domingo, 12 de outubro de 2014

RELATOS SELVAGENS

Antonio Carlos Egypto




RELATOS SELVAGENS (Relatos Salvajes).  Argentina, 2014.  Direção e Roteiro: Damián Szifrón.  Com Ricardo Darín, Erica Rivas, Leonardo Sbaraglia, Julieta Zylberberg, Rita Cortese, Oscar Martinez, Darío Grandinetti, Nancy Dupláa.  122 min.


“Relatos Selvagens” é um filme argentino, com produção espanhola da El Deseo, dos irmãos Augustín e Pedro Almodóvar.  Uma escolha certeira.  Compõe-se de seis episódios distintos, mas todos funcionam bem, cada um melhor do que o outro.  O que é pouco comum em filmes de episódios.

O que une essa espécie de coleção de curtas é a ideia do descontrole, que pode acometer as pessoas pelas mais diversas razões, individuais ou coletivas, mas que complica a vida.  Geralmente descamba em violência, frequentemente em morte.  O que a gera pode ser uma estupidez qualquer, como um carro provocando o outro, enquanto trafegam numa estrada semideserta.  A partir do nada, pode-se instalar a tragédia.



A descoberta de uma traição em pleno dia do casamento, enquanto a cerimônia decorre, também pode ser motivo para acabar com a festa. O acúmulo de fracassos e frustrações que marcam uma vida podem levar alguém a tentar se vingar das pessoas que ele julga responsáveis pelo seu insucesso.  A sensação de ser extorquido mesmo quando a origem do pedido é antiética e profundamente injusta pode ser intolerável. 

Mas também a sensação de impotência diante de um Estado impessoal, burocrático e que se alimenta de arrecadações injustas e indevidas, pode produzir uma resposta explosiva.




São questões como essas que recheiam o terceiro longa-metragem de Damián Szifrón e que revelam eficiente comunicação com o público.  Por quê?  Todas as situações apresentadas são realisticamente reconhecíveis, passíveis de acontecer com qualquer pessoa, ao menos enquanto sentimento, desejo, intenção.  Quem nunca planejou mentalmente uma vingança violenta contra alguém que o humilhou ou oprimiu que atire a primeira pedra, não é assim?

O roteiro dos episódios é bem amarrado, enxuto.  O elenco de atores e atrizes é de primeira.  E não apenas pela presença sempre marcante  de Ricardo Darín.  As interpretações são um ponto forte do filme.




O clima da película também é capaz de estabelecer boa comunicação com o espectador, porque, embora se valha de cenas violentas e trabalhe em situações-limite, exala bom humor, provoca risadas em momentos dramáticos.  Essa mistura acaba contribuindo para que o espectador pense no que está vendo, se distancie um pouco do envolvimento com os personagens, a partir do inusitado da situação proposta.  Algo como o distanciamento brechtiano acontece quando o drama se traveste em comédia momentânea ou involuntária.  Ou, então, a comédia se vê envolta por tragédia e grande violência, quebra a graça pretendida e nos chama à razão.

Há momentos no filme em que o exagero ganha o primeiro plano e algo se perde.  Mas o conjunto é muito bom, eficiente.  Isso, num filme de episódios, é uma grande virtude.  A vingança e a perda de controle são os elementos que unificam as histórias e se conectam com o psiquismo de cada um.




 Como de costume, no cinema argentino, os personagens provêm mais da classe média do que de qualquer outro estrato socioeconômico.  Talvez por isso mesmo a bilheteria responde satisfatoriamente.  Afinal, quem costuma ir mais ao cinema senão a classe média?

“Relatos Selvagens” é o filme que abre a 38ª. Mostra Internacional de Cinema de  São Paulo, que acontece entre 16 e 29 de outubro de 2014.




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