quarta-feira, 31 de agosto de 2011

SUBMARINO

Antonio Carlos Egypto

SUBMARINO (Submarino). Dinamarca, 2010. Direção: Thomas Vinterberg. Com Jakob Cedergren, Peter Plaugborg, Morten Rose, Patricia Schumann. 110 min.


Dois irmãos ainda na infância vivem não só completamente abandonados pela mãe, permanentemente alcoolizada, como acabam tendo de cuidar do irmãozinho menor, ainda bebê. Esta situação é, por si só, insustentável. Mas algumas circunstâncias adicionais podem acabar gerando um trauma de grandes proporções, capaz de alimentar uma culpa a ser carregada por toda a vida. Daquelas culpas que a racionalidade sabe que não existem, mas a emoção não consegue apagar.

A vida desses dois irmãos quando já adultos, mostrando suas tragédias pessoais, é o foco do filme “Submarino”, do dinamarquês Thomas Vinterberg, o diretor do elogiado “Festa de Família”, de 1998, filme que fez parte do movimento conhecido como Dogma 95. Aquele movimento pregava de forma radical um jeito simples e barato de fazer cinema, como alternativa aos padrões milionários de Hollywood e de parte do cinema europeu.

O movimento rendeu pouco, acabou dando em nada, mas pelo menos um grande filme restou daquela iniciativa: justamente, “Festa de Família”, de Vinterberg. Sua temática era a da sujeira familiar jogada para baixo do tapete, que explode com a revelação, em plena festa de 60 anos do patriarca, de situações de abuso sexual no seio familiar. Imperdível. Quem por acaso não assistiu, pode vê-lo em DVD.

Vinterberg também dirigiu “Querida Wendy”, em 2005, um filme que trata da banalização do uso de armas e da violência. O diretor fez poucos filmes, mas, como se pode notar, ataca temas densos e pesados, sem medo, e procurando contribuir para um cinema reflexivo, antenado com seu tempo.





“Submarino” não é diferente. Faz um retrato forte e sem retoques da dependência de álcool e outras drogas. A mãe é alcoolista, sem nenhum controle ou limite. O filho maior, Nick, segue seus passos na vida adulta, começando ainda na infância. O menor se torna dependente pesado de heroína, apesar de ter de cuidar de um filho pequeno, de 5 ou 6 anos de idade. E, ainda, experimenta o caminho do tráfico. Nick está imerso na violência, na infelicidade amorosa, na marginalidade. Cada qual vive seu trauma, sem saída. Distantes um do outro, mas podendo se encontrar ocasionalmente, na cadeia.

“Submarino” não dá tregua, não alivia. Nem traz esperança. Retrata uma realidade duríssima, que vem da infância e se arrebenta no álcool, na heroína, na violência. Cruel, mas verdadeiro. Poderia, quem sabe, vislumbrar uma luz no fim do túnel, apesar de tudo. Mas esse não seria o cinema de Thomas Vinterberg, visceral e sombrio por excelência.





sábado, 27 de agosto de 2011

Planeta dos Macacos: A Origem


Tatiana Babadobulos

Planeta dos Macacos (Rise of the Planet of the Apes). Estados Unidos, 2011. Direção: Rupert Wyatt Roteiro: Rick Jaffa, Amanda Silver. Com: James Franco, Andy Serkis, Freida Pinto. 105 minutos

Nada de gorila ou seja lá qual espécie de macaco seja escalando o Empire State, em plena luz de Nova York. Em “Planeta dos Macacos: A Origem” (“Rise of the Planet of the Apes”) eles se multiplicam e podem ser vistos nas ruas de São Francisco e atrapa­lhando o trânsito na Golden Gate, por exemplo, em uma das me­lhores cenas mostradas pelo longa-metragem.

A fita ocupou o primeiro lugar nas bi­lheterias norte-ame­ricanas, durante dois finais de semana. A trama tem a intenção de contar o que ocorreu antes dos fatos mostrados em “Planeta dos Macacos”, lançado em 1968, no qual humano chega à Terra já do­minada pelos símios.

Até chegarem à dominação total, a história desta estreia conta que o cientista Will Rodman (Ja­mes Franco, de “127 Horas”) busca desenvolver um vírus que regenera tecido cerebral humano danificado. Isso porque ele precisa encontrar a cura para o Mal de Alzheimer, doença que seu pai, Charles (John Lithgow), sofre.



Antes de começar a fazer experiência com seres humanos, Will a faz em macacos, suas cobaias. Porém, como eles se tornam agressivos de uma hora para ou­tra, o projeto é cancelado e ele se vê “obrigado” a adotar o filhote de macaco, batizado de César, que ficou sem a mãe. Para isso, vai contar com a ajuda da primatóloga Caroline (Freida Pinto, de “Quem Quer Ser Um Mi­lionário”).

A partir de então, o espectador vai acompanhar o crescimento desse chimpanzé e como ele se torna incrivelmente inteligente e capaz de se comunicar. A resposta do que o tempo e o isolamento são capazes de fazer virá depois de Will levar César ao santuário dos macacos onde ele será maltratado, principalmente pelo admi­nistrador do local, Landon (Brian Cox), e por seu filho, Dodge (Tom Felton, o Draco Malfoy de “Harry Potter”). E é lá que César vai desenvolver seu outro lado, ou seja, da dominação e da rebeldia, já que está perto dos seus.

E é sob o seu ponto de vista que seguirá o desenvolvimento do longa, já que, além de ser inteligente, o animal tem movimentos humanos. Para o filme, eles foram conseguidos a partir do ator Andy Serkis, que teve os seus movimentos capturados, tal como aconteceu em “Avatar”, de James Cameron, com a diferença de que há cenas filmadas em locações e não apenas dentro do estúdio, tal como aconteceu no filme recorde de bilheteria. A técnica também foi usada pelo próprio Serkis quando interpretou o Gollum, na trilogia “Senhor dos Anéis”, e como o gorila, em “King Kong”, na versão de 2005.

Além da cena que se passa na Golden Gate, outro destaque (e bastante poética) é a sequência na qual os chimpanzés estão pulando de galho em galho no meio da rua e as folhagens vão se me­xendo e mostrando o movimento do alto.

A fita traz macacos de aparência realista e emocionalmente profundos, com sentimentos semelhantes aos dos humanos, assim como as expressões faciais e os olhares. Tudo tão real, que não parece ser proveniente de efeitos especiais. A técnica, aliás, é um ponto alto da fita, pois as imagens convencem, ao contrário da versão original, na qual os personagens principais eram toscos aparentemente.

Dirigido pelo inglês Rupert Wyatt (“O Escapista”), “Planeta dos Macacos: A Origem” trata da soberba humana, que acredita que tudo pode e é melhor em tudo, e da relação familiar, sobre pais e filhos, principalmente porque o cientista se torna pai do chimpanzé. Um filme que merece ser visto e sua história, refletida. De repente, encontram-se res­postas para muitos de nossos atos impensados na ganância de que­rer fazer sempre o melhor.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

HUBBLE 3D

Antonio Carlos Egypto

HUBBLE 3D (Hubble 3D). Estados Unidos, 2010. Direção: Toni Myers. Documentário. 43 min.


O Hubble é o telescópio espacial que é capaz de produzir imagens de galáxias distantes, penetrar no interior de uma estrela, registrar como ela se forma e outras coisas dessa magnitude. Tê-lo no espaço é uma grande conquista para a ciência, que ganha muito em conhecimento sobre o universo.

Ocorre que telescópio espacial – e de grandes dimensões – também exige manutenção, ajustes, consertos, como qualquer máquina. Isso supõe uma missão espacial arriscadíssima, em que astronautas enfrentarão muitos perigos e que exigirá deles muito preparo, capacidade de lidar com o equipamento com extremo cuidado e precisão, para obter êxito, sobreviver e retornar à Terra.

Essa missão é a que é mostrada no documentário, com imagens geradas do espaço pelos próprios astronautas, que também se filmam na nave se alimentando, fazendo gracinhas, saindo para o espaço, e no trabalho fazendo as conexões necessárias para manter o Hubble em forma. E a grande atração do filme são imagens colhidas pelo telescópio. Bonitas, impactantes.

Isso numa tela Imax e com tecnologia 3D tem sua força e seu encanto, inegavelmente. O que não significa que tenhamos diante de nós um grande filme. Muito ao contrário. É um documentário bastante convencional e bem curto. Apresentado dublado em português fica com cara de programa de TV. Seus 43 minutos comportariam até os necessários anúncios a serem enxertados na duração padrão de 60 minutos de um documentário televisivo. E é exatamente o que ele parece ser, apesar do aparato tecnológico que o cerca e da sua pretensão de abarcar o universo. Paradoxal, não é mesmo?

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

UM SONHO DE AMOR

Antonio Carlos Egypto

UM SONHO DE AMOR (Io sono l’amore). Itália, 2009.  Direção: Luca Guadagnino.  Com Tilda Swinton, Flavio Parenti, Edoardo Gabbrielini, Pilpo Delbono.  120 min.


“Um Sonho de Amor” é um trabalho cinematográfico que merece atenção.  Um filme que sabe como apresentar relacionamentos delicados, ambíguos e também intensos, com cuidado, no tempo certo, com belas imagens e locações magníficas.  Com um elenco que soube valorizar a sutileza e o sofrimento de cada personagem.

A construção da situação dramática vai compondo um painel que revelará, pouco a pouco, como se dão as relações entre as pessos que compõem uma poderosa família de Milão, dona de uma tradicional fábrica de tecidos.  As amizades que surgem, os desejos que se mostram, as relações amorosas que aparecem, os planos matrimoniais que se estabelecem e como tudo isso estará vinculado o tempo todo à gastronomia é um dos eixos centrais do filme.  Que também está atento ao mundo globalizado, aquele que transforma produção em jogo financeiro e multiplica artificialmente riquezas.

A trama não se dá a conhecer de forma imediata.  O que se insinua não se realiza e o que não se espera irrompe, surpreendendo.  O filme explora bem o subentendido.  Assistir à película sem saber a sua história pode ser a melhor maneira de apreciá-la.

Desvendar o que se insinua, tentar entender o que pode estar acontecendo, os caminhos sinuosos do desejo, intuir as possibilidades que se abrem: este é um jogo fascinante, em que o espectador pode entrar, se evitar ler as sinopses divulgadas sobre o filme.  Elas contam o que não pode ser contado a priori, esvaziando o que o filme tem de melhor.  Felizmente, não as li antes de assisti-lo, elas teriam estragado o meu prazer.


Vale a pena observar o trabalho da direção de arte, na construção do ambiente elegante, requintado e cheio de detalhes que compõe a vida da família milanesa.  Remete à influência de Visconti, o mestre do cinema italiano, insuperável nesse quesito.

A atriz inglesa Tilda Swinton, no papel de Emma, ganha destaque, representando o ramo russo dessa família italiana.  A atriz está também entre os produtores do filme e tem tido várias parcerias de trabalho com o diretor Luca Guadagnino, nos últimos sete anos.

“Um Sonho de Amor” foi indicado ao Oscar de figurino, que é realmente notável, e indicado a melhor filme estrangeiro, no Globo de Ouro e no Bafta britânico.  Também foi exibido nos festivais de Toronto e Veneza.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Onde Está a Felicidade?


Tatiana Babadobulos

Onde Está a Felicidade? Brasil e Espanha, 2011. Direção: Carlos Alberto Riccelli Roteiro: Bruna Lombardi Com: Bruna Lombardi, Marcello Airoldi, Bruno Garcia, Maria Pujalte, Marta Larralde. 110 minutos


Se eu realmente quisesse encontrar a felicidade assistindo ao novo filme dirigido por Carlos Alberto Riccelli e escrito por sua esposa (e também protagonista), Bruna Lombardi, teria me lascado. Isso porque a resposta que encontrei vendo "Onde Está a Felicidade?", caro leitor, é em lugar nenhum.

Na trama, Bruna, belíssima como sempre, é Teodora, apresentadora de programa de culinária na televisão (à la Ana Maria Braga, com direito à mensagem de conforto) especializado em receitas afrodisíacas. Porém, depois de um problema em seu casamento com o comentarista de futebol (também na TV, mas em outro canal), vivido por Bruno Garcia, ela resolve, ao lado do diretor (Marcello Airoldi) e a sobrinha da maquiadora (Maria Pujalte), a espanhola Milena (Marta Larralde), sair de São Paulo, onde vive, e voar até a Espanha, a fim de percorrer o caminho dos peregrinos em Santiago de Compostela.

No meio de toda a confusão e desilusão amorosa (e no estilo das persoangens criadas pelo diretor espanhol Pedro Almodóvar -- embora com muita parcimônia nesta comparação, principalmente pelas cores utilizadas), a protagonista vai viver momentos engraçados, outros nem tanto, na busca contínua por essa tal felicidade. Airoldi, aliás, participa da maior parte das cenas engraçadas, principalmente quando resolve falar espanhol, ou melhor, um portunhol bastante tosco.



O marido, que trabalha em um programa de mesa redonda, aproveita para, ao lado dos colegas, discutir o relacionamento, e o filme também faz uma sátira ao formato desses programas.

O longa-metragem, cuja produção é uma parceria entre Brasil e Espanha, venceu o Festival de Paulínia e foi bastante aplaudido pelo público, fato que pode mostrar algum interesse por parte da plateia a este filme, o terceiro de Riccelli e a sua primeira comédia.

O desfecho, que se passa no Piauí, é desnecessário e poderia ser um ótimo motivo para encurtar o longa em 10 minutos.

Algumas piadas são bem pertinentes, outras de mau gosto, principalmente quando envolvem as genitálias masculinas. Outro aspecto que marca o cinema brasileiro é a inclusão de muito palavrão e que, muitas vezes, é desnecessário. Não estou aqui defendendo o puritanismo, mas há ocasiões em que a elegância poderia permanecer e valorizar o bom texto.

"Onde Está a Felicidade?" não oferece respostas e a única pergunta que pode surgir ao espectador é: a que horas vai terminar a sessão?

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A ALEGRIA

Antonio Carlos Egypto

A ALEGRIA. Brasil, 2010. Direção: Felipe Bragança e Marina Meliande. Roteiro de Felipe Bragança. Com Tainá Medina, Júnior Moura, César Cardadeiro, Flora Dias, Rikle Miranda, Mariana Lima, Márcio Vito, Maria Gladys. 100 min.


“A Alegria” tem como protagonista a adolescente carioca Luísa (Tainá Medina), de 16 anos, às voltas com o que fazer, no que acreditar, em meio ao caos urbano e a mata.

Seu primo misterioso, vivido por Júnior Moura, escapou de um massacre e levou um tiro no pé. Desde então vive escondido no apartamento onde Luísa mora com a mãe, que está ausente por uma temporada.

Luísa se relaciona com um grupo de adolescentes, vividos por Flora Dias, Rikle Miranda e César Cardadeiro, que estão nas mesmas circunstâncias erráticas e tentam encontrar sua própria política: se opor (a quê, mesmo?). No fim das contas, a política que resta é a da alegria, na falta de outra, e considerando o momento de vida dos jovens.

Luísa é a líder do grupo: a mais ativa e angustiada deles. Seus movimentos surpreendem os outros três adolescentes, que parecem sempre estar a reboque. E ela parece não se encontrar ou não saber bem para onde ir. Mas ela é proativa e busca algo.

A narrativa envereda pela alegoria, com fantasias, máscaras e espíritos do mar, por exemplo, deixando de lado o realismo e indo em busca da linguagem poética. E se valendo da própria poesia – escrita ou falada – ao longo do filme, para pontuar a narrativa.

A intenção é muito boa, o resultado deixa um pouco a desejar. Fica tudo um tanto incompreensível, embora curioso. Para isso contribui o fato de que muitas falas se perdem, devido a problemas com o som. Falas em off ou sob máscaras, em muitos momentos, não se entendem. E como tudo é um tanto simbólico ou alegórico, fica mais complicado.

A busca de um cinema poético, alegórico, em meio a tantas obviedades que têm assolado o cinema brasileiro atual, é muito interessante e desejável. É uma alternativa que pode vir a render muitos frutos e contribuir para diversificar a oferta do produto cinematográfico nacional. E tem público para isso, também. Mas será preciso superar algumas deficiências e dispensar o hermetismo. Não é preciso abusar do enigmático. Um pouco mais de simplicidade e clareza pode contribuir muito em projetos desse tipo.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

TUDO FICARÁ BEM

Antonio Carlos Egypto

TUDO FICARÁ BEM (Everything will be fine). Dinamarca, 2010. Direção e roteiro: Christopher Boe. Com Jens Albinus, Marijana Jankovic, Igor Radosavljevic, Sören Malling. 90 min.

O protagonista do suspense dinamarquês “Tudo Ficará Bem” é o roteirista Jacob Falk (Jens Albinus), que tem um prazo para entregar sua história para um filme prestes a ser rodado. Vive atrasado e sendo cobrado pelo produtor. Enquanto isso, providencia os papéis para a adoção de um filho, algo acalentado por ele e pela mulher há algum tempo. Cabe a ele garantir a autenticidade da documentação, para que não haja atraso, já que a criança foi escolhida e está à espera.

O problema é que um acidente o coloca com uma questão explosiva na mão: a descoberta de fotos comprometedoras que, supostamente, revelariam tortura envolvendo soldados dinamarqueses na guerra.

O filme envereda pelas três linhas: o trabalho, a adoção e as fotos, armando uma trama confusa, de tal modo que o espectador nunca sabe direito o que está acontecendo, o que será real ou imaginário, o que é suposição e o que é fato. Tudo está por ser investigado e compreendido.

O diretor se utiliza de uma luz estourada com frequência, quando reflexos externos, sol, luminárias, faróis de carro e outras fontes de luz branca, entram em cena. O espectador é que parece estar sendo investigado, com uma luz forte a lhe atrapalhar a visão. Isso combina bem com a intenção do filme de deixar tudo nebuloso até o fim.

Ao contrário de Hitchcock, que fazia da plateia de cinema sua cúmplice enquanto os personagens se debatiam dentro da história, aqui é a plateia que estará sempre à deriva. O resultado não é dos melhores, o filme incomoda e cansa, nessa tentativa de não ser apreendido e segurar o suspense durante uma hora e meia.

É uma produção bem cuidada, com sequências atraentes, soluções visuais interessantes, como as miniaturas que reproduzem ambientes, e um bom elenco. Mas, com o caminho adotado pelo diretor, tudo isso acaba se perdendo nessa narrativa propositadamente confusa, que exclui o espectador, distanciando-o do filme. Teria sido mais interessante procurar seguir o estilo Hitchcock. Ou será que o cineasta quis tentar uma experiência do tipo: fazer tudo ao contrário, para ver se dá certo?

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Super 8


Tatiana Babadobulos

Super 8. Estados Unidos, 2011. Direção e roteiro: J.J. Abrams. Com: Elle Fanning, Amanda Michalka e Kyle Chandler. 112 minutos.



É  praticamente automático falar de filme sobre ETs e associá-los à Steven Spielberg. Nos anos 1980, ele mostrou ao mundo a história de “ET – O Extraterrestre” e, de lá pra cá, produziu muitas outras tramas sobre o mesmo assunto, como “MIB – Homens de Preto”, “Guerra dos Mundos” e outros. Desta vez, ele produz “Super 8”.

O longa-metragem, dirigido e escrito por J.J. Abrams (diretor de “Star Trek”, roteirista de “Armageddon” e produtor de “Cloverfield – Monstro”, além do seriado “Lost” – e muitos outros), conta a história sobre um grupo de amigos da pequena Lillian, localizada em Ohio, nos Estados Unidos, que resolve fazer um filme de zumbis com uma câmera Super 8, logo depois do acidente ocorrido na siderúrgica da cida­de, que deixou muitos mortos e pessoas perturbadas por terem perdido entes queridos.

Na primeira cena em que os garotos filmam, presenciam uma terrível batida de trem, pontapé inicial para desencadear desaparecimentos estranhos e eventos inexpli­cáveis. E é justamente para contar sobre esses acontecimentos que a fita se desenrola – e não apenas por conta do curta-metragem dos alunos da escola.

Quem escreve e dirige o tal filme de zumbis é Charles (o estreante Riley Griffiths), uma espécie de alter ego de J.J. Abrams, já que, quando tinha apenas oito anos de idade, começou a brincar com uma Super 8 e fazer filmes caseiros sobre persegui­ções, batalhas e monstros. E, naquela época, o renomado diretor participou de um festival de Super 8, exatamente como acontece no filme. A história que ele conta na tela, portanto, não é totalmente invenção.

Ao lado de Charles está o maquiador Joe Lamb (Joel Courtney, também em sua estreia no cinema), filho do policial Jackson Lamb (Kyle Chandler), que vai tentar desvendar o mistério que ronda a cidade.



Para escolher quem faria o papel da mocinha, os garotos uniram, digamos, “a fome com a vontade de comer”. Convidaram a garota mais bonita da escola, Alice (Elle Fanning, de “Um Lugar  Qualquer”), como um modo de se aproximar dela, mas também porque ela era corajosa, a ponto de roubar o carro do pai (Ron Eldard), já que sua mãe se mandou e ele vive bebendo.

Além de ser um filme dentro de um filme, ou seja, uma perfeita metalinguagem, a ação toda se desenrola principalmente por conta do mistério para descobrir o que está por trás do acidente do trem (cuja cena é espetacular). A fita mostra que o garoto, após perder a mãe em um trágico acidente, não pode contar com o pai, que é policial e vive fora de casa. Portanto, acaba se enfiando na casa do amigo, já que sua família o apoia e entende a perda.

J.J. Abrams prova que realmente inventou a máquina de voltar no tempo. Desta vez, o espectador viaja diretamente para os anos 1980 (não apenas no que diz respeito às locações e ao figurino, mas também na forma) e pode ser capaz de deixar o iPod de lado e procurar o velho walkman guardado no fundo do armário só porque na tela isso parece cult. É verdade que, no meio desse déjà vu, é visível a mão de Spielberg, como a cena do trem (para citar a mais espetacular de todas).

Mesmo em meio à destrui­ção, bandidagem e corporativismo por parte da polícia do exército, há o lado poético, como a fase da adolescência na qual os garotos estão passando, com todas as transformações desta época, o pri­meiro amor etc.

“Super 8” é um filme para ser levado a sério por conta da sua produção, mas que contém muitas cenas para pura diversão.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A ÁRVORE DA VIDA

Antonio Carlos Egypto


A ÁRVORE DA VIDA (The tree of life). Estados Unidos, 2011. Direção: Terrence Malick. Com Brad Pitt, Sean Penn, Jessica Chastain, Joanna Going. 138 min.



Cinema é, essencialmente, imagem. Partindo dessa ideia, “A Árvore da Vida” é um filmão, que merece ser visto com toda a atenção. Os enquadramentos de imagem são perfeitos, os espaços, bem trabalhados, os ângulos de filmagem, muitas vezes inovadores, há uma profusão de formas e cores.

Formas abstratas de cores intensas e contrastantes em movimento se alternam com modos pouco convencionais de mostrar a água do mar, das cachoeiras, da chuva. Movimentos dourados sugerem explosões solares. A natureza se transforma, até dinossauros aparecem e, numa cena, uma personagem levita.

Não é um mero exercício formal. Terrence Malick pretende tratar da origem do universo, da terra, da vida, e suas transformações até o momento presente. É do Cosmos e de Deus que se trata. Esse é o contexto maior.

Há o contexto doméstico, o de uma família norte-americana bastante comum, seus relacionamentos, o modo como vive e os conflitos que se estabelecem. Em especial, o conflito entre o pai (Brad Pitt) e um de seus filhos, aquele que no presente é vivido por Sean Penn, que rememora sua infância, sua mãe e irmãos e os problemas com o pai.

Não há nada de tão especial nesse pai exigente, rigoroso e inflexível, que gera um ódio ressentido, principalmente no filho maior. Ele tem uma relação fortemente afetiva com os filhos, o que inclui acolhimento e agressividade. Pelo poder paterno, ele oprime. A mãe (Jessica Chastain) é, como se poderia esperar, muito mais acolhedora e procura compensar os exageros do pai. Mas uma morte veio desestabilizar a vida e os sentimentos deles.

Isso tudo também é muito bem mostrado em cenas rápidas, que vão revelando, pouco a pouco, o clima em que se vive. A história da família O’Brien, no entanto, não se distingue muito da história de muitas outras famílias de classe média, em pequenas cidades dos Estados Unidos, algumas décadas atrás. Ou, mesmo, no momento presente. E mesmo que não fossem norte-americanas.

O que tem a ver isso com as pretensões cósmicas que contextualizam a história dessa família? Fica a pergunta. A relação que aparece no filme é a dos personagens com Deus, quando, como qualquer mortal, eles buscam entender os desígnios divinos. Ou desejam que Deus interfira no sofrimento que estão vivendo naquele momento. Ou, ainda, quando se apartam de Deus. Aí entram também o amor e o perdão. Busca-se, como sempre, o sentido da vida, sua dimensão cósmica. É claro que isso implica reflexão sobre valores religiosos, misticismo e coisas relacionadas. Para alguns, isso pode representar uma viagem ao interior da alma, enquanto, para outros, não passará de um belo produto artístico a serviço de uma causa ou de uma preocupação que não lhes interessa especialmente.

Quanto mais ampla é a conexão que se estabelece entre o cotidiano e o cosmos, menos ela dá conta dos elementos históricos, socioculturais, econômicos e políticos, que estão inevitavelmente integrados à existência de todos. Falta a contextualização concreta, que é onde todo mundo está. Entre Deus, o Big Bang e o cotidiano familiar de uma pequena cidade norte-americana, há muitas instâncias e mediações para que se possam integrar essas coisas.




E não vale a pena cair na discussão de se saber se Deus existe ou não, ou questionar as opções religiosas ou a falta delas, em cada pessoa. Melhor é usufruir da beleza plástica que o filme tem e cada um interpretará essas conexões como melhor lhe aprouver.

“A Árvore da Vida” venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 2011.



quarta-feira, 10 de agosto de 2011

MELANCOLIA

Antonio Carlos Egypto

MELANCOLIA (Melancholia). Dinamarca, 2011. Direção: Lars Von Trier. Com Kristen Dunst, Charlotte Gainsbourg, Alexander Skarsgard, Kiefer Sutherland, Charlotte Rampling, John Hurt. 136 min.


Melancolia é tristeza, um estado de espírito que diz respeito à condição humana ou às vicissitudes da vida às quais estamos sempre sujeitos. Também pode ser encarada como uma doença, no caso, a depressão, mal recorrente dos nossos tempos. Tempos medicalizados que elencam patologias e cada vez mais buscam respostas farmacológicas, soluções químicas para um mundo que tem pressa, muito pressa.

O filme de Lars Von Trier se denomina melancolia, não depressão, e nos remete mais ao estado de espírito do que à doença. Estado de espírito incapaz de usufruir de momentos de prazer, de contatos afetivos genuínos, ainda que possam estar pautados por expectativas sociais. Incapaz de usufruir daqueles momentos fugazes e fugidios, em que a felicidade parece existir. Insatisfação, estranhamento, incômodo de viver, destrutividade e autodestrutividade. Isso tudo é o que se pode ver, com todas as letras, no comportamento de Justine (Kristen Dunst) em seu suntuoso e atormentado casamento.

Para o cineasta, Melancolia é também o nome de um planeta, que corre o risco de se chocar com a Terra e pôr fim à nossa existência. Uma ameaça a todos, o que torna a questão da melancolia não só um estado de espírito individual, que pode refletir seu tempo, mas um determinante coletivo.


A irmã de Justine, Claire (Charlotte Gainsbourg) não suporta viver com a angústia da possibilidade dessa finitude total e exala uma ansiedade que não envolve nem comove Justine. Enquanto Claire pensa no que fazer se o momento fatal viver a ocorrer, Justine fica indiferente, como se aquilo simplesmente fosse a ordem natural das coisas.

Quem procura ter controle racional sobre as coisas, tenta o caminho da objetividade científica, que pode desembocar no suicídio, ou seja, na tentativa desesperada de continuar no controle.

Em duas partes distintas e complementares, Lars Von Trier constrói um filme de grande beleza plástica, em que dramaticidade e alheamento se alternam, para tratar, de forma pessimista, de dimensões pessoais e planetárias que estão à deriva. Se vale da intensidade e da força da música de Wagner para acentuar certos momentos dramáticos. Mas a dimensão de possíveis tragédias não aparece de forma intensa na atuação dos personagens. Bem ao contrário, as emoções são contidas, as demonstrações de raiva, escárnio, ansiedade, medo e desespero, parecem encontrar uma espécie de barreira (social? cósmica?) que as impede de se exprimir mais amplamente. Tudo está claro, mas nada se mostra como tal.

O prólogo do filme reúne algumas das mais belas imagens e enquadramentos espetaculares, antecipando o que virá. Mas, ao contrário de “Anticristo”, que começou esplendoroso, mas se perdeu na grosseria do terror repulsivo, aqui ele mantém o pulso e o bom gosto até o fim. E se sai muito melhor no suspense, que se mantém ao longo de toda a fita.

Uma espectadora da sessão em que assisti a “Melancolia” comentava no elevador com uma amiga: “Eu queria ir embora há muito tempo, mas acabei ficando porque queria saber como ia acabar”. Ou seja, mesmo não gostando do filme, ele a prendeu. Mostra que o suspense realmente funcionou.

O que não funcionou e está prejudicando a carreira mundial de “Melancolia” foram os comentários idiotas que o diretor fez a respeito de entender Hitler e o nazismo, em pleno Festival de Cannes, que sempre serviu para promover seus trabalhos. De tanto querer fazer da polêmica o seu marketing, acabou colhendo o resultado oposto ao que pretendia. E o filme não tem nada a ver com tais declarações.



segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Quero Matar Meu Chefe


Tatiana Babadobulos


Quero Matar Meu Chefe (Horrible Bosses). Estados Unidos, 2011.Direção: Seth Gordon. Roteiro: Michael Markowitz. Com: Kevin Spacey, Jennifer Aniston, Jason Bateman, Jason Sudeikis, Colin Farrell, Charlie Day. 98 minutos.


Três rapazes, três chefes e três problemas. O que poderia acontecer com esses perso­nagens em um longa-metragem cujo título é “Quero Matar Meu Chefe” (“Horrible Bosses”)? Já é possível descobrir nos cinemas.

No início, o espectador co­meça a acompanhar a história de cada um: é quando são feitas as apresentações e os respectivos problemas que cada um enfrenta no ambiente de traba­lho com o seu chefe direto. Nick Hendricks (Jason Bateman, de “Amor sem Escalas”) trabalha muito e vive engolindo sapos do seu supervisor, Dave Harken (Kevin Spacey), que lhe prometeu uma promoção. Já o assistente de dentista Dale Arbus (Charlie Day, de “Amor à Distância”), só quer ser respeitado por sua chefe, a dentista Julia Harris (Jennifer Aniston), que dá em cima dele e o intimida com trajes sumários, mas ele é um rapaz sério e tudo o que quer é ser fiel e se casar com a noiva. Por fim, o contador Kurt Buckman (Jason Sudeikis, de “Passe Livre”), que adora o seu chefe, mas ele sai de cena. Em seu lugar, está o filho dele, Bobby Pellit (Colin Farrell), que quer acabar com a saúde da população da cidade, pois só pensa em passar os seus dias em uma praia com uma modelo ao lado.



Então, quando os três se encontram para tomar cerveja e jogar conversa fora, decidem que desse jeito não dá para continuar com os seus chefes, que são um psicopata, uma tarada e um completo idiota e simplesmente não podem seguir o exem­plo de um ex-colega da faculdade e não trabalhar. Eis que começam a elaborar o plano para mandar os seus res­pectivos chefes “desta para me­lhor”. Para isso, vão também contar com a ajuda de um consultor, “MF” Jones (Jamie Foxx), um ex-presidiário de apelido suspeito.

São três tipos distintos. O sádico chefe vivido por Kevin Spacey usa e abusa de sua autoridade. Já a tarada dentista está muito bem representada por Jennifer Aniston, que há muito faz comédias românticas, mas não poderia ser imaginada como uma mulher oferecida como a que interpreta, além de ser acusada por assédio sexual. Colin Farrell, por sua vez, está irreconhecível no papel do imbecil que manda, por exemplo, demitir dois funcionários, só porque um é deficiente físico e o outro está acima do peso.

O longa-metragem, dirigido por Seth Gordon (“Surpresas do Amor”), tem a graça da mesma safra de comédias como “Se Beber Não Case”, “Passe Livre”, que nada têm de pas­telão, embora em alguns momentos seja politicamente incorreta. E diverte pegando o espectador pela inteligência, pelo bom humor apurado. Afinal de contas, muitas pessoas podem se reconhecer naquela situação e não sabem o que fazer para mudar. Os diálogos provam a sofisticação da comédia, já que em diversos momentos citam obras cinematográficas, como “Pacto Sinistro”, de Alfred Hitchcock, o personagem de Danny De Vito, em “Jogue a Mamãe do Trem”, “Gênio Indomável”, sem contar com o seriado “Law & Order”, de onde tiram todo o conhecimento de leis e direito que possuem, além do desenho animado Scooby Doo.

Uma coisa é certa: não há nenhuma mensagem no longa, do tipo faça isso ou aquilo. Como lembra um dos atores, no material divulgado para a imprensa, trata-se apenas de “uma comédia divertida, simples e escapista sobre três rapazes que decidem matar seus chefes e que, desde o começo, não têm a menor ideia do que estão fazendo”.

Durante toda a projeção, o espectador vai torcendo para cada personagem e para que o plano, mesmo que de forma atrapalhada, dê certo. “Quero Matar Meu Chefe” é uma co­média engraçada, que vai mostrando situações cotidia­nas que muitos podem se identificar, mas nada têm a fazer. Então, o jeito é mesmo compartilhar com os amigos os problemas e rir das enrascadas dos outros.

Ao final, não saia da sala sem assistir aos erros de gra­vação antes dos créditos.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

MAMUTE

Antonio Carlos Egypto

MAMUTE (Mammuth). França, 2010. Direção e roteiro: Gustav de Kervern e Benoit Delépine. Com Gérard Depardieu, Yolande Moreau, Isabelle Adjani e Anna Mouglalis. 92 min.

Gérard Depardieu volta ao cinema com força total. Ainda estão em exibição, nos cinemas brasileiros, “Minhas tardes com Margueritte” e “Potiche – esposa troféu”, filmes em que ele atua e cujas críticas podem ser encontradas aqui, no cinema com recheio. E agora entra em cartaz “Mamute”, em que Gérard faz o personagem Serge. Segundo os diretores do filme, tal personagem foi escrito especialmente para ele, um ator perfeito para um protagonista “ao mesmo tempo forte e delicado, expressivo e cativante”.

Serge aparece nas primeiras cenas do filme trabalhando como açougueiro e se aposentando numa festinha chocha junto aos colegas. Em seguida, fica-se sabendo que, para ter direito à aposentadoria integral, o que supostamente (na França) o deixaria tranquilo, ele precisa conseguir documentos de, pelo menos, dez outros empregos anteriores. Sua mulher o estimula a ir atrás disso e ele o fará, montado em sua antiga moto, dos anos 1970.

Essa situação dá margem a uma espécie de road movie, em que o personagem reencontra elementos significativos do seu passado, retoma contatos de trabalho antigos e vai se redescobrindo. Descrito assim como faço aqui, o início parece convencional, o filme lembra muitos outros e soa até pouco atraente. Mas não é assim.

Se há uma virtude que “Mamute” tem é a de nos surpreender a cada passo. Quase tudo que acontece quebra as expectativas usuais. Cada sequência inova em algo, no comportamento esquisito de alguém, numa ofensa desmedida para o contexto em que ela se dá, na caracterização dos ambientes em que objetos são percebidos como deslocados, excessivos, infantis. Ou num grande afeto, que se revela ser uma outra coisa.

De coisas e situações bizarras a fita está repleta. Aparentemente, nada está no lugar, se justifica racionalmente ou faz parte de forma integrada daquele universo. Mas também não estamos no terreno do fantástico ou do absuro. Tudo parece natural e, por que não, plausível. Só que não é o que se espera.

Quem já está cansado de ver tramas previsíveis, a ponto de ser capaz de antecipar os próximos acontecimentos, certamente vai adorar “Mamute”. As cenas são inovadoras e criativas, na ordem e no sentido em que são apresentadas. Vistas isoladamente, talvez não chegassem a surpreender, mas no conjunto formam um todo bastante original.

O fato de não ser uma história tratada de forma linear facilita essa criatividade. Há um fio condutor: o das viagens do protagonista, em busca dos papéis de sua aposentadoria. E por se tratar de uma figura ao mesmo tempo infantilizada e abrutalhada, dá para imaginar os empregos alternativos pelos quais Serge passou. Dá margem a todo tipo de inusitado. Mas o filme vai além, produzindo estranhamento onde não se espera, inclusive em relacionamentos pessoais bizarros, que ficaram no passado, em supostas pessoas com deficiência, em fantasmas amorosos acidentados e em lugares improváveis, apesar de teoricamente possíveis. Só vendo, mesmo, para poder curtir. Ou rejeitar de vez, isso depende do gosto e das expectativas de cada um.

Se você não quiser se irritar ou se decepcionar, simplesmente deixe as expectativas de lado e se deixe levar por essa brincadeira cinematográfica surpreendente e divertida, com direito a mais um grande desempenho de Gérard Depardieu, um pequeno papel de Isabelle Adjani e todo um elenco que o transportará para um ambiente todo especial. Especial como? Não sei bem dizer, só sei que eu saí do cinema animado e aberto para o novo. O filme foi indicado ao Urso de Ouro no 60º Festival de Cinema de Berlim.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

NÃO SE PREOCUPE, NADA VAI DAR CERTO

Antonio Carlos Egypto

NÃO SE PREOCUPE, NADA VAI DAR CERTO. Brasil, 2010. Direção: Hugo Carvana. Com Tarcísio Meira, Gregório Duvivier, Hugo Carvana, Ângela Vieira, Flávia Alessandra, Herson Capri, Antonio Pedro, Mariana Rios. 99 min.

“Não se preocupe, nada vai dar certo” é o novo trabalho de Hugo Carvana, ator de 90 filmes do cinema brasileiro, em sua oitava atuação como diretor. Aqui, ele faz uma comédia policial, como sempre leve e alegre, em que o que está em pauta é, em primeiro plano, o trabalho do ator.

O ator é, por excelência, aquele que pode viver muitas vidas, desempenhando os mais diversos e variados papéis. Ele pode ser um guru indiano, realizando workshops no Brasil, um frade que borrifa a água da juventude nas pessoas, em troca de donativos, um diplomata de um país distante, um advogado, um delegado, e convencer, desde que atue bem. Para ele, a rigor, tudo é possível. A realidade comporta inúmeras construções, criações e mudanças, contanto que as pessoas acreditem nelas. O filme é a elegia da importância do trabalho do ator.

Do mesmo modo como enaltece esse trabalho, é triste e nostálgico, ao abordar a hora da aposentadoria. O velho ator não lamenta tanto a falta de dinheiro quanto a falta do palco e, com ele, o prestígio e a alegria de viver. O próprio Carvana, como o ator aposentado Zinha, encarna esse papel com toda a clareza e a dimensão que ele tem, enquanto faz um contraponto por ocasião do seu retorno do refúgio dos atores à cena, irradiando a alegria da volta. E reservando para o plano final do filme essa alegria e o agradecimento pelo aplauso recebido.
A trama da fita se estabelece a partir da relação de dois atores: o pai, um veterano trambiqueiro, sempre aprontando e fazendo bobagens, e seu filho mais careta, que tenta se livrar da influência paterna, sem sucesso, e vive de espetáculos mambembes de humor stand up Brasil afora. O veterano ator que dá o tom da narrativa é Ramon Velasco, papel vivido por Tarcísio Meira, voltando ao cinema após vinte anos. O filho é o jovem ator Lalau Velasco, vivido por Gregório Duvivier. Essa dupla funciona muito bem no filme. Ambos, na verdade, representam atores mambembes sem sucesso ou glamour e muito parecidos, apesar das diferenças. O filme está interessado em mostrar os atores que circulam por aí, em busca de representar, convencer e receber aplausos. E sobreviver como puderem. Daí o expediente da velha malandragem, da picaretagem, associado às suas atividades.

Quem vive convincentemente outra vida, com a indumentária adequada, ilude a ponto de sofrer as consequências desse êxito. E Carvana, desta vez, constrói um enredo policial para tratar dessas consequências e fazer rir. Aproveita para dar uma bicada nas malandragens da política. Há uma tramoia na licitação de uma usina, apresentada como solução para o problema energético de uma região do Ceará. Envolvidos com isso estão um empresário e sua mulher, que prepara uma candidatura ao Senado. Herson Capri e Ângela Vieira vivem o casal. Também há uma jornalista, para quem a ética não conta muito: a que contrata o guru indiano de araque. É o papel de Flávia Alessandra.

Numa trama policial, o delegado tem papel importante. É Antonio Pedro o que encarna as investigações do caso. E a belíssima Mariana Rios, envolvida por uma praia paradisíaca, faz a namorada de Lalau.

A história é boa e flui bem, em busca de um cinema popular, de cujo estilo marcante Hugo Carvana já nos deu bons exemplos, nos anos 1970, com filmes como “Vai trabalhar, vagabundo” e “Se segura, malandro”, e especialmente em “Bar Esperança”, de 1982, que dialoga com a produção atual, retomando a temática da arte produzindo a vida.

Aqui, há um certo abuso de situações clichê, apresentadas como farsa. Até aí, tudo bem. Já a repetição do bordão que dá título ao filme se desgasta e perde a graça. A insistência com o termo cagada, para se referir a tudo que não dá certo ou que se supõe que não dará certo, é excessiva e acaba se tornando meramente vulgar, não engraçada. Mesmo na boca de Tarcísio Meira, que conhecemos como um ator elegante, que destoa do ator decadente e picareta que ele encarna muito bem no filme, a graça se dissipa logo. Um pouco mais de sutileza só faria bem ao filme.

Por se tratar de uma busca de cinema popular, não é preciso apelar para palavrões, linguagem vulgar ou excessos para conquistar o público. Mas se o filme derrapa um pouco por esse lado, tem méritos que compensam isso. A contribuição de Hugo Carvana ao cinema brasileiro é inegável e a produção atual amplia o legado já construído pelo ator e diretor.

Ressalte-se também a trilha sonora, composta por Edu Lobo, de um bom gosto digno do grande talento do compositor. A música tema “Corda Bamba” tem letra de Paulo César Pinheiro, outro grande compositor da MPB. Aliás, Carvana costuma colocar belas trilhas musicais nos seus filmes. Chico Buarque já compôs grandes músicas para os filmes dele, como agora faz Edu Lobo.