quarta-feira, 29 de maio de 2013

Faroeste Caboclo


Tatiana Babadobulos 

Brasil, 2013. Direção: René Sampaio. Roteiro: Marcos Bernstein e Victor Atherino, inspirado na música de Renato Russo. Com: Fabrício Boliveira, Isis Valverde, Felipe Abib, Antonio Calloni, César Trancoso, Marcos Paulo, Flávio Bauraqui, Lica Oliveira, Cinara Leal, Juliana Lohmann , Rodrigo Pandolfo, Leonardo Rosa, Tulio Starling, Romulo Augusto, Andrade Junior, Caco Monteiro. 100 minutos

Depois de “Somos Tão Jovens”, longa-metragem que conta a história da Legião Urbana antes de a banda começar efetivamente, estreia em 400 salas do país o longa-metragem “Faroeste Caboclo”, inspirado na música de mesmo nome, escrita por Renato Russo.

A música faz parte do terceiro disco, “Que País É Este”, mas foi escrita antes de a banda se formar, enquanto o líder, morto em 1996, cantava sozinho, com banquinho e violão, e era conhecido como o Trovador Solitário.

A canção é uma das mais famosas do grupo, tem uma história longa e talvez seja a música mais cinematográfica já escrita. Quando lançada, foi parcialmente censurada quando tocava nas rádios, mas os fãs decoraram cada um dos 159 versos e duração de pouco mais de nove minutos.


A história de amor, ódio e vingança tem começo, meio e fim. No tema central está João (Fabricio Boliveira), que saiu de Santo Cristo, no interior da Bahia, para arranjar confusão no Planalto Central. Depois de matar o assassino de seu pai, vai tentar a sorte em Brasília e é ajudado pelo neto bastardo do seu bisavô, Pablo (Cesar Troncoso). Depois de trabalhar na carpintaria e ver que o que dava dinheiro era o tráfico de drogas, ele conhece Maria Lúcia (Isis Valverde), filha de um senador (Marcos Paulo, em sua última atuação no cinema, morto em 2012). Por conta de sua classe e sua cor também acaba tendo que driblar preconceitos e o seu maior inimigo, o traficante de renome Jeremias (Felipe Abib).

Embora a música conte uma história completa, no momento em que ela é passada para a ação no cinema foram necessárias adaptações para que fizesse sentido. A reconstrução de Brasília da época foi uma das melhores opções feitas pela equipe. Ficaram de fora algumas cenas, que podem continuar na imaginação do espectador. De qualquer maneira, o roteiro é bastante fiel à criação de Renato Russo, o que torna o filme de René Sampaio, em sua estreia em longas-metragens, bastante previsível. Há a história clássica do negro, bandido, pobre de um lado; a mocinha rica que se apaixona por ele, mas é disputada por um outro branco, que frequenta a nata da cidade na época.

Os fãs não vão achar ruim, ao contrário, e vão poder conferir que cada personagem da música que costumavam cantarolar nos anos 1980 têm cara, história e emoção. Ao final, duvido que algum espectador, fã da Legião Urbana, deixe a sala de projeção durante os créditos!

terça-feira, 28 de maio de 2013

FAROESTE CABOCLO

                          
 Antonio Carlos Egypto




FAROESTE CABOCLO.  Brasil, 2012. Direção: René Sampaio.  Roteiro: Marcos Bernstein e Víctor Atherino, com base em música de Renato Russo.  Com Fabrício Boliveira, Ísis Valverde, Felipe Abib, Marcos Paulo, Antônio Caloni, César Trancoso.  105 min.


“Faroeste Caboclo”, a música de Renato Russo, foi um rock de sucesso do Legião Urbana, dos anos 1980.  Composto em 1979, tem uma narrativa que lembra o cordel, uma letra quilométrica, de 159 versos, e a duração de 9 minutos.  Conta a saga de João de Santo Cristo, desde sua infância na Bahia à sua trajetória em Brasília, seu amor por Maria Lúcia, desejada também por Jeremias, o traficante que a engravida.  Tudo acaba num duelo, como convém aos westerns.

Uma música assim, convenhamos, já é um roteiro de cinema.  Portanto, que ela tenha virado filme pode-se até dizer que demorou para acontecer.  Segundo o diretor René Sampaio não seria possível fazer um videoclipe de 100 minutos, a partir de uma música de 9.  Foi preciso criar uma narrativa dramática apropriada à linguagem cinematográfica, o que supõe a adaptação da obra musical.  Mas ele diz que procurou, ao mesmo tempo, seguir com fidelidade a história original. 




De que se compõe o faroeste: Brasília, estertores da ditadura, cidade sem lei, sem escrúpulos, onde quem tem poder manda e a polícia executa a lei dos mais fortes.  De um lado, os políticos, representados pelo senador, pai de Maria Lúcia, papel do ator Marcos Paulo, falecido em 2012, em seu último trabalho.  De outro, os traficantes em disputa.

O anti-herói da saga, João do Santo Cristo (Fabrício Boliveira) é o protagonista marceneiro/traficante/bandido/negro/discriminado.  O que dá margem a incluir, na questão da repressão política, o problema do racismo. Maria Lúcia (Ísis Valverde) é a mocinha maconheira da alta, que ama o “bandido”, mas se casa com o playboy traficante do mesmo estrato social, Jeremias (Felipe Abib).  Uma mocinha nada convencional nas atitudes.




João do Santo Cristo vai se contrapor a Jeremias, não só por Maria Lúcia, mas numa espécie de luta de classes, tendo a disputa do tráfico de drogas como referência.  O ator uruguaio César Transcoso faz o primo traficante, que abre espaço para Santo Cristo ser alguém no jogo pesado dessa Brasília.

O filme, como a música, não tem propriamente mocinhos e bandidos.  O “Faroeste Caboclo” aqui flerta mais com a questão social e política daquele período brasileiro.  Mas o gênero tradicional do western está garantido.  Tem violência, tiroteios, mortes,  perseguições, com tudo bem dosado.  Sem exageros ou espetacularização, seja nas cenas de violência, seja nas de sexo.  Um filme equilibrado e bem dirigido, com muito empenho do elenco.  Fabrício Boliveira e Ísis Valverde compuseram personagens  com nuances e ambiguidades, fugindo dos estereótipos.  E todos os demais papéis seguem na mesma linha.  Constrói-se, assim, um filme de gênero devidamente atualizado.



Depois de “Somos Tão Jovens”, que recriou  vida e obra de Renato Russo, agora é a vez de reinventar seu grande sucesso, “Faroeste Caboclo”.  É hora e vez de homenagear Renato Russo, grande talento do rock brasileiro.  Ele teve sorte: tem dois  filmes bem produzidos, lançados praticamente ao mesmo tempo, para relembrar sua música, sua figura, seu trabalho artístico.




sexta-feira, 24 de maio de 2013

2 MAIS 2

               
 Antonio Carlos Egypto




2 MAIS 2 (Dos Más Dos).  Argentina, 2012.  Direção: Diego Kaplan.  Com: Adrian Suar, Carla Peterson, Julieta Diaz, Juan Minujin. 108 min.


O filme argentino “2 Mais 2” é ousado.  Trata do tema dos swingers, os praticantes da troca de casais.  Dois casais de amigos de longa data, apesar de se conhecerem muito bem, descobrem que há um segredo no meio deles.  Um dos casais é praticante do swing em festas e em encontros com outros casais, em programas a quatro, seis ou oito pessoas, por exemplo.  Quando isso é descoberto se coloca a questão de praticarem entre eles a experiência.



Essa história dá margem a que “2 Mais 2” mostre como funciona, quais são as regras dessa modalidade de fantasia sexual e apresente diálogos claros e diretos sobre ela e sobre outras mais.  Fica-se sabendo, por exemplo, que o marido manifestar atração pela mulher do amigo e transar com ela na frente dele enquanto o amigo faz o mesmo com sua mulher é o esperado, sem problemas.  Mas se os casais trocados se encontrarem na ausência do cônjuge e transarem, a traição é evidente e grave.  Na presença, sempre pode, na ausência, nunca.  O desejo é livre, mas não pode haver envolvimento emocional, senão tudo desmorona.  E por aí vai.

Que é difícil administrar uma coisa dessas é algo evidente.  Pode ser muito divertido e estimulante, em alguns casos.  Mas é como “brincar com fogo”, na expressão usada pelos próprios personagens do filme.



Fazer piada disso ou chanchada com o tema é muito fácil.  E costuma ser apelativo, como é frequente, quando o assunto do humor é sexo.  “2 Mais 2” não é apenas uma comédia que pretenda provocar risos, embora tenha momentos muito bem humorados.  Trata do assunto com objetividade e seriedade.  O que não é fácil. 

Sexo visto como mercadoria, sacanagem, superexposição midiática, autopromoção de celebridades, recurso para a conquista de audiência na TV ou venda de ingressos em espetáculos, é algo que se vê todo dia.  Reflexão sobre o assunto, abordagem séria sobre ele, é algo muito raro.  Fala-se muito, apela-se muito, pensa-se pouco.  Principalmente quando se trata de um tema quente, que é ainda tabu, como a troca de casais, o swing.

“2 Mais 2” é ousado por isso.  Expõe claramente a questão, brinca um pouco com ela, focaliza os problemas que surgem dela.  E não faz grande drama com isso.  Conversa com o espectador sobre um assunto marginal, sem constrangimentos.




A forma como a situação se resolve, no presente e no futuro próximo dos dois casais envolvidos na trama, é evidentemente discutível.  Poderíamos imaginar muitos outros desdobramentos ou possibilidades.  Mas não se trata de aprovar, ou não, os desfechos apresentados, mas de valorizar a oportunidade que o filme dá para a discussão do tema.

Como sexo sempre faz apelo, o filme está batendo recordes de bilheteria na Argentina.  Mas está muito longe de ser um filme pornográfico, ou mesmo, com erotismo exacerbado.  Tanto é verdade, que a classificação indicativa de “2 Mais 2” no Brasil o proíbe a menores de 14 anos.

As aventuras sexuais dos personagens Richard (Juan Minujin) e Betina (Carla Peterson), o casal que já praticava swing e leva os amigos Diego (Adrian Suar) e Emilia (Julieta Diaz) a viverem tal experiência, podem ser vistas sem sustos por qualquer pessoa que se interesse pela temática.  O filme não ofende e também não é inócuo.  Não é uma obra de arte, mas é um produto digno de ser visto.


quinta-feira, 23 de maio de 2013

A DATILÓGRAFA

                          
 Antonio Carlos Egypto




A DATILÓGRAFA (Populaire).  França, 2012.  Direção: Regis Roinsard.  Com Déborah François, Romain Duris, Bérénice Bejo. 95 min.


Que motivos podem levar você ao cinema, hoje em dia?  Puro entretenimento, quem sabe?  Encontrar um filme divertido para toda a família?  Ver um filme despretensioso, ao estilo dos sucessos comerciais de Hollywood dos anos 1950 e 1960?  Curtir a nostalgia de um período em que o cinema seria mais ingênuo e pudico? 

Se essas alternativas o seduzem, a sugestão é ver a comédia romântica francesa “A Datilógrafa”.  A ação se passa em 1959 e, naturalmente, a direção de arte procura recriar o período.  A gente se sente como se estivesse naquela época.  Não só por identificação com a história ou os personagens, mas pelo tipo de filme que está sendo projetado.  É como se estivéssemos indo ao cinema em 1959, ver um filme com Doris Day.  A língua falada é o francês, mas todo o resto remete a uma experiência daquele tipo.  E “A Datilógrafa” decorre como se o filme tivesse sido feito em 1959.




A história, absolutamente linear, segue todos os padrões daquelas produções de caráter clássico, da construção dos personagens aos eventos que marcaram a trama, as reviravoltas e o clímax final.  Tudo perfeitamente previsível.  É possível facilmente antecipar o que vai acontecer.  Estão lá também todos os clichês e estereótipos dos comportamentos que teriam marcado aquela época.  Teriam, porque nem tudo era Doris Day nos anos 1950, 1960.  Nelson Rodrigues já tinha revelado todo o lado sombrio dessa história.

Se pudermos aceitar a fantasia de um mundo edulcorado, colorido e ingênuo ali mostrado, dá para se divertir, sim.  O filme é quadrado em toda sua concepção.  Não há qualquer novidade, é tudo retrô e, como já disse, previsível, mas ainda assim funciona.  Se você deixar o espírito crítico um pouco de lado, é claro.




O assunto da datilografia é muito interessante.  O glamour que a função de secretária supostamente despertava nas jovens, também.  E se a essência da secretária era ser boa datilógrafa, além de bonita e bem arrumada, quem acabará brilhando é quem for mais rápida ao bater nas teclas das máquinas de escrever.  Daí o apelo que teriam os concursos para as datilógrafas mais rápidas do país e do mundo.  Nisso, a direção do filme é muito eficiente.  O concurso das datilógrafas consegue ser apresentado como um campeonato esportivo, com muito público, torcida e com direito a capas de revista.  Um acontecimento.  Embora como espectadores já se saiba no que vai dar, a gente torce mesmo assim.  A competição, da forma como é apresentada, envolve e até cria suspense.  A nostalgia das velhas máquinas de escrever, que irão evoluir até a máquina com esfera, simboliza um tempo, supostamente romântico, em que a digitação e os computadores serão assunto do futuro. 
  


quinta-feira, 16 de maio de 2013

Terapia de Risco

Tatiana Babadobulos




Terapia de Risco (Side Effects). Estados Unidos, 2013. Direção: Steven Soderbergh. Roteiro: Scott Z. Burns. Com: Rooney Mara, Channing Tatum, Jude Law, Catherine Zeta-Jones. 106 minutos

Depois de “Contágio” alertar sobre os perigos de uma gripe que criou pandemia em várias cidades do mundo, o diretor Steven Soderbergh volta ao tema saúde no longa-metragem “Terapia de Risco” (“Side Effects”), cuja estreia nos cinemas está apontada para esta sexta-feira, 17.

Um crime acontece no apartamento em Nova York onde vive Emily (Rooney Mara, de “A Rede Social” e “Millenium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres”). O corpo estendido no chão é de seu marido, Martin (Channing Tatum, de “GI Joe”). Corta. E volta pro início da história, que é contada de modo não linear.

Martin acabou de sair da cadeia após quatro anos preso por revelar um segredo da corporação na qual trabalhava. E Emily, em depressão, tenta suicídio enquanto é tratada pelo psiquiatra Jonathan Banks (Jude Law, de “Sherlock Holmes”, “My Blueberry Nights”). Antes, porém, seu tratamento era feito por outra médica, Victoria Siebert (Catherine Zeta-Jones, de “Chicago”).


A tal terapia de risco na qual o título se refere, ou efeitos colaterais, na tradução livre do nome original, é contra a depressão e o uso do medicamento novo no mercado. Assim como em “Contágio”, o longa discute as ações da indústria farmacêutica, a pressão do mercado, os lançamentos de novos medicamentos, a responsabilidade dos médicos no tratamento e na relação com o paciente.

“Terapia de Risco” é um drama empolgante, com uma pitada de suspense, que garante diversão e curiosidade da plateia do começo ao fim.

domingo, 12 de maio de 2013

AMOR PROFUNDO


                              
Antonio Carlos Egypto




AMOR PROFUNDO (The Deep Blue Sea)Inglaterra, 2011.  Direção: Terence Davies.  Com Rachel Weisz, Tom Hiddleston, Simon Russel Beale, Ann Mitchell.  100 min.


Estamos em Londres, 1950.  Mas nem era preciso dizer.  As imagens falam por si.  Lá está a cidade em cores esmaecidas, revelando o clima de bruma que costuma cercá-la.  As luzes difusas e os ajustes de foco reforçam isso. A ambientação, as casas, os carros, o figurino, os cabelos, os gestos, tudo combina perfeitamente.  Não dá margem a dúvida alguma.  As pessoas vão aparecendo sem dizer nada e a gente entende que vem aí um drama passional, uma história de amor.




São muitos minutos de pura imagem, que têm o papel de nos colocar naquela cidade, naquela época, naquele mundo e com aqueles personagens, cujos perfis já nos revelam algo.  Ainda não sabemos quem são, mas já intuímos o que está por vir.  Puro cinema!

O que vem depois?  O que estava mesmo anunciado: um melodrama daqueles.  Desejo, rompimento, insistência obsessiva, abandono, sofrimento.  Mas mantendo a classe, sem qualquer exagero ou histeria desnecessários.  Escancarado, mas sutil.  E de uma beleza plástica admirável.  Todas as tomadas são impecavelmente belas e, de alguma forma, delicadas.




O diretor britânico Terence Davies tem mesmo esse estilo.  Aspectos autobiográficos de sua vida, na infância, em família, já aparecem em outros filmes desse mesmo jeito soft de abordar problemas, sofrimentos, dificuldades.  Coisas terríveis podem ser mostradas em ambientes com pouca luz, falando baixo, sem gritaria, no choro contido.  Até por intermédio de canções.  Alguns de seus filmes são “Vozes Distantes”, de 1988, “O Fim de um Longo Dia”, de 1992, “Memórias”, de 1994, “A Essência da Paixão”, de 2000.

“Amor Profundo” é a adaptação para o cinema da peça teatral “The Deep Blue Sea”, de Terence Rattigan, de 1952. Focaliza o drama amoroso em meio às lembranças e vicissitudes que a guerra deixou nas pessoas.  Traumas, por certo, mas também memórias associadas a aventuras, como as vividas por um piloto aéreo da Segunda Guerra, Freddie (Tom Hiddleston), que é amado por Hester (Rachel Weisz), uma mulher casada com um juiz e que abandona o marido, William (Simon Russel Beale) por ele.




O filme coloca uma questão-chave: como uma tentativa de suicídio modifica uma relação amorosa, ao mesmo tempo intensa e complicada, e as relações que a cercam?  Tentar matar-se por amor é um gesto extremo.  Depois dele, nada será como antes.  Um elemento transformador do amor e de suas exigências.  Um mergulho no profundo mar azul do título original?




Independentemente do interesse pelo gênero cinematográfico ou pela temática abordada, é um filme que toca a sensibilidade e desperta o senso artístico.  Apreciar seus enquadramentos, seu clima, sua caracterização de época e os desempenhos, que exigiram muita sutileza dos atores, vale a ida ao cinema.



sexta-feira, 10 de maio de 2013

CORES


                                      
Antonio Carlos Egypto




CORES.  Brasil, 2012.  Direção: Francisco Garcia.  Com Acauã Sol, Pedro di Pietro, Simone Iliescu.  95 min.


“Cores” é um filme localizado em São Paulo, na atualidade.  Aborda a vida de três jovens amigos, todos na faixa dos 30 anos de idade, desencontrados consigo mesmos e com o ambiente social onde estariam inseridos.  Estariam, porque, na verdade, não estão, sentem-se estranhos no paraíso, em descompasso com sua cidade e seu país.

São Paulo é uma cidade brasileira onde tudo acontece, e de forma vertiginosa.  Difícil não encontrar aqui alguma oportunidade ou algo que interesse.  Há para todas as tribos, para todos os gostos, para qualquer ideia de trabalho.  É preciso ir atrás, cavar, ter contatos.  Mas que há espaço para quase tudo, há.  Seus contrastes são intensos, a vida do povo trabalhador é sofrida e desigual, em cada segmento da cidade.  Ainda assim, é possível encontrar um caminho produtivo, seja ele qual for. 




Se considerarmos que o país vive um período de desenvolvimento econômico e pleno emprego, como atesta uma fala do então Presidente Lula, veiculada numa cena de TV no filme, o contraste com os jovens urbanos perdidos na cena paulista e brasileira soa anacrônico.

Luca (Pedro di Pietro), aos 31 anos, é tatuador, tem uma oficina no quintal da casa da avó, com quem vive e de quem, afinal, depende financeiramente.  Cuida dela como e quando consegue. 




Luís (Acauã Sol), aos 29 anos, mora numa pensão no centro e trabalha períodos, numa drogaria.  Mas seu real interesse é a oportunidade para roubar drogas para si e arrumar alguma para outros.  Perde o emprego e sai com uma mão na frente e outra atrás, como seria de se esperar.  A crueldade do dono da farmácia é apenas um detalhe que não muda muita coisa nesse quadro.

Luara (Simone Iliescu), aos 30 anos, vive num apartamento no fundo do aeroporto de Congonhas e trabalha numa loja de peixes ornamentais, sem maiores perspectivas ou chance de realizar a viagem de que gostaria, a menos que aceite um convite suspeito de um cliente interessado em favores sexuais.




Todos vivem uma rotina ordinária e alienada, sem se ajudarem uns aos outros e em total falta de horizontes, bebendo e consumindo outras drogas, sem fazer nada ou planejar nada.  Sem buscar coisa alguma no mundo.

O filme “Cores” faz questão de não julgá-los moralmente.  Eles são e vivem assim.  Cabe ao espectador avaliar, quem sabe.  O contraste, em todo caso, é gritante.  O que cairá do céu para eles?  Só a chuva, para encharcá-los.  E eles parecem gostar disso.  São escolhas que cada um pode fazer.

“Cores” tem ainda um outro contraste.  Apesar do nome, é um filme em preto e branco, e com uma bela fotografia.



quinta-feira, 9 de maio de 2013

O QUE SE MOVE


                               
 Antonio Carlos Egypto




O QUE SE MOVE.  Brasil, 2012.  Direção: Caetano Gotardo.  Com Cida Moreira, Dagoberto Feliz, Wandré Gouveia, Marina Corazza, Andrea Marques, Rômulo Braga, Henrique Schefer, Adriana Mendonça.  97 min.


Alfred Hitchcock teria dito, certa vez, que uma notícia de jornal pode virar um bom filme.  É verdade, porque o que importa não é a notícia em si mesma, mas o tratamento cinematográfico que ela receberá.  A forma como ela será contada, por meio de imagens, falas, sons, tempos mortos, cores, impacto visual.




“O Que Se Move”, primeiro longa-metragem de Caetano Gotardo, partiu não de uma notícia de jornal, mas de três.  São situações diferentes, que envolvem núcleos familiares distintos e dizem respeito a perda, reencontro, revelação de familiar “desconhecido”.

Quem já não leu, viu ou ouviu notícias como a de um bebê esquecido num carro num estacionamento?  Ou da descoberta de um pedófilo virtual, por meio de uma investigação policial?  Ou, ainda, de um familiar desaparecido, que é encontrado após muitos anos?  Coisas como essas podem não ser usuais, mas vivem acontecendo e sendo noticiadas.  Por isso mesmo, é possível imaginar o que sucede em volta delas, no seu entorno, no sentimento dos personagens envolvidos, no mistério que fica no ar.  Foi isso que “O Que Se Move” fez: deu um tratamento ficcional aos acontecimentos jornalísticos, investigando o que pode estar por trás deles, o que se relaciona com eles, o que essas coisas podem significar para as pessoas.




Essa investigação se faz pela estética dos rostos, olhares, silêncios, pela ambientação das cenas.  Pelo que se diz fora do quadro, pelo que não se vê, não se diz, mas se intui.  Pelos tempos longos, pelos gestos suprimidos.  Ou seja, por uma forma de narrar que se vale dos recursos cinematográficos com paciência e criatividade.  Isso resulta num filme surpreendentemente muito bom para um jovem cineasta em seu primeiro longa.

Quem se dispuser a acompanhar o desenrolar das três histórias, sem ansiedade e sem pressa, poderá usufruir do clima e das sutilezas que a narrativa do filme nos traz.  Cada uma das histórias vai revelando, pouco a pouco, do que se trata, de quem se trata e, sobretudo, dos sentimentos experimentados ali pelos protagonistas de cada episódio.  Eles são separados por um canto que, de alguma forma, resume a situação apresentada.  Causa uma certa estranheza, mas funciona.




Ao mesmo tempo, é possível pensar no que as notícias representam, não só para aqueles personagens, mas para o mundo de hoje.  E podem-se imaginar outras reações ou consequências para os mesmos fatos.  Esse seria um exercício muito interessante, que poderia ampliar a compreensão das situações que acompanham o nosso cotidiano na vida urbana atual.  O filme se presta a isso, porque faz uma leitura possível dos acontecimentos, por meio de uma especulação psíquica sobre as pessoas presentes em cada situação.  E deixa em aberto inúmeras outras possibilidades.

O desempenho do elenco dá muito bem conta do experimento cinematográfico que é “O Que Se Move”.  A representação contida, meio misteriosa, que contrasta com a intensidade dos sentimentos em momentos cruciais, como um choro convulsivo, por exemplo, exige dos atores e atrizes muito domínio de suas atuações.  O resultado obtido pelo conjunto é bastante convincente.

“O Que Se Move” é um filme que aborda a contemporaneidade urbana brasileira de forma instigante, a partir do que parece muito pessoal e concreto, mas, na verdade, é coletivo e simbólico.