quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

PAIS E FILHOS

                         
Antonio Carlos Egypto



PAIS E FILHOS (Soschite chichi ni naru).  Japão, 2012.  Direção e roteiro: Hirokazu Kore-Eda.  Com Masaharu Fukuyama, Machiko Ono, Yoko Maki, Lily Franky.  120 min.


Troca de bebês em maternidade acontecem e causam enormes transtornos.  Imagine, então, se essa troca só for descoberta seis anos depois do acontecido... 

Os pais cuidam da criança, a educam, criam vínculos muito fortes, estabelece-se um padrão de identidade, um tipo e estilo de vida e de relacionamento familiar.  Hábitos e costumes se solidificam.  O que fazer?  Esse é o dilema moral que o filme “Pais e Filhos” expõe, por meio de dois casais, as duas crianças trocadas, irmãos e familiares.




Um casal tem alto padrão de vida, um executivo que se dedica ao trabalho prioritariamente e um modo discreto de viver.  O menino em questão tem tudo de que precisa e se dá bem com os pais.  Como se pode imaginar, nem sempre pode contar com a presença do pai, que tem muitos compromissos.  Mas isso não impede que vivam bem, sem maiores problemas ou sobressaltos.

A outra família tem posses bem mais modestas, o dinheiro pode fazer falta e impedir algumas coisas.  A figura do pai é a de um homem simples, que não conquistou muitas coisas em termos econômicos, nada refinado, mas muito afetivo e brincalhão.  Extremamente disponível para os filhos.



A eventual troca, como se vê, implicará grandes mudanças e questionamentos para todos, tanto para os pais, quanto para os filhos.  Para se chegar a uma decisão, que terá de ser de consenso, muitas experiências serão feitas e avaliadas, passo a passo. 

O executivo, em especial, colocará em questão o seu papel de pai, pondo em cheque a hierarquia de valores das necessidades humanas.  Os dois meninos, inevitavelmente, compararão os comportamentos, tanto paternos, quanto maternos, e as grandes diferenças que separam as duas famílias, sem condições de avaliá-las realmente.  Sofrem, têm sentimentos intensos, mas também se divertem e descobrem coisas novas.



O dilema moral colocado pelo filme é isso: um festival de descobertas, sem necessidade de qualquer explicação. Os personagens bem construídos, especialmente os pais e as crianças, vivem o desafio de uma decisão que, em qualquer sentido, será dura, cruel e, talvez, equivocada.  Não há verdades, nem certo ou errado, muito menos vilões e mocinhos.  São gente de carne e osso, tentando se entender e fazer a coisa certa.  Sofrendo para tentar acertar.  As diferenças de classe social são reveladas, mas não são decisivas para a resolução do conflito.  É de pessoas vivendo um drama familiar sem precedentes que se trata.



“Pais e Filhos” é um belo trabalho do diretor Kore-Eda, que tem se dedicado a lidar com questões atuais ligadas à família, destacando o papel das crianças, seus desejos e limitações.  Foi assim em “O Que Eu Mais Desejo”, de 2010, ou “Ninguém Pode Saber”, de 2004.  Estamos todos, crianças ou adultos, sujeitos a perdas, o tempo todo.  O cinema de Hirokazu Kore-Eda, de forma leve, suave e até divertida, reflete sobre isso e nos faz pensar.

“Pais e Filhos” foi um dos maiores destaques da 37ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e segue, agora, sua carreira comercial no cinema.  Ótima pedida.


quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

EU E VOCÊ - de Bertolucci

Antonio Carlos Egypto

EU E VOCÊ (Io e Te).  Itália, 2011.  Direção: Bernardo Bertolucci.  Com Jacopo Olmo Antinori, Tea Falco, Sonia Bergamasco, Pippo Delbono, Veronica Lazar.  97 min.
Lorenzo (Jacopo Olmo Antinori) é um adolescente de 14 anos, em busca de espaço para sua privacidade e autonomia.  Tem problemas e dificuldades no relacionamento com colegas, já que é um tanto intolerante e ríspido.  Em casa, com a mãe, o conflito é ainda mais intenso, já que envolve um amor edipiano explicitado, em meio a constantes brigas e discussões.
Olívia (Tea Falco), irmã mais velha de Lorenzo por parte de pai, fazia com muito talento fotografia artística, até afundar na dependência de drogas, especialmente da heroína, de forma intensa.

Lorenzo e Olívia são os dois personagens que conduzem a trama do novo filme do grande diretor Bernardo Bertolucci.  Por razões diversas, eles acabam convivendo, por um período de tempo, num porão, escondidos das outras pessoas.  O encontro se dá de modo fortuito, inesperado para ambos.  É por aí que se apresenta a oportunidade do convívio que resulta em conhecimento mútuo, já que, apesar de irmãos, eles estavam separados e nunca se viam.
Criar uma situação que confina dois personagens por um período de tempo facilita a exposição das diferenças do mundo de ambos, do que é difícil de enfrentar para cada um e de que modo esses mundos podem se tocar e se entender.  O que interessa ao diretor é trabalhar sentimentos, expectativas e as relações possíveis entre os irmãos.  Consequentemente, o que muda em cada um com esse convívio forçado e confinado.
A transformação dos personagens e da relação entre eles vai sendo mostrada de forma progressiva e realista, apesar da situação artificial criada.  “Io e Te” não cai na cilada da redenção, traz esperanças, mas mantém os limites.  Crescer e mudar é possível, mas não esperemos milagres.  É por aí.

Bernardo Bertolucci, um dos grandes nomes do cinema italiano, faz mais um trabalho rico e intrigante, focado em relacionamentos humanos, o que é uma constante na sua obra.  Basta lembrar de “Os Sonhadores”, de 2004, ou de “O Último Tango em Paris”, de 1972, ótimos filmes que também colocam personagens em espaços fechados por um bom tempo.
Evidentemente, a trajetória de Bertolucci é tão marcante que há muito mais do que isso em filmes notáveis, como “Antes da Revolução”, de 1964, “O Conformista”, de 1970, “1900”, de 1973, “La Luna”, de 1981, “O Céu que nos Protege”, de 1990, “Beleza Roubada”, de 1996, ou “Assédio”, de 1998.  É um autor cinematográfico, que sempre tem muito a dizer, com belas imagens.
“Io e Te” foi um dos filmes exibidos na mostra contemporânea do 8º. Festival de Cinema Italiano no Brasil, em 2012, e agora chega ao circuito comercial dos cinemas. 

sábado, 14 de dezembro de 2013

UM TOQUE DE PECADO

                         
Antonio Carlos Egypto



UM TOQUE DE PECADO (Tian Zhu Ding).  China, 2013.  Direção e roteiro: Jia Zhang-Ke.  Com Jiang Wu, Meng Li, Lanshan Luo.  133 min.



A China é um gigante do mundo contemporâneo que tem crescido economicamente em ritmo assustador.  Modernizou-se e enriqueceu rapidamente.  As pessoas têm acesso ao que de mais avançado existe na área tecnológica e a um padrão de vida inimaginável nos tempos de Mao Tse Tung, do socialismo implantado a partir de um país pobre e rural.  O partido comunista chinês continua no poder, mas passou-se da intransigência da chamada Revolução Cultural ao culto do dinheiro em bases capitalistas pouco ou nada convencionais.

O próprio cinema é uma demonstração clara do avanço da China em escala global.  Grandes produções, espetáculos sofisticados, fazem parte da criação cinematográfica  chinesa atual.  E diretores como Zhang Yimou, Chen Kaige, Wong Kar Wai, Ang Lee, vindos da China continental, Taiwan ou Hong Kong, são conhecidos e respeitados em todo o mundo.



A reflexão sobre o outro lado da China, um lado obscuro, violento, discriminador, produtor de desigualdades, desequilíbrios e com consequências ambientais sérias, tem preocupado um de seus mais brilhantes cineastas, que é Jia Zhang-Ke.  Nascido em 1970, numa província do interior do China, mudou-se para Pequim, estudou pintura, literatura, escreveu romances e, em 1995, fundou o Grupo Jovem de Cinema Experimental, primeira produtora independente do país, e começou a fazer filmes.

Destacam-se em sua produção “Plataforma”, de 2000, “Prazeres Desconhecidos”, de 2002, “O Mundo”, de 2004, “Em Busca da Vida”, de 2006, “Memórias de Xangai”, de 2010.   Seja no terreno da ficção, seja no do documentário, o cinema de Jia Zhang-Ke é um cinema de reflexão sobre essa China do avesso, que esmaga e empobrece pessoas, longe do sucesso, do brilho e do glamour.  É uma obra que pensa a partir de fatos e situações concretas o custo desse crescimento vertiginoso para as pessoas, assim como reflete sobre o passado recente da China.



“Um Toque de Pecado” é um filme que se baseia em fatos reais relatados no noticiário policial.  Fatos reveladores de um profundo mal-estar que atinge com violência seres humanos que tentam sobreviver em um ambiente hostil.

Um minerador furioso se revolta contra a corrupção dos líderes de seu povoado e vai fazer justiça com as próprias mãos, de forma violenta.  A recepcionista de uma sauna perde o controle quando um cliente rico a assedia, a trata como prostituta e lhe bate com um maço de cédulas de dinheiro.  Um jovem operário vive situações degradantes no trabalho, troca de serviço e não encontra nada melhor, apesar das várias tentativas, e perde a esperança.  Um trabalhador migrante volta para casa no Ano Novo e descobre as muitas possibilidades que uma arma de fogo pode proporcionar a seu usuário.



Esses fatos ocorreram em quatro províncias diferentes da China e têm em comum o desencanto com a vida e o apelo à solução desesperada e violenta.  Jia Zhang-Ke mostra situações de forma crua e direta, no estilo documental, com enquadramentos magníficos, dirigindo o olhar do espectador para uma realidade incômoda da China contemporânea, que tem tudo a ver com o mundo globalizado em que vivemos.  A cor local não esconde o seu caráter mais amplo e a difusão desse mal-estar pelo mundo atual.  É preocupante o que está acontecendo, é o que nos diz e mostra o cinema de Jia Zhang-Ke, belo, forte e extremamente competente.  Ele é um dos grandes cineastas do nosso tempo.


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

A FILHA DE NINGUÉM

                        
Antonio Carlos Egypto



A FILHA DE NINGUÉM (Nugu-ui Ttal-do Anin Haewon).  Coreia do Sul, 2013.  Direção e roteiro: Hong Sang-soo.  Com Jeong Eun-chae, Lee Seon Gyun, Kim Ja-ok, Yoo Joon-sang.  90 min.



“A Filha de Ninguém” é o novo trabalho do diretor coreano Hong Sang-soo, de quem já vimos nos cinemas o excelente “Hahaha” (veja crítica no cinema com recheio, dezembro de 2012). 

Haewon (Jeong Eun-chae), jovem universitária, está ás voltas com questões de relacionamento que mexem muito com ela.  Sua mãe (Kin Ja-ok) parece ser uma figura distante da família, mas cuida muito bem de tocar a própria vida.  Está indo embora, vai morar no Canadá.  Haewon vai se encontrar com a mãe e se despedir.  A partida será amanhã.  Vemos, então, o quanto essa mãe parece muito afetiva e bondosa.  Ambas estão felizes, aparentemente.  A mãe diz que não deixará de pensar na filha nem um dia e deseja o seu bem-estar. Mas isso é tudo, vai partir para tocar seu trabalho e quem sabe, um dia, se reencontrarão.  A jovem demonstra, com suas expressões, que sente o abandono, fica insegura, no entanto, tudo se dá de forma calma e até sorridente.  Um turbilhão por dentro, mas tudo muito civilizado por fora.



A outra questão, que é central no filme, diz respeito ao relacionamento amoroso de Haewon com Seongjun (Lee Seon Gyun), seu professor, casado há sete anos.  A relação tem de se manter secreta, isso dificulta tudo e deixa a jovem insatisfeita.  Tudo vai se complicar muito mais, quando a turma de alunos do professor, e colegas dela, descobre o caso.  E quando ela se afasta, mas ele vai atrás dela, numa fortaleza nas montanhas de Seul, num belo, distante e pouco frequentado local turístico, onde ela compartilha sentimentos com um casal.

As cenas se sucedem em baixa intensidade e num tom, ora, calmo, ora, controlado.  Revelando, de forma inequívoca, que nossas emoções são intensas, fortes, mas, nosso processo civilizatório as tolhe.  Cabe ao indivíduo o penoso papel de tentar controlar as emoções que brotam do seu ser.



Com efeito, os personagens se seguram, mas o controle lhes escapa.  Aparecem uma expressão de desagrado ou rejeição, uma palavra rude, uma saída intempestiva, uma fofoca, uma agressão verbal.  No entanto, não mergulhamos no melodrama, como a trama poderia indicar. O que importa é como lidamos com as emoções, as expectativas frustradas, as esperanças que temos de abandonar, as perdas e separações, a solidão.  E como fazemos isso dentro dos limites impostos pelo processo civilizatório.

O cinema de Hong Sang-soo é sutil, se passa num clima suave, apesar do drama e exige do espectador atenção aos detalhes.  É um cinema rico em sensibilidade e focado no relacionamento humano, além de visualmente muito bonito e delicado.

 

Dá gosto acompanhar a narrativa de um diretor em planos sequência que valorizam a simplicidade e a espontaneidade, sem fazer uso de cenas de sexo, violência, histeria, pessimismo atávico ou grandes efeitos especiais.  O filme nos conquista a cada instante, devagar e sempre.  Provando, em cada sequência, que realmente no cinema, assim como em muitas outras coisas da vida, menos é mais. 




sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

AZUL É A COR MAIS QUENTE

                         
Antonio Carlos Egypto




AZUL É A COR MAIS QUENTE (La vie d’Adèle – Chapitre 1& 2).  França, 2013.  Direção: Abdellatif Kechiche.  Com Adèle Exarchopoulos, Léa Seydoux, Salim Kechiouche, Jérémie Laheurte, Catherine Salée. 179 min.



“Azul é a Cor Mais Quente”, o filme francês inspirado numa história em quadrinhos para adultos, foi o vencedor do Festival de Cannes 2013, recebendo a Palma de Ouro como melhor filme.  Evidentemente, essa credencial aumenta a expectativa frente à película.  Isso, em geral, acaba produzindo algumas decepções.  Porque, quando se espera muito, é difícil que o produto corresponda às nossas exigências imaginárias.  O filme, “La Vie d’Adèle” no original, é um bom trabalho do diretor franco-tunisiano Abdellatif Kechiche (de “O Segredo do Grão”, de 2008), mas não chega a empolgar.

Adèle (Adèle Exarchopoulos) é uma jovem de 15 anos descobrindo a sexualidade e o amor. Como qualquer adolescente nos dias de hoje, ela faz suas experiências.  Primeiro, com um rapaz gentil e carinhoso, mas não se envolve com ele.  Experimenta um beijo de amor com uma colega e se sente atraída por ela.  Mas não será correspondida aí.



No entanto, essa experiência encontrará terreno fértil com uma outra garota, essa mais velha e bem mais experiente, que ela encontrará num ambiente gay.  Ela está lá por acaso, já que tem um grande amigo e confidente que é homossexual.  O fato é que algo muito importante para ela vai acontecer a partir daí.  A garota experiente, Emma (Léa Seudoux), tem cabelos pintados de azul, o que lhe confere um charme especial, na visão de Adèle, além de vir de um círculo social e intelectual superior. 

A história de amor, tesão e conflitos, entre Adèle e Emma é o foco central do filme.  O diretor gosta de trabalhar longamente as cenas, não se preocupa em abreviar a sequência, quando o que queria mostrar já está claro.  Dá tempo para a situação se revelar um pouco mais, calmamente.  Isso torna seus filmes, obviamente, mais longos.  Este tem três horas de duração, desnecessárias para contar a história que conta e, mesmo, para enfatizar os sentimentos e expressões envolvidos, como ele faz, usando fartamente a câmera muito perto do rosto das atrizes que protagonizam a trama e dos atores que entram como coadjuvantes. 



Adèle vai trabalhar como professora numa escola de crianças e Kechiche se detém em aulas, exercícios e, principalmente, na forma afetiva e acolhedora como ela trabalha.  A vida na escola e as conversas com as colegas e amigos também se prolongam algumas vezes, assim como contatos familiares, refeições, etc.

Evidentemente, o que chama mais atenção são as cenas de sexo entre Adèle e Emma.  A principal delas se alonga por mais de seis minutos bastante explícitos, com uma exposição farta dos corpos das atrizes.  Mas há outras, menores, muitos beijos, e a exposição de Adèle nua, ao ser pintada por Emma.  O amor físico entre as duas é mostrado com exuberância e sem pressa.

O diretor, questionado quanto a isso, explica que esse é seu ritmo de filmar e pode estranhar às pessoas acostumadas a outros ritmos, mas que ele não segue os ditames esperados.  Quanto à debatida cena de sexo, o que ele responde é que o amor tem um lado físico que é importante e tem de ser mostrado, mas que seu objetivo foi focalizar o amor radical entre as garotas. E mostrar a homossexualidade como algo corriqueiro, banal, até.



Bons propósitos, sem dúvida.  Mas sabe-se que não é assim tão fácil, nem simples, no contexto social. O próprio filme mostra que Adèle não conta a seus pais sobre seu enamoramento homossexual. E que ela é pressionada e criticada pelas amigas, quando percebem o caso.  Só que nem uma coisa nem outra são exploradas depois disso.  Os conflitos potenciais somem, a ponto de desaparecerem as cenas familiares e escolares dela, a partir de então.  Um providencial salto no tempo se encarrega de deixar para trás tais situações.  Nos ambientes em que Emma convive, tudo é tranquilo, inclusive na família dela.  Sinais de evolução civilizatória nas camadas de nível mais elevado? 

Para quem levou três horas para desenvolver a trama do filme, não se entende que esses conflitos tenham sido postos de lado.  Pode ser um desejo de que o tema da homossexualidade seja tratado como algo trivial, mas isso ainda não faz parte da realidade, infelizmente.

Claro que o que mais importa é como se estabelece, se desenvolve e se resolve o caso amoroso entre Adèle e Emma, que poderia ser entre um homem e uma mulher ou entre dois homens. Porque a homossexualidade não é o que explica, determina ou desmancha esse amor.  Mas ignorar que o componente homossexual tenha, ainda, um peso diferencial, me parece algo idealizado.



A jovem atriz Adèle Exarchopoulos, de 19 anos, que faz sua xará personagem, segura uma barra pesada, para uma estreante.  Está em foco todo o tempo, passa por um turbilhão de sensações e emoções e se expõe com coragem.  Dá bem conta do recado. Léa Seydoux, atriz já experiente, também merece destaque, fazendo uma Emma forte, decidida, intelectualizada, exibindo seu corpo e seus cabelos azuis em grande parte do filme.  Mostra talento e firmeza na condução do personagem. Ambas também receberam prêmios em Cannes.


terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A GRANDE BELEZA

                        
Antonio Carlos Egypto





A GRANDE BELEZA (La Grande Bellezza).  Itália, 2013.  Direção e roteiro: Paolo Sorrentino.  Com Toni Servillo, Carlo Verdone, Sabrina Ferilli, Carlo Buccirosso. 142 min.



O escritor e jornalista Jap Gambardella (Toni Servillo) chega aos 65 anos de idade, tendo usufruído do melhor que a vida mundana de Roma tem para oferecer.  Fez grande sucesso com um romance chamado O Aparelho Humano, há décadas, e não escreveu mais nada.  Pelo menos, não concluiu ou publicou outro livro.

Viveu até aqui uma vida de festas, luxos, privilégios, como uma espécie de rei da cena romana, junto a aristocratas, novos ricos, políticos, criminosos, nobres decadentes, artistas e intelectuais ou pretendentes a tal. E teve sempre lindas mulheres à disposição.



Mas sempre é tempo de reavaliar as coisas, relembrar momentos da vida anteriores à epopeia romana, pequenos romances da juventude, coisas que ficaram para trás.  Assim como é o momento de ver no que resultou todo esse percurso de encontros sociais e pessoais que envolvem perigos, aventuras e a tentativa de se apossar da própria vida. Enfim, nosso personagem vive, experimenta, relembra, critica, reflete, planeja, pensa para onde ir. Quem sabe, finalmente, voltar a escrever. Ter novamente o que dizer. 

“A Grande Beleza” segue esse personagem inteligente, perspicaz, um tanto cínico e entediado, mostrando a sua vida como um caleidoscópio ou um grande painel de eventos e situações, passadas ou presentes, filtradas por seus pensamentos e sentimentos.



Como a vida de Jap Gambardella se confunde com a cidade de Roma, suas diversas fases e mudanças, seu declínio e a fauna de personagens que a habita e por ela circula, o filme é também um painel da cidade eterna e de suas histórias, do passado e do presente.

Paolo Sorrentino nos apresenta um mosaico de cenas e imagens que, com beleza e leveza, vão revelando uma realidade não objetiva.  Vamos conhecendo por dentro a trajetória do personagem e da cidade, aquilo que é percebido, sentido, experimentado pelo protagonista. Conhecemos seu desencanto com as coisas que, afinal, parecem não ter levado a lugar nenhum.  Muita festa, badalação, moda e riqueza e pouca substância existencial, pouca plenitude.  O que será, então, que o sucesso e a fama podem oferecer às pessoas?



O filme traz um tanto de influência do grande cinema italiano do passado, em especial, do mestre Fellini.  A forma como as cenas se dispõem e se complementam partindo de um universo subjetivo remete ao famoso “8 1/2” felliniano.  Sorrentino se inspira em ricas fontes e faz um filme à altura do cinema que admira. E conta com um ator notável como Toni Servillo para viver o personagem central. A fita foi escolhida pela Itália para representar o país nas indicações ao Oscar de filme estrangeiro. Uma ótima escolha, o filme é um concorrente de peso. “A Grande Beleza”, principal destaque no 9º. Festival de Cinema Italiano no Brasil e um dos mais apreciados do Festival do Rio 2013, deve entrar em carreira normal nos cinemas logo a seguir.