povo, por razões ideológicas ou por qualquer tipo de resistência a uma vida insustentável.  A maioria, porém, morreu mesmo de fome.  Não poderia sobreviver a uma política de trabalhos agrícolas forçados, de sol a sol, em busca de metas impossíveis, dependendo de uma ração de arroz cada vez mais reduzida para sobreviver.  Tudo em nome da coletivização da produção para um país que deveria, segundo seus dirigentes da época, se tornar puramente agrícola, só de camponeses e políticos.  O pai do cineasta foi o primeiro a morrer na família, de fome, por decisão própria, rejeitando a situação em que estava colocado.  O que tornou ainda pior a vida dos que ficaram.



Tudo isso fica muito evidente no filme “A Imagem que Falta”, em que Rithy Panh relata na primeira pessoa, sem que sua imagem apareça, suas memórias de infância.  Sua fala em off vai narrando a sua história.  O problema é encontrar imagens para reconstruí-la.  Não há.  O país mudou, está diferente.  O que restou de imagens daquele regime é quase sempre filme de propaganda, idealizando os avanços, com slogans ideológicos e uma postura equivocadamente patriótica.  Pode-se ver o artificialismo e a falsidade daquela publicidade, mas não basta. 

É aí que o filme de Rithy Panh inova.  Ele procurou artistas que reconstruíssem os locais, os animais e as pessoas das suas lembranças e montou as cenas todas com figuras de argila que povoam o filme do começo ao fim, entremeadas por filmes e fotos do período, aquilo que foi possível juntar.  Embora tendo partido de um livro, “A Eliminação”, de Christophe Bataille, é da sua experiência particular que se trata.  São as suas imagens criadas por meio da argila que formam a composição do filme.  Segundo o cineasta, “não é a imagem final, nem a busca de uma única imagem, mas a imagem objetiva de uma busca: a busca que o cinema permite”.


Rithy Panh

Quem viveu tal experiência, ainda que se afaste e conquiste novos rumos, nunca poderá esquecer o que viveu.  É preciso voltar às origens, para poder elaborar uma perda tão brutal, que vai das pessoas afetivamente mais importantes na vida à própria identidade nacional.  Com uma mensagem tão impactante pelo próprio testemunho pessoal, era preciso encontrar o meio, a imagem para transmiti-la.  Ele não poderia ter encontrado melhor forma do que a dos bonecos de argila, que realizam o que ele buscou e suavizam a barbárie, tornando-a mais assimilável.  A reação que produz no espectador é de interesse e de ouvir o que o cineasta tem a dizer e não de rejeição, como poderia acontecer se o filme carregasse em imagens violentas.  Um brilhante trabalho que recebeu o prêmio Um Certo Olhar, no Festival de Cannes 2013. 

“A Imagem que Falta” acabou ficando entre os cinco finalistas na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro. Só por essa razão foi lançado nos cinemas. Até então só tinha sido exibido em mostras especiais ou festivais. Deve passar meteoricamente pelos cinemas, a menos que leve a estatueta dourada, o que é bem improvável de ocorrer.


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

CAÇADORES DE OBRAS-PRIMAS

                            
                      
Antonio Carlos Egypto




CAÇADORES DE OBRAS-PRIMAS (Monuments Men).  Estados Unidos, 2013. Direção: George Clooney.  Com George Clooney, Matt Damon, Bill Murray, John Goodman, Jean Dujardin, Cate Blanchett.  98 min.


Como é possível preservar obras de arte fundamentais para a história da humanidade em meio aos bombardeios e aos saques, roubos, promovidos pelos nazistas?  Hitler tinha como projeto o maior museu de arte do mundo, meticulosamente planejado, e já havia feito o registro das obras artísticas naquele que seria o maior roubo da história, envolvendo 5 milhões de objetos culturais.  Ao mesmo tempo em que efetuava esse grande roubo, destruía a arte contemporânea inovadora e crítica, queimando obras de Picasso, por exemplo.  Para o nazismo, essa arte era degenerada e tinha de desaparecer.  Parece, mesmo, um milagre que o grande acervo cultural da humanidade tenha sobrevivido a essa insanidade toda, da mentalidade nazista e da própria guerra.




“Caçadores de Obras-Primas”, filme dirigido e protagonizado por George Clooney, se baseou no livro “Monuments Men”, de Robert M. Edsel, que conta a história de um grupo de homens, um batalhão especial, que se dedicava a salvar obras de arte roubadas, em meio à guerra.  Esse grupo, que envolveu homens e mulheres, chegou a ter 350 soldados, de 13 países.  Foi a maior caça ao tesouro de que se tem notícia.  Começou em 1943, quando o Eixo começava a perder a guerra, e se estendeu até 1951.  Na realidade, até hoje se estão encontrando obras perdidas durante a guerra e, surpreendentemente, em grande quantidade, segundo relato de diversas publicações atuais.

Entre as obras-primas que foram perseguidas e resgatadas pelos Monuments Men havia pinturas de Rembrandt, Leonardo Da Vinci, Vermeer e até a Madonna, de Michelangelo, saqueadas de coleções particulares, sobretudo de judeus, igrejas e museus.  O livro e também o filme registram a atuação de uma dezena de soldados atuando no resgate das obras, principalmente na França, Bélgica e Alemanha.



A história, sem dúvida, é muito boa e atualíssima.  Escrita por um texano que se mudou para Florença para estudar artes e foi aí que se questionou sobre como as obras-primas da civilização ocidental tinham sobrevivido à Segunda Guerra Mundial.  Transformou em romance a trajetória desses homens dedicados à arte e seu heroísmo único, com base em extensa pesquisa que visava a resgatar essa verdade histórica tão positiva, abordando a guerra por um novo ângulo.  Aliás, são infindáveis os ângulos pelos quais ainda se pode falar da Segunda Guerra Mundial, um assunto que parece inesgotável.

O filme “Caçadores de Obras-Primas”, além de contar com a figura carismática de George Clooney, desta vez também na direção, teve um elenco estelar vivendo os heróis da guerra pela arte.  Matt Damon, Bill Murray, John Goodman, Cate Blanchett e até o astro francês de “O Artista”, Jean Dujardin, fazem parte do elenco.  A produção é bem cuidada.  É um filme bem feito.




Algumas coisas incomodam, no entanto.  A visão heróica, desprendida, dos Monuments Men, seu patriotismo e destemor, são clichês de filmes de guerra.  Os personagens, ainda em 1943, se comportam como se já soubessem de tudo o que viria após o fim da guerra que, diga-se, ainda não estava ganha.

A narrativa é convencional e deixa para os minutos finais de suspense a peça mais importante.  Ou seja, o esquema previsível de sempre.  Não há inovações, quando muito, reverência aos antigos filmes de guerra.  Para uma história tão interessante como essa, o filme deixa a desejar.  Não empolga, não brilha.  E teria tudo para entusiasmar.  Mas nem por isso deixa de ser um filme interessante de se ver.  É só não esperar demais.


terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

ERA UMA VEZ EM TÓQUIO

                  
 Antonio Carlos Egypto




ERA UMA VEZ EM TÓQUIO (Tokyo Monogatari).  Japão, 1953.  Direção: Yasujiro Ozu.  Com Chishu Ryu, Chieko Higashiyama, Setsuko Hara, So Yamamura.  135 min.


Yasujiro Ozu (1903-1963) é um dos maiores cineastas de todos os tempos.  Ao lado de Kenji Mizoguchi (1898-1956) e Akira Kurosawa (1912-1998) forma a trinca de ouro do cinema japonês, pelo menos do ponto de vista do Ocidente.  O Japão tem uma vasta e variada filmografia, que já teve espaços de exibição privilegiados em São Paulo, nos cinemas que existiam no bairro da Liberdade, e tem, obviamente, muitos autores importantes.  Ocorre que Kurosawa, Mizoguchi e Ozu são geniais e o cinema que eles construíram abriu caminhos, fez escola e deixou marcas inconfundíveis.



Ozu dedicou sua obra cinematográfica ao estudo das interações humanas, a partir da família.  Intimista na abordagem, seguindo o ritmo lento da vida, ele se preocupa com os detalhes, evita excessos dramáticos e assim capta o cotidiano.  Retrata a tradição familiar a partir das casas, sua relação com a natureza, a mudança das estações, os fenômenos naturais, como o vento e a chuva, sempre em busca de captar o relacionamento humano, os conflitos entre gerações.  Atento à tradição, mostra a mudança: a ocidentalização do Japão, o avanço da tecnologia na época, a grande cidade e o tempo que se esvai, transformando os contatos familiares.



É famoso por colocar a câmera fixa à altura do olhar das pessoas sentadas no tatame.  E a vida se revela àquela câmera com uma profundidade psicológica que é excepcional.  Na aparente simplicidade da técnica e da temática, emerge um cinema de grande profundidade.

Muitos são os filmes marcantes de sua filmografia, que começa em 1927/1928, com “Zange No Yaba” e “Sonhos de Juventude”, ainda no cinema mudo, e se encerra com o belíssimo “A Rotina Tem Seu Encanto”, de 1962.  “Pai e Filha”, de 1949, “Também Fomos Felizes”, de 1951, “Flor do Equinócio”, de 1958, “Bom-Dia” e “Ervas Flutuantes”, de 1959, “Dia de Outono”, de 1960, são apenas alguns deles.  Sua obra-prima, porém, é, reconhecidamente, “Era Uma Vez em Tóquio”, de 1953.  E é justamente esse filme, que consta da lista dos melhores de todos os tempos da crítica cinematográfica mundial, que está sendo relançado no cinema, numa bela cópia restaurada digitalmente.  É uma oportunidade para não se perder.



A temática gira em torno de um casal de idosos que mora numa pequena vila à beira-mar e decide visitar os filhos que foram viver em Tóquio, onde cuidam de suas próprias vidas e famílias, do trabalho e da subsistência.  Eles constatam que os filhos estão muito ocupados para recebê-los, vivem agora uma vida muito diferente da deles.  Mas uma nora, que perdeu o marido na Segunda Guerra Mundial, os acolherá de um modo que seus filhos não fizeram.

O interessante é que também está sendo exibido agora nos cinemas “Uma Família em Tóquio”, do cineasta japonês Yoji Yamada, discípulo de Ozu, realizado em 2013, que é uma refilmagem do clássico “Era Uma Vez em Tóquio”, atualizada para o Japão de hoje, em que as relações familiares estão mais esgarçadas e as consequências da modernidade, muito evidentes.  Já as casas, o vestuário e, sobretudo, a tecnologia mudaram radicalmente.  É também um belo filme, embora não possa se comparar a um original tão poderoso.

Uma Família Em Tóquio


“Era Uma Vez em Tóquio” tem sido fonte de inspiração para muitos outros filmes ao redor do mundo.  Um que é muito competente, partindo da inspiração de Ozu, é “Hanami – Cerejeiras em Flor”, produção alemã de 2008, dirigida por Doris Dörrie, que pode ser conferida em DVD.  É um filme encantador e emocionante, seguindo as pegadas do mestre Ozu e sua história básica do casal de idosos, cujos filhos não têm tempo para eles, em Berlim.  Mas o Japão comparece por meio da poesia.

Afinal, o que é o grande cinema de Ozu, senão poesia pura?  Seus seguidores bebem dessa fonte inesgotável.


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

PHILOMENA

                             
                     
Antonio Carlos Egypto



PHILOMENA (Philomena). Reino Unido, 2013.  Direção:  Stephen Frears.  Com Judi Dench, Steve Coogan, Sophie Kennedy Clark, Anna Maxwell Martin.  98 min.


Irlanda católica, 1952.  Philomena Lee, aos 14 anos de idade, já era considerada uma grande pecadora.  Tinha engravidado fora do casamento, era uma vergonha para sua família.  Sendo assim, foi enviada para a Abadia Sean Ross, na pequena cidade de Roscrea, para ter o parto e cuidar da criança, até que as freiras encontrassem um casal disposto a adotá-la. Foi assim que nasceu Anthony Lee, que acabou sendo levado para os Estados Unidos, rebatizado de Michael Hess, que se tornaria um importante assessor do Partido Republicano, nos governos de Reagan e George Bush, e morreria sem conhecer sua mãe biológica.

Philomena era apenas uma das muitas meninas “pecadoras”, que passaram pela Abadia de Roscrea.  Todas as meninas que lá viveram, enquanto seus bebês não eram adotados, tinham de usar outros nomes (assim como fazem as freiras) e trabalhar para o convento durante esse tempo, que poderia durar alguns anos.  As adoções eram regiamente pagas às religiosas pelos casais interessados.  E os Estados Unidos, um local privilegiado para o envio dessas crianças.  As meninas “pecadoras” pagavam por seus pecados  não só no trabalho pesado mas também no parto dolorido e no tratamento duro recebido das freiras, embora não de todas.  Sempre havia alguma que se apiedava delas ou fazia uma grande gentileza, por exemplo, tirar uma foto da criança, mesmo sem ter permissão para isso.



Essa história real, que o grande diretor britânico Stephen Frears adaptou para o cinema, virou livro.  O escritor, apresentador e jornalista inglês, Martin Sixsmith,  reconstruiu toda a história de Anthony Lee/Michael Hess, a partir do desejo de Philomena Lee, que durante cinquenta anos procurou encontrar seu filho em algum lugar do mundo, saber quem ele era, como vivia, se pensava nela.  Verdade que ela havia assinado um termo em que não só entregava seu filho à adoção, como se comprometia a nunca mais querer saber dele ou procurá-lo.  Mas isso era parte da provação pela qual teria de pagar seus pecados, que ela demorou quase toda uma vida para pôr em dúvida.  Na verdade, ela nunca quis ficar sem seu filho, embora não tivesse condições de criá-lo. 

No filme, Philomena jovem (Sophie Kennedy Clark), no convento, e ela mesma, cinquenta anos depois, vivida magistralmente por Judi Dench, e o jornalista Martin (Steve Coogan) são os personagens principais que conduzem toda a história.  No livro de Martin Sixsmith, toda a trajetória de Anthony Lee/Michael Hess é construída passo a passo, com base em fotos, registros, documentos e depoimentos de quem conviveu com ele ao longo de sua tormentosa vida, mas bem sucedida carreira.  E entra nos detalhes de sua vida amorosa, doença e morte, em tempos de descoberta do vírus HIV, e pelos caminhos tortuosos que a compreensão, prevenção e tratamento da Aids nos governos republicanos dos Estados Unidos tiveram de passar.




O foco de Stephen Frears no filme, no entanto, foi outro.  A comovente história da mãe alijada do seu filho e desejosa de encontrá-lo foi um sofrimento imposto por uma visão moralista da sexualidade e amparada por uma política de governo.  O Estado irlandês atribuiu à igreja a missão de isolar e cuidar das jovens mães solteiras e promover a adoção dos bebês.  As vantagens econômicas dessas ações eram evidentes e estavam implícitas no trato.  Mas quando a atriz hollywoodiana Jane Russell adotou uma criança irlandesa, proveniente da Abadia de Roscrea, a repercussão da notícia exigiu que se rediscutisse o assunto.  Ficou evidente que o Estado irlandês não tinha o menor controle sobre o que fazia a Igreja Católica nesse acordo e qualquer tentativa de fiscalização era imediatamente rechaçada pelas autoridades eclesiásticas.



O resgate dessa história profundamente humana, com o sofrimento que causou, ancorada em premissas morais ultrapassadas, é muito interessante e necessário.  Para que essas coisas não venham a se repetir.  Para que novos valores, que se baseiam no respeito, na tolerância, na diversidade e na compreensão do outro, possam impedir que julgamentos morais e princípios rígidos voltem a se impor.  Ou, onde eles ainda vigoram, que possam ser superados.

O cinema de Stephen Frears costuma estar atento a questões humanistas, explorações indevidas e aspectos históricos relevantes.  “Ligações Perigosas”, de 1988, “Liam”, de 2000, “Sra. Henderson Apresenta”, de 2004, “A Rainha”, de 2006, e “Chéri”, de 2009, são alguns exemplos relevantes da filmografia do diretor.

Sophie Kennedy Clark

“Philomena” concorre ao Oscar em algumas categorias. Entre elas a indicação de  Judi Dench para melhor atriz.  Ela já ganhou uma vez, como atriz coadjuvante, por “Shakespeare Apaixonado”, de 1998, no papel da rainha Elizabeth.  Trabalhando com Stephen Frears, ela ganhou um de seus diversos prêmios de melhor atriz, no BAFTA, o Oscar britânico, pelo papel em “Sra. Henderson Apresenta”. 
                             

sábado, 1 de fevereiro de 2014

GLÓRIA

                          
                   
Antonio Carlos Egypto




GLÓRIA (Gloria).  Chile, 2013.  Direção: Sebastián Lelio.  Com Paulina García, Sergio Hernández, Diego Fontecilla, Fabiola Zamora.  110 min.


“Glória”, o filme chileno indicado pelo país ao Oscar de filme estrangeiro, tem como foco uma mulher muito viva e ativa, aos 58 anos de idade, que tenta se reinventar agora que está sozinha.  Os filhos já saíram de casa há um bom tempo.  Mas ela tem muita gana de viver e não desistiu de encontrar um homem que a complete nessa etapa de vida.

Glória (Paulina García) não se acomoda em casa, sai sozinha, pega seu carro e canta entusiasmadamente, vai tomar seu trago num bar.  Ainda que desacompanhada, vai a bailes de terceira idade para dançar.  E está sempre aberta a novos contatos.  Que, naturalmente, acabam aparecendo.  Mas, se nunca é fácil se enamorar e recomeçar uma nova vida a dois, nessa faixa de idade isso se complica um pouco mais.



Rodolfo (Sergio Hernández), ex-oficial da Marinha, sete anos mais velho do que ela,  parece o parceiro ideal para um relacionamento, mas tem lá seus problemas e não só de saúde.  Lidar com eles não será fácil, nem para Glória, nem para ele.  Mas que tal, vamos tentar?

A vida é um constante recomeçar, sempre é tempo de experimentar alguma coisa nova.  Na verdade, é a própria condição para desfrutar com gosto da existência.  O contrário disso seria aguardar o agravamento dos problemas da velhice e a morte.  É ou não é?



O filme “Glória” tem esse dinamismo da busca que sempre cabe e de algum modo se coloca.  A atriz Paulina García, estupenda, é o grande trunfo do filme.  Uma mulher de apaixonante vitalidade emana do seu trabalho, iluminando o personagem.  Não por acaso ela foi premiada no Festival de Berlim por esse desempenho.

Mas o filme não se resume a essa vitalidade ou a uma mensagem otimista.  Ele mostra as dificuldades, os problemas, as frustrações, as expectativas que não se realizam.  Viver é maravilhoso, mas também não é fácil.  Há de se ter força e persistência.  E, muitas vezes, a casa cai.  Enfim, um filme humano, realista, verdadeiro.  Que inclui cenas de sexo de pessoas já envelhecidas que diferem muito do padrão de beleza consagrado.

Tem música de muito boa qualidade, incluindo uma versão de “Águas de Março”, tocada e cantada integralmente num encontro festivo a que Glória estava presente.  A canção está muito bem apresentada, com o nosso Tom Jobim sendo lembrado e suas palavras em português cantadas com o delicioso sotaque do espanhol que se fala no Chile.



O cinema chileno tem uma produção pequena e pouco se vê dele por aqui.  É preciso que algum filme se destaque por prêmio em festival para que seja exibido no Brasil.  Até parece que o Chile está tão longe de nós, não?  Quando surge a oportunidade, é bom aproveitar.

“Glória” é um belo filme, não decepciona em nenhum aspecto.  Claro que vai agradar mais ao público maduro, que terá a oportunidade de se identificar com as situações tratadas, mas certamente os mais jovens saberão curti-lo também.  É um filme de concepção moderna e bem dirigido por Sebastián Lelio, de 40 anos de idade, que diz que procurou retratar as mulheres da geração de sua mãe, que cada vez podem viver mais e melhor.