segunda-feira, 27 de junho de 2011

ROMA DE FELLINI

Antonio Carlos Egypto


ROMA DE FELLINI (Roma). Itália, 1972. Direção: Federico Fellini. Com Peter Gonzales, Fiona Florence, Marne Maitland, Britta Barnes, Renato Giovannoli. 128 min.




Quem gosta de cinema não pode deixar de ver e rever, de tempos em tempos, a obra de Federico Fellini, ainda que em DVD ou nas raras oportunidades em que a TV paga exibe alguma coisa dele. Afinal, é um dos cineastas mais criativos e inventivos de toda a história do cinema.

Revi agora, depois de muitos e muitos anos, seu filme “Roma”, uma viagem pelo que a cidade tem de marcante nas memórias do diretor, de infância, adolescência e vida adulta, mais aquilo que mais ou menos todo mundo conhece, ou sabe, sobre Roma. E, ainda, aquilo que é menos evidente ou que está sublinhado lá do que é mais típico do comportamento dos italianos, de modo geral. Se é que se pode falar assim.

Lá estão presentes os comportamentos histéricos diante dos espetáculos de variedades do tempo da Segunda Guerra Mundial; as muitas comemorações celebradas em torno da comida – das massas, dos vinhos – que são verdadeiros rituais circenses. Assim como os bordéis, populares ou de luxo, em que as mulheres desfilam sem qualquer pudor, propagandeiam a mercadoria, com chamamentos explícitos dos homens para a cama. São exemplos de cenas divertidas e excepcionalmente bem construídas da Roma felliniana.

A Roma histórica, com seus símbolos e lendas, está nas lembranças escolares, mas também magnificamente mostrada nas escavações do metrô, que encontram preciosidades embaixo da terra, a cada passo que dão, o que adia indefinidamente a obra a executar. Nada mais significativo do peso histórico que a cidade tem do que o que emerge dessas cenas.

Ao final, o filme vai se concentrar em Roma já deserta, pela madrugada, quando um conjunto de motos passeia por toda a pujança arquitetônica milenar de uma Roma iluminada, e seus grandes monumentos vão sendo mostrados rapidamente. Mas exibem uma beleza incrível e aí o peso da história se torna insuperável.

Estamos em 1972 e a atualidade mostra as praças da cidade ocupadas pelos jovens hippies, vivendo uma liberdade sexual que contrasta com a tradição e os valores religiosos que a cidade cultiva. Os jovens mensageiros da paz daqueles tempos são tirados pela polícia de espaços públicos, para atender às elites incomodadas.




Há uma sequência longa e inventiva, que dá conta do interesse pela moda e, sobretudo, do peso da igreja católica na cidade, onde está o Vaticano e vive o Papa. Uma mulher de alta estirpe sente saudade do tempo em que todo mundo se conhecia, numa Roma muito menor, em que era possível estar próximo, conviver, encontrar-se amiúde com as autoridades eclesiásticas. O que daqui se segue é impressionante: um desfile glamouroso de roupas para freiras, padres, coroinhas, bispos, cardeais e para o próprio Papa, em passarela da moda, cheia de luzes e brilhos, o que não deixa dúvida sobre a ostentação que se pratica ali. É uma sequência de grande beleza e ironia, que valeria pelo filme todo, se todas as outras não fossem igualmente bem trabalhadas, irônicas e de indiscutível beleza plástica. É que talvez aqui, nessa sequência dos religiosos, se possa perceber melhor o quanto Fellini era capaz de criar universos cinematográficos próprios – e corajosos.

Quando o filme termina, a sensação que bate é de que esse cinema não existe mais, essa explosão de criatividade em todos os sentidos, com forma e conteúdo perfeitamente integrados, perpassa uma película de mais de duas horas que deixa os sentidos embasbacados, sem precisar contar história nenhuma.

Há beleza, criatividade, inovação, em muitas cenas do cinema atual, mas nada que se possa comparar ao que Fellini conseguia fazer na Cinecittà, brigando e reclamando dos produtores, da concorrência da televisão, da imprensa que atrapalhava e queria explicações sobre tudo, do estrelismo de atores e atrizes. Mas ele fazia e como ninguém.




“Roma”, certamente, não é o melhor Fellini. Seria “La Strada”, “Noites de Cabíria”, “A Doce Vida”, “8 ½”, “E la Nave Va”, “Amarcord”? Não sei. Mas “Roma”, visto agora, é genial e é um registro magnífico de uma cidade apresentada a partir da ótica dos anos 1970, em que foi concebido o filme. Tem tamanha atualidade que poderia ser inserida na atual concepção da quebra de limites entre o documental e a ficção. “Roma” parece um documentário personalizado, na sua incrível e trabalhadíssima encenação das realidades da Roma que estão mais na imaginação do cineasta do que em qualquer outro lugar.



sexta-feira, 24 de junho de 2011

Carros 2


Tatiana Babadobulos

Carros 2 (Cars 2). Direção: John Lasseter e Brad Lewis. Roteiro: john Lasseter e Ben Queen. Com vozes na versão brasileira de Emerson Fittipaldi, Luciano do Valle, José Trajano, Claudia Leitte. Estados Unidos, 2011. 113 minutos

É verdade que um dos lançamentos da Pixar que não fizeram tanto sucesso foi “Carros”, longa-metragem lançado em 2006 e dirigido por John Lesseter, criador de “Toy Story”, o primeiro grande sucesso do estúdio. Um dos motivos para a “falta de sucesso” é o tema, claro, que é apreciado principalmente pelos meninos. Porém, com exceção do mercado interno, ou seja, os Estados Unidos, são poucos os países que se interessam por corridas de automóveis.

Mas quando se fala em pouco sucesso de um filme da Pixar, é quando comparado aos outros lançamentos do mesmo estúdio, já que foi a menor desde “Toy Story 2”. Porém, se comparado com outras produções, bem, é um sucesso total. Isso porque “Carros” rendeu, no final de semana de estreia nos Estados Unidos, mais de US$ 60 milhões. De acordo com David Price, no seu livro “The Pixar Touch: The Making of a Company”, a comparação de pouca arrecadação é relativa, porque “Carros” ainda era a segunda maior bilheteria do ano, depois do lançamento da Disney, “Piratas do Caribe: o Baú da Morte”.

Sobre as críticas, Lasseter disse: “Muita gente acha que Carros é um filme sobre carros ou que Procurando Nemo fala sobre peixes – Bolt sobre cachorro. Ok, mas esses são os personagens e parte de seu ambiente. Mas suas personalidades e histórias precisam transcender o que são, seja humano, cachorro, carro, peixe, o que for. Você precisa tocar as pessoas e eu sempre digo que é preciso fazer uma conexão com o público, mostrando a eles algo que lhes é familiar em algum nível, mas se ver diante de uma situação que nunca imaginou antes. Embora façamos pesquisa sobre todos os assuntos (carros, trailers, no caso de Bolt, ou peixes), a essência tem que atingir quem gosta, ou não, do assunto. Essa é minha filosofia.”




A continuação
Cinco anos depois do lançamento do primeiro filme, eis que Lasseter volta a dirigir o longa de continuação, ao lado do codiretor Brad Lewis. Trata-se de “Carros 2” (“Cars 2”), que desta vez está sendo lançado em cópias 2D, 3D e Imax 3D, em versões dubladas e legendadas. A que eu vi é dublada por personalidades como Emerson Fittipaldi, Luciano do Valle, José Trajano e a cantora Claudia Leitte.

Desta vez, o campeão das corridas que começou em Radiator Springs, Relâmpago McQueen, é desafiado pelo carro de corridas italiano, Francesco, cujas rodas pra fora encantam a Porsche que namora McQueen. O primeiro desafio do Grand Prix Mundial está marcado para acontecer no Japão. Mas o destaque maior da trama acaba sendo para o seu melhor amigo, o carro-guincho Mate, que se aventura como espião internacional.

A trama começa um pouco sinistra, é verdade, com espionagens, um barco no mar e de repente vários carros contra Brent Mustanburger. O excesso de personagens (ao todo, foram criados 145 novos) acaba confundindo o espectador. E o próprio enredo se torna chato, quando a referência é o combustível utilizado pelos carros de corrida...

O assunto não é nada infantil, ainda que há abordagens sobre amizade que podem cativar as crianças. Mas o que realmente chama a atenção em “Carros 2” é, sobretudo, a arte, o desenho, os detalhes que foram criados para construir a obra. Neste caso, “Carros” conquistou por conta do inusitado, o que já não ocorre desta vez. O que talvez possa chamar atenção é que a fita não se passa apenas nos Estados Unidos, além de não serem apenas carros, mas também barcos e aviões!




Há, por exemplo, referências aos locais por onde passam, ou seja, o Monte Fuji, no Japão. Em Paris, há passagens que remetem ao “Ratatouille”, que se passa na capital francesa. Mas aqui, Paris é visitada por Mate como parte de sua missão na espionagem internacional. Então, ele passa pela Pont des Arts, onde dois carros se beijam, e pela Catedral de Notre Dame. Na Itália, onde há corrida de rua (pelo menos neste filme), foi criado um visual fictício cidade costeira italiana de Porto Corsa, mas é uma combinação da pista feita nas ruas de Mônaco com a Costa Amalfitana e lá é feita homenagem aos seis irmãos Maserati (Enzo, Bindo, Carlo, Alfieri, Ettore e Ernesto). 

Para finalizar, a última corrida é realizada em Londres, com destaque para alguns cartões postais, como o Big Ben, que aqui chama-se Big Bentley, além da própria rainha que aparece condecorando Mate como Sir por sua atuação.

O atrapalhado Mate, aliás, acrescenta o bom humor ao filme, principalmente quando está no Japão e se atrapalha com as letras e até mesmo confunde raiz forte com sorvete de pistache... Mesmo assim, lá pelas tantas o espectador pode se sentir entediado durante “Carros 2”, principalmente se não for um amante de carros...

Além dos dois primeiros “Toy Story”, Lasseter foi diretor de “Vida de Inseto” e produtor executivo de todos os outros filmes da Pixar. Foi dele, aliás, a ideia do filme e, para construir os personagens, passeou pela famosa Rota 66. Ele sempre conta que é orgulhoso do filme e que adora os carros, além, é claro, da animação.

Este é o 12º longa-metragem da Pixar, que está comemorando 25 anos. Em 2006, o estúdio foi comprado pela The Walt Disney Company, de modo que faz da Pixar uma subsidiária integral da empresa. 

Em tempo: desde 1986, quando a Pixar Animation lançou seu primeiro curta-metragem, “Luxo Jr.”, lançou um por ano e vem apresentando um novo antes de cada longa. Ou seja, antes de “Carros 2”, o público pode conferir “Férias no Havaí”, apresentado por personagens de “Toy Story”. Provavelmente, como também já virou tradição, um novo curta deve ser acrescentado ao DVD.



Curiosidades
O nome do protagonista, Relâmpago McQueen, foi dado em homenagem a Glenn McQueen, ex-animador da Pixar que trabalhou no primeiro “Carros” e veio a falecer pouco antes de o filme ser lançado. Os pneus Lightyear de McQueen são uma referência a Buzz Lightyear, de “Toy Story”, assim como o seu número, 95, referência ao ano 1995, em que o mesmo filme foi lançado. Há ainda homenagem ao próprio Lasseter, no meio do filme, quando uma das propagandas aparecem em close, com o nome LassetAir.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Meia Noite em Paris



Tatiana Babadobulos

Meia Noite em Paris (Midnight in Paris). Espanha e Estados Unidos, 2011. Direção e roteiro: Woody Allen. Com: Owen Wilson, Rachel McAdams Marion Cotillard, Kathy Bates, Adrien Brody, Michael Sheen e Carla Bruni. 100 minutos.


Depois de homenagear ci­dades como Londres, Bar­ce­lona e, claro, sua Nova York, Woody Allen homenageia a Ci­dade Luz em seu novo filme, “Meia Noite em Paris” (“Midnight in Paris”), longa-metragem que estreia nesta sexta-feira, dia 17 de junho.

A fita chega ao Brasil em tempo recorde do lançamento internacional, uma vez que os filmes do diretor e roteirista nova-iorquino costumam chegar ao país com quase um ano de atraso, e esse foi apresentado ao público pela primeira vez durante o Festival de Cannes, realizado em maio deste ano.

O filme conta a história da vida do escritor Gil (Owen Wilson, de “Penetras Bons de Bico”) que, cansado de escrever rotei­ros fracassados para filmes hollywoodianos, vai passar alguns dias com a noiva e os pais dela na capital francesa. Sua ideia, portanto, é escrever romances, já que tem admiração por escritores de peso, como Ernest Hemingway, autor de “Paris é uma Festa”, por exemplo.

A primeira imagem é da Torre Eiffel, seguida da ponte Alexander III, considerada a mais bonita da cidade. Com uma espécie de videoclipe dos principais pontos turísticos, Allen mostra a Paris dos seus sonhos: Place de la Concorde, Mont­martre, Notre Dame, Jar­din des Tuilleries, as lojas chi­ques da avenida des Champs-Élysées e da Place Vendôme, os cafés, os restaurantes, o museu do Louvre, Le Palais Garnier, além dos belos telhados de Pa­ris. E o clipe vai mostrando a vida frenética da cidade até que chega a meia noite e, voilà, a mágica está feita.

É aí que o espectador vai des­cobrir o que acontece na Paris dos sonhos do escritor que admira Fitzgerald, Pablo Picasso, Salvador Dalí, Luis Buñuel e o Man Ray, e outras tantas personalidades dos anos 1920. É uma viagem no tempo incrí­vel, com referências de diversos segmentos da arte do início do século 20, mas também, quando Gil se encanta por Adriana (Marion Cotillard) e a viagem no tempo vai para a Belle Époque, nos anos 1890.


É na Ponte Japonesa do jardim de Claude Monet, em Giverny, na região francesa da Normandia, que o casal Gil e Ine­z (Rachel McAdams) conversa e discute sobre a possibilidade de se morar em outro lugar. A participação especial fica para a primeira-dama francesa, Carla Bruni, que faz o papel da guia no Musée Rodin, cujas esculturas do artista ficam expostas no jardim do grande casarão. Além de Paris e Giverny, há cenas filmadas no castelo de Versalhes.

Se Paris é sinônimo de magia e encanto, em “Meia Noite em Paris” Woody Allen brinca com a imaginação do espectador e entrega o que promete: um longa-metragem cheio de graça, humor refinado, citações de refe­rên­cias do mundo das artes, além de diálogos bem construídos.


Allen sempre foi um cineasta que entrega um filme por ano, principalmente com temas relacionados à sua cidade natal, Nova York. Porém, desde 2005 ele tem feito filmes na Europa, certamente porque tem tido dificuldades de conseguir financiamento para suas obras que possuem cinéfilos fiéis, como os ingleses “Match Point” e “Scoop”, “O Sonho de Cassandra”, o espa­nhol “Vicky Cristina Barcelona”, entre outros, para agora homenagear a capital francesa. E ele mesmo diz: “Claro que eu amo Nova York, que é a cidade onde nasci e cresci, mas se eu tivesse que escolher uma cidade para viver, que não fosse a minha, seria Paris”, diz Allen. 

A primeira vez que o diretor teve capital francesa como locação foi em “Todos Dizem eu Te Amo” e se apaixonou por Paris durante as filmagens de “O que é que há, Gatinha?”, seu primeiro filme como ator e roteirista.

“Meia Noite em Paris” traz novo fôlego às obras de Woody Allen, uma vez que seu último filme, “Você Vai Conhecer o Ho­mem dos Seus Sonhos”, não agradou a todos os seus fãs, ainda que, como se diz, um filme de Woody Allen mediano ainda é muito melhor que outros filmes que estreiam nos circuitos nacio­nal e internacional.

“Meia Noite em Paris” é um filme encantador, com humor raro que apenas Woody Allen é capaz de escrever, exatamente para o seu público. Ah, e se ficar com vontade de ver (ou rever) Paris após sair da sessão não se preocupe, acontece!

terça-feira, 21 de junho de 2011

POTICHE – ESPOSA TROFÉU

Antonio Carlos Egypto

POTICHE – ESPOSA TROFÉU (Potiche). França, 2010.. Direção e Roteiro: François Ozon. Com Catherine Deneuve, Gérard Depardieu, Fabrice Luchini, Jerémie Renier. 103 min.

O cinema de François Ozon costuma trazer mistérios, surpresas e reviravoltas na sua narrativa. Vale-se também de elementos inusitados ou fantásticos, quando necessário. Visa, porém, a refletir sobre questões importantes da vida e dos relacionamentos humanos. Faz um trabalho bastante consistente.

“Potiche” é a reafirmação da consistência do cinema de Ozon. É um filme que, por meio de seus bem elaborados personagens, trata da evolução das relações de gênero, focando a mudança e o avanço das mulheres. A história de “Potiche” parte do estereótipo tradicional, o da esposa e mãe, dona de casa submissa, que tem sua vida decidida e manejada pelo marido. Ou, se não é assim, parece ser assim.

As mulheres passarão por grandes mudanças, ao adentrarem firmemente no mundo do trabalho profissional, até alcançar o poder político, instância decisória, coletiva e pública, não mais do terreno privado, doméstico e familiar. Para chegar lá, tiveram que enfrentar muitos e decisivos obstáculos, a começar por sua própria educação e formação, direcionadas para o papel restrito da condução da casa e da família, geralmente excluindo-se o manejo do dinheiro. Para encarar o mercado de trabalho, tiveram de aprender quase tudo de novo, preparar-se para o desafio, muitas vezes mimetizando o modelo masculino de atuação, porque era o que existia, e também para serem aceitas pelos homens no trabalho. Foram estudar muito, trabalhar com afinco, mostrar competência e enfrentar a dupla jornada, já que as tarefas anteriores permaneceram. Com a “ajuda” dos homens, mas ainda sendo responsabilidade delas. A conquista do poder político viria com o tempo, seria inevitável. Mas, ainda hoje, é uma conquista incompleta, restrita a uma parcela pequena do universo feminino.

A história de Suzanne Pujol (Catherine Deneuve) sintetiza na personagem esse processo todo das conquistas femininas, com muita clareza. E se vale dessa grande atriz, que consegue transmitir o que se passa com essa mulher, em cada etapa vivida, tornando o processo inteiramente palpável. Até mesmo didático, eu diria. Dá para estudar as questões de gênero a partir de “Potiche”, tranquilamente.

O que o filme vai mostrando, à medida que evolui? Roberto Pujol (Fabrice Luchini) é dono de uma fábrica de guarda-chuvas, capitalista convicto, que procura reger com pulso firme e, sem concessões, sua indústria e seus empregados. Procura fazer o mesmo em casa. Trata-se de um self-made-man típico? Menos, menos. Na real, ele herdou a fábrica que era do pai de Suzanne. Casar-se com ela foi o grande mérito e negócio do cara. Ainda assim, Suzanne é a tal da esposa troféu, que usufrui de vida confortável, mas não conta para nada. É fácil imaginar que esse marido deve viver estressado e isso acaba trazendo, inevitavelmente, consequências para a saúde. Chega uma hora em que Suzanne tem de entrar em cena e trabalhar na fábrica. É quando tudo começa a mudar.

Reivindicações por melhores salários e condições de trabalho, greve. Não dá para levar a ferro e fogo. É uma ousadia, mas quem sabe um velho amigo político comunista possa ajudar? Oportunidade para Ozon satirizar as práticas políticas e o que pode estar por trás delas.

Tem muito mais: o filho (Jerémie Renier) também vai participar da fábrica, mas seu negócio é arte. Como se coaduna com uma empresa tão tradicional? Será que ela pode incorporar o espírito da era hippie? E a filha careta, como pode entrar na história? Novos conflitos irão surgindo.


Mas quem vai revelando suas camadas, como casca de cebola, é mesmo Suzanne, essa mulher maravilhosa, complexa, esperta, que vai surpreender a todos, nos mais diversos sentidos. Impossível não se apaixonar pelo personagem: Catherine Deneuve está fantástica no papel. Se a juventude já passou, o talento só se lapidou e a beleza permanece. E ainda tem Gérard Depardieu no papel de Maurice Babin, o deputado–prefeito comunista.

O período focalizado é o ano de 1977, depois da grande onda de protestos e mudanças que foram os anos 1960. No entanto, a cenografia optou por mostrar os Pujol num mundo tão arrumado, que remete aos anos 1950. Um retorno ao modelo de vida conservador? Ou não tinham nem notado que o sonho existiu, portanto, não sabem que o sonho acabou? A fábrica de guarda-chuvas também é emblemática, porque estaria vivendo seus derradeiros dias de glória. Em breve, os chineses irão torná-los objetos descartáveis.

É de um mundo que começa a se renovar e a se modificar mais rapidamente que se está falando. A mulher, como propulsora e realizadora de grandes mudanças, terá papel central nesse novo mundo, muito melhor do que o de antes. “Potiche” é um filme que celebra isso com alegria,em tom de comédia.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A CASA

Antonio Carlos Egypto


A CASA (La Casa Muda). Uruguai, 2010. Direção: Gustavo Hernandez. Com Florencia Colucci, Abel Tripaldi, Gustavo Alonso, María Salazar. 84 min.




“La Casa Muda” é um filme de terror, que toma como base fatos ocorridos num pequeno vilarejo do Uruguai, no longínquo ano de 1944. A situação envolveu a descoberta de dois homens mortos, com sinais de tortura, além de fortes fotografias eróticas que incluíam uma jovem que estava na casa com esses homens, um deles, seu pai, e desapareceu sem deixar vestígios. O caso nunca foi esclarecido e assim continua. Isso dá margem a que se possa compor a história, supondo o que pode ter acontecido.

O diretor Gustavo Hernandez optou por centrar o filme todo no medo que a tal jovem pode ter sentido, num período de pouco mais de uma hora em que essas mortes teriam ocorrido. Toda a filmagem ocorre dentro da casa e há cenas também no seu entorno.

O que chama a atenção no filme, porém, não é bem a sua trama ou o inusitado dessa história nunca solucionada, é o modo como foi realizado. Trata-se de uma produção de baixíssimo orçamento, realizada com uma câmera fotográfica digital, em que, quase todo o tempo do filme – cerca de 74 minutos – compõe-se de um único plano sequência. Ou seja, o diretor pegou sua câmera fotográfica e filmou direto todas as cenas da casa, durante esse período de tempo, sem cortes. Esse tempo seria o tempo verdadeiro que teria vivido a jovem em estado de terror, e nós vivenciamos isso com ela, como espectadores. Daí a chamada “Medo real em tempo real”.

Com o advento do cinema digital, novas e mais simples possibilidades de filmagem aparecem, até mesmo fazê-lo com uma câmera fotográfica capaz de filmar, hoje bastante comum. Democratiza-se a expressão audiovisual e, com muito pouco dinheiro, pode-se fazer um filme. Exibi-lo já é outra história. Mas, de repente, vem um convite para apresentá-lo em Cannes. Afinal, é um trabalho experimental que merece ser conhecido. Pronto, aí está ele nos cinemas.

Quanto à filmagem em plano sequência único, ou quase, já que há algumas cenas complementares, é algo também relevante. “A Arca Russa”, famoso filme de Alexander Sokurov, foi feito assim, mas envolveu um trabalho imenso, muito preparo, ensaios em profusão, uma loucura. Não é o caso aqui. O filme “La Casa Muda” foi feito em apenas quatro dias, com uma câmera na mão. Suas pretensões sempre foram muito pequenas. Num ambiente escuro, basta uma virada da câmera para o escuro total e uma nova cena pode surgir. Mas não é só isso.

Na verdade, o diretor filmou 14 vezes o tal plano sequência praticamente único. E, na edição, juntou as melhores partes de cada rodagem, para chegar ao resultado final, o que descaracteriza a tal filmagem sem cortes. Em todo caso, ele conseguiu, com tais recursos, criar um clima de medo bastante verossímil, fazendo amplo uso do som extracampo, por exemplo. Incomoda ver um filme tão escuro quase todo o tempo, mas não deixa de ser criativo o trabalho realizado.

Cabe à jovem atriz Florencia Colucci, com sua atuação, nos transmitir o que é a razão de ser da proposta do filme: ver o que se passa quando a gente sente medo. Suas expressões, a fragilidade da sua figura e o lúgubre ambiente escuro conseguem esse efeito. Assim como o uso de luzes equivalentes às de lanterna, ou frestas de luz externas, compõem bem o quadro aterrorizante que se busca.


quarta-feira, 15 de junho de 2011

MEIA-NOITE EM PARIS

Antonio Carlos Egypto

MEIA-NOITE EM PARIS (Midnight in Paris). Estados Unidos, 2011. Direção: Woody Allen. Com Owen Wilson, Rachel Adams, Marion Cotillard, Kathy Bates, Adrien Brody, Michael Sheen, Carla Bruni. 100 min.

Adorável. Foi esse o adjetivo que me veio à mente ao término da projeção de “Meia-Noite em Paris”. O filme já começa seduzindo, ao mostrar Paris linda, exuberante, em imagens de cartão postal, antes mesmo de entrarem os créditos iniciais. E, ao longo de toda a película, o deslumbramento da cidade continua presente e respira-se cultura.

“Eu amo Paris na primavera, no outono, no inverno, no verão”, dizia a canção de Cole Porter, não por acaso lembrada aqui, suas canções se destacam no filme. Paris é adorável a cada instante, para o personagem Gil (Owen Wilson), especialmente quando chove. Mas Paris à meia-noite, bem, aí ela vira simplesmente mágica.

Gil é um escritor norte-americano que está prestes a se casar, vai a Paris a negócios e descobre que devia viver lá. Não exatamente nos tempos atuais, mas na Paris mítica dos anos 1920, em que por lá transitavam escritores, pintores, compositores, cineastas. Gente como Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Gertrude Stein, Pablo Picasso, Salvador Dalí, Luís Buñuel, o próprio Cole Porter e muitos mais.

Já imaginou se o romance que ele está escrevendo recebesse críticas e sugestões de Stein e Hemingway? E andar naqueles carros antigos, cheios de charme, visitar os cabarés, o Moulin Rouge, ver o can-can, incluindo Toulouse Lautrec em pessoa?

É o máximo do sonho a idade de ouro da fabulosa Paris. À meia-noite, tudo é possível, até Paris voltar magicamente aos anos 1920. Como será que viviam e sentiam os personagens desse tempo de esplendor? Estariam satisfeitos com suas vidas? Alguém, fatalmente, vai achar que a vida está barulhenta e complicada e terá saudades dos bons tempos do fin-de-siècle e da belle époque.


Woody Allen constrói aqui uma deliciosa fábula do tempo. O presente é fortemente influenciado pelo passado que está em cada um de nós. Não só o da nossa história pessoal, mas o da aventura humana na História, especialmente aqueles tempos e lugares que nos impressionam e seduzem.

Se estamos atrelados ao possível glamour do passado, também algo nos remete ao futuro tecnológico inimaginável. E o que virá, depois e depois, na nossa história pessoal de expectativas em relação ao futuro próximo ou distante, sem dúvida nos afeta e muito.

Só que, para escapar do presente, somos extremamente seletivos: só nos lembramos do melhor ou imaginamos o melhor no futuro, o que torna os outros tempos invariavelmente superiores ao de hoje. Nos autoenganamos assim. Claro que há os que só veem o pior no passado ou no futuro, mas para eles o presente também não é bom, é o triunfo da desesperança.

Woody Allen brinca com esse passado de Paris anos 1920, fazendo uma bela reconstituição de época e, ao mesmo tempo, selecionando tudo de forma tão significativa que não há como não questionar: cadê a vida comum das pessoas, com sua rotina, seu tédio, suas ansiedades, os problemas, a falta de higiene, as doenças, as carências banais (não só as amorosas e existenciais)? Ao omiti-las, ele aponta o quanto essa Paris de puro glamour e cultura do personagem Gil é uma fantasia, como são todas as épocas e lugares imaginados por nós, em que pesem as evidências que a História registre. Aliás, quanto menos evidências, mais fantasiosa a percepção do período, mais ela será o que a gente desejar que ela seja. Ou terá mais a forma do nosso olhar do presente.

O melhor lugar do mundo é aqui e agora ou, pelo menos, o mais saudável, do ponto de vista psíquico. O que não significa que fantasiar não seja, também, adorável, como o filme que Woody Allen nos traz agora. Que bom, também, que dessa vez não tivemos de esperar quase nada para ver o novo trabalho do diretor. Já houve tempo em que seus filmes demoravam anos para aportar por aqui.

O elenco de “Meia-Noite em Paris”,fita exibida no Festival de Cannes, está cheio de bons atores e atrizes, famosos e conceituados por seus trabalhos no cinema, e tem uma celebridade como a primeira dama francesa Carla Bruni. O ponto de vista do filme é o do personagem Gil. Owen Wilson participa de todas as cenas da fita e dá bem conta do recado. Ainda assim, é uma pena que o próprio Allen não esteja em cena.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Kung Fu Panda 2

Tatiana Babadobulos

Kung Fu Panda 2. Estados Unidos, 2011. Direção: Jennifer Yuh. Roteiro: Jonathan Aibel e Glenn Berger. Com vozes de: Jack Black, Angelina Jolie e Jackie Chan. 90 minutos

Muitos torceram o nariz quando houve a explosão dos longas-metragens produzidos com o uso da tecnologia, ou seja, feitos inteiramente no computador, em três dimensões, principalmente depois do sucesso da Pixar, “Toy Story”, dirigido por John Lasseter e lançado em 1995.


A questão é que outros estúdios aprenderam que poderiam deixar de fazer animação do modo tradicional, tal como Walt Disney fez “Branca de Neve e os Sete Anões”, primeiro longa do gênero, lançado em 1939. No entanto, os diretores (e obviamente os estúdios) entenderam que o público iria ao cine­ma assistir a essas produções desde que tivesse uma boa história para contar, independentemente de ter sido feita a mão ou com ajuda do computador.


O uso do 3D e da animação de um modo geral é justificável para contar uma história não necessariamente infantil, mas que não pode ser contada com personagens reais, como os brinquedos que ganham vida quando os humanos viram as costas, o peixe que se perde no oceano, o ogro que vira príncipe, os animais que lutam kung fu e assim por diante.



Agora está nos cinemas, em versões 2D e 3D, o longa-metragem de animação “Kung Fu Panda 2”. Na aventura, o panda Po (Jack Black) já foi aceito como Dragão Guerreiro, e protege o Vale da Paz ao lado dos seus amigos e mestres do kung fu, os Cinco Furiosos: Tigresa (Angelina Jolie), Macaco (Jackie Chan), Louva-Deus (Seth Rogen), Víbora (Lucy Liu), Garça (David Cross) e o mentor Shifu (Dustin Hoffman). E, além de acompa­nhá-los em suas aventuras, Po é adorado por todos e tem até bonecos com a sua cara.


A fita começa contando sobre a China e sobre a tão procurada paz interior, necessária para conseguir equilíbrio. Mas além de Po encontrar o próprio equilíbrio, já que sabe que fora adotado pelo Ganso, embora não saiba de onde veio, ele vai ajudar os nossos heróis a não deixarem o kung fu morrer. Para isso, porém, vão ter de lutar contra o vilão Lorde Shen, que planeja usar uma arma secreta para conquistar a China e des­truir o kung fu.


Ainda que o “balé” da primeira luta de Po com ajuda dos outros animais seja sensacional, ela e as demais que acontecem no decorrer na trama são o ponto fraco, pois, muitas vezes, principalmente na versão tridimensional, a que assisti, é escura e a coreografia não permite que o espectador entenda, em algumas cenas, quem está batendo e quem está apanhando.


Como o panda vai precisar de paz interior para buscar o equilíbrio a fim de continuar lutando, há algo no passado de Po que o incomoda e isso será demonstrado a partir de um desenho localizado no braço do ini­migo, cena que se repete várias vezes ao longo da fita.


Embora algumas continuações de filmes façam sucesso, em alguns momentos “Kung Fu Panda 2” entendia, as piadas não têm tanta graça, mas há mensagens para os filhos adotivos e para aqueles que querem encontrar a paz interior, já que o passado deve ficar lá trás. E isso é um ponto forte da trama. Dirigido por Jennifer Yuh Nelson, que no primeiro filme atuou como chefe de História, supervisora de Sequências de Ação e diretora da Sequência do Sonho, “Kung Fu Panda 2” merece ser visto por toda a família, em versões dubladas ou legendadas, em 2D ou 3D, como maneira de descontração e entretenimento.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

NAMORADOS PARA SEMPRE

Antonio Carlos Egypto

NAMORADOS PARA SEMPRE (Blue Valentine).  Estados Unidos, 2010.  Direção: Derek Cianfrance.  Com Ryan Gosling e Michelle Williams.  112 min.


O filme, batizado no Brasil como “Namorados para sempre”, no original, Blue Valentine, está sendo lançado às vésperas do Dia dos Namorados.  Isso sugere, portanto, que os enamorados deveriam incluir esse filme nas festividades da data.  Cuidado, essa decisão pode ser complicada.  Se o objetivo for reforçar os laços românticos do casal e curtir o momento feliz do enamoramento, o tiro pode sair pela culatra. 

O filme trata de um relacionamento amoroso que se desintegra. Por meio de um vai e vem no tempo, vamos percebendo como esse envolvimento se formou e notamos que ele vai se deteriorando a olhos vistos, não se sabe exatamente porquê ou o quê produz isso.  O desgaste natural do convívio de duas pessoas muito diferentes, talvez.  Mas eles se perguntam: para onde foi o nosso amor?  Há, ainda, uma criança pequena, espremida entre o amor do pai e o da mãe, sem poder contar com ambos ao mesmo tempo.

A dupla protagonista, formada por Candy (Michelle Williams) e Dan (Ryan Gosling) está excelente, mostrando esse desagregar da relação e os sentimentos discordantes e conflitantes que se estabelecem.

O filme é competente ao expor esse processo de desgaste que acomete muitos casais enamorados.  Por aí se vê que não é propriamente uma pedida romântica para o Dia dos Namorados.  É propaganda enganosa a sugestão do título brasileiro e a data do seu lançamento nos cinemas.

Se o objetivo buscado pelos amantes, no entanto, for outro, como o de “avaliar o que está acontecendo conosco”, ‘enfrentar as dificuldades que estamos vivendo e pensar em como superá-las”, aí, sim, o filme pode vir a calhar.  Ou seja, é um filme para namorados que querem “discutir a relação” nesse dia.  Ou para quem se interesse por refletir sobre as dificuldades do encontro amoroso e o desgaste que o tempo pode produzir, quando as pessoas envolvidas perdem o pé da situação.  Quando não se enfrentam as questões que podem deteriorar uma relação ou nem sequer se consegue identificá-las claramente, a perspectiva é pelo fim do relacionamento.  Ou não, como diria Caetano Veloso.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

LOBO

Antonio Carlos Egypto

LOBO (Loup).  França, 2009.  Direção: Nicolas Vanier.  Com Nicolas Brioudes, Pom Klementieff, Min Man Ma e Vania Talisman.  102 min.

“Lobo” é uma aventura inteiramente filmada nas montanhas do norte da Sibéria, uma região de frio intensíssimo e grossas camadas de neve no inverno.  Lá vive um povo nômade – os évène – que tem nos grandes rebanhos de rena seu transporte, sustento e razão de ser.  Em relação às renas, é preciso criá-las, acompanhá-las, vigiá-las, cuidar delas.  Afinal, elas são o tesouro desse povo.

Só que nessa mesma vasta região também vivem os lobos e, sobretudo no inverno, eles atacam as renas.  É a lei da sobrevivência que torna isso inevitável.  A tradição da comunidade manda matar os lobos para poder manter as renas.  Mas sempre tem alguém jovem disposto a questionar as tradições.

Essa é a história, que não chega a ser original, criada pelo diretor Nicolas Vanier, que conviveu um ano com o povo évène e conseguiu apoio deles para realizar o filme, em função de um outro perigo, maior do que o dos lobos: a chegada do homem “civilizado” sobre a região, abrindo estradas e avançando sobre o território gelado que habitam.

A região é uma locação espetacular para um filme.  E o diretor sabe explorar bem a beleza do lugar.  Panorâmicas exibem a exuberância da natureza e grandes rebanhos de renas se deslocando tanto no verde quanto no branco das paisagens.  Convivemos de perto com as imagens dos animais, especialmente os lobos (verdadeiros), mas também surgem aves de rapina, lebres, urso.

É um festival de belas imagens que encantam o olhar na tela grande.  Há também esse belo povo siberiano e os atores franceses, escolhidos a dedo, em função do físico, para se coadunarem com o dessa comunidade nômade.

Impossível negar que “Lobo” seja um filme belo, realista.  Realista, no sentido de nos transportar para essa realidade distante e desconhecida, tão poderosamente atraente.  É isso que vale o filme, muito mais do que a trama ficcional que ele desenvolve.

Há uma sequência em particular que merece destaque.  A um dado momento, um lobo caminha, quando o gelo sob suas patas cede e ele se debate na água gelada, tentando vir à tona novamente.  É aí que o protagonista do filme, o ator Nicolas Brioudes, no papel de Sergei, entra na água gelada para salvar o lobo.  Suas mãos gelam e ele tenta, em vão, acender uma pequena fogueira para se esquentar.  O lobo, então, se aproxima e o rapaz pode se aquecer colocando as mãos embaixo do animal, para usufruir do calor dos seus pelos.  É uma cena real, sem truques, ainda que a queda do lobo tenha sido planejada, por meio de uma armadilha.  O que se segue, no entanto, mostra a possibilidade de encontro entre seres humanos e animais de natureza selvagem, em busca de uma harmonia que o filme preconiza.

Essa aventura ecológica integra o Festival Varilux do cinema francês 2011, que está acontecendo em 22 cidades brasileiras.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

UMA DOCE MENTIRA

Antonio Carlos Egypto

UMA DOCE MENTIRA (De Vrais Mensonges). França, 2009. Direção: Pierre Salvadori. Com Audrey Tautou, Nathalie Baye, Sami Bouajila, Stephane Lagarde. 105 min.

Emilie (Audrey Tautou) é um daqueles personagens que querem ajudar os outros, mas se valem de vias tortas e manipulações de toda ordem, para tentar alcançar o que desejam. O resultado, claro, será sempre problemático.

Maddy (Nathalie Baye), mãe de Emilie, está numa fase ruim da vida. Abandonada pelo marido, se sente diminuída e ainda alimenta infundadas esperanças, ou de que ele volte, ou de que alguém apareça no seu caminho. Ao menor sinal de uma dessas possibilidades, ela já coloca toda sua energia aí.

Jean (Sami Bouajila) é um homem tímido, desses que ficam mais observando do que agindo, com medo de chegar. Mas, apesar de estar desempenhando um trabalho braçal para o salão de cabeleireiro de Emilie, é um homem estudado, que fala várias línguas e escreve muito bem.

É uma carta de amor anônima de Jean que dá ensejo a uma trama que envolve os três personagens acima descritos e mais alguns, secundariamente. Uma carta de amor anônima não é algo para se levar a sério. Pode-se jogar no lixo. Mas, se for muito bem escrita, pode ser útil em algumas situações. O problema é que, quando é preciso dar continuidade a ela, saber escrever é fundamental.

O poder das palavras e a capacidade de expressar emoções de forma literária é algo bastante cultivado e valorizado pela cultura francesa. Em “Uma Doce Mentira” não é diferente. Mas esse poder das palavras está a serviço de um jogo de erros, coincidências e inabilidades que produz desencontros absurdos.

A ideia de que uma mentira possa ser o caminho para fazer bem a alguém, e a necessidade de muitas outras mentiras para sustentar a primeira, revela-se trágica, ou melhor, cômica.

Há o que dizer, portanto, nessa comédia leve e despretensiosa, cujo objetivo é o entretenimento puro e simples. O que se espera é que os espectadores se divirtam com as situações criadas, enquanto desfilam pela tela pessoas e ambientes, limpos, bonitos e bem cuidados. Nada que possa incomodar a quem se deu ao trabalho de ir ao cinema no fim de semana, para aliviar as tensões de uma semana de trabalho, providências e preocupações. E o filme é bem realizado, com bons atores, e constrói um final que, longe de decepcionar, faz um bom fecho para esse gênero de fita.

“Uma Doce Mentira” é uma das atrações do Festival Varilux do cinema francês, que acontece de 08 a 16 de junho de 2011, em 22 cidades brasileiras, trazendo longas-metragens inéditos do cinema francês recente. Esses filmes deverão ter carreira normal no circuito comercial, após o Festival. Mas, às vezes, um título acaba sendo lançado só em DVD ou demora para aparecer nos cinemas. Nunca se sabe ao certo. Até porque depende, também, das reações do público às primeiras exibições do filme.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

QUEBRANDO O TABU

Antonio Carlos Egypto


QUEBRANDO O TABU. Brasil, 2011. Direção: Fernando Grostein Andrade. Documentário, 74 min.

No governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil não avançou muito na abordagem da questão das drogas psicoativas. Tentou estabelecer uma visão mais realista na compreensão do problema das drogas, mas acabou atendendo à pressão proibicionista que vinha dos Estados Unidos, na linha da “guerra às drogas”, e ficou pelo meio do caminho.

Agora, na condição de ex-presidente, FHC avançou muito, coloca seu prestígio e sua respeitabilidade internacional procurando contribuir para mudar o paradigma nessa questão: combate o irrealismo de um mundo sem drogas, que nunca existiu, defende a política de redução de danos e considera a descriminalização e a legalização das drogas assuntos a serem pensados e debatidos com seriedade, na busca de alternativas mais eficazes no combate ao problema das drogas.

Como apontou em entrevista a Mônica Bérgamo para a Folha de São Paulo, publicada em 29/05/11, aproxima-se atualmente da posição do deputado federal Paulo Teixeira, líder do PT no Congresso Nacional. “Só quem é burro não muda de opinião diante de fatos novos. Eu não tinha consciência da gravidade e do que significava essa questão, naquela época, como tenho hoje”, diz Fernando Henrique.

Ele é a estrela e âncora do documentário “Quebrando o Tabu”, dirigido pelo jovem Fernando Grostein Andrade, de 30 anos de idade. Várias celebridades são entrevistadas para o filme: os ex-presidentes norte-americanos Bill Clinton e Jimmy Carter, ex-chefes de Estado da Colômbia, México, Suíça e Noruega, o astro mexicano Gael García Bernal, o médico Dráuzio Varella e o escritor Paulo Coelho, entre outros. Todos atestam a guerra perdida contra as drogas, em escala global.

Discute-se amplamente a ineficácia da política repressiva e de encarceramento dos usuários e dependentes de drogas e procuram-se conhecer alternativas pelo mundo. Porque, como diz o artista. ativista e escritor, Anthony Pappa, em frase que foi para o cartaz de divulgação do filme, “se não conseguimos controlar o uso de drogas num presídio de segurança máxima, como podemos controlar o uso numa sociedade livre?”.

Além do Brasil, focalizando sobretudo o Rio de Janeiro e o eterno problema do narcotráfico, outros sete países foram visitados: Estados Unidos, Portugal, Holanda. Colômbia, Suíça, França e Argentina.

O presidente norte-americano nos tempos de FHC era Bill Clinton. Assim como nosso ex-presidente, faz mea culpa do seu período e até revela ter um irmão viciado em cocaína. Outros ex-dirigentes mundiais também se deram conta de que está na hora de mudar. Parece que, na condição de ex, é mais fácil enxergar e propor alternativas do que executá-las quando no exercício do poder.

Será que foi o mundo que mudou tanto assim? Não creio. O colapso da política da “guerra às drogas” já estava bem delineado nos anos 1990. Projetos baseados na redução dos danos causados pelas drogas já eram amplamente difundidos na Europa e inclusive no Brasil. Por exemplo, a troca de seringas para usuários de drogas injetáveis, que reduz significativamente a contaminação pelo HIV, foi objeto de projetos pioneiros, como os da Universidade Federal da Bahia, tendo sido combatidos e proibidos. Desde então, porém, muitos trabalhos importantes vêm sendo desenvolvidos de forma consistente e continuada em nosso país, há mais de uma década. Causa espécie que o documentário “Quebrando o Tabu”, que adota essa linha de pensamento, tenha omitido qualquer trabalho brasileiro nesse sentido, dando espaço apenas ao que se faz na Europa.

Essa linha de ação não é nova, já foi suficientemente testada pelo mundo. É ótimo que Fernando Henrique a encampe, divulgue e busque mudanças junto à ONU, onde o poder norte-americano ainda parece insuperável. Mas não dá para ignorar o que já existe, o que já foi feito. Ou deixar o mérito só para o estrangeiro, como se o Brasil ainda estivesse lá para trás, o que não corresponde à realidade dos fatos. Por aqui, o que se enfatiza, no filme, é o tráfico, o descontrole, a falta de perspectiva, a disseminação da droga na cadeia. Ressalte-se que Dráuzio Varella explica que, em todas as cadeias do mundo, a droga circula.
cigarro de maconha
A prevenção foi abordada pelo documentário, sem destacar o papel fundamental de a escola desenvolver projetos pedagógicos. De qualquer modo, mostrou-se a importância do trabalho preventivo. E uma das mais lúcidas intervenções veio de Paulo Coelho, quando afirma: “Seja aberto, seja honesto. Diga isso: É, realmente, a droga é fantástica, você vai gostar. Mas, cuidado. Porque você não vai decidir mais nada. Basta isso. Basta isso”.

O conteúdo veiculado por “Quebrando o Tabu”, incluindo a conceituação apresentada por Fernando Henrique Cardoso, é muito correto e adequado. A divulgação dessa visão vem a propósito para a conquista de novos espaços políticos no mundo, visando à revisão dos velhos e superados conceitos do idealizado “Diga não às drogas”, que pressupõe a ideia de abstinência total e um mundo sem drogas. Só para quem acredita em Papai Noel! 

plantação de maconha
A forma apresentada pelo documentário, porém, não inova. São os tradicionais depoimentos, entrevistas, visitas e exposições de dados e conceitos direcionados para convencer o espectador, mostrar o caminho a seguir e buscar adesões. É, nesse sentido, um trabalho militante. O contraditório só aparece para mostrar seu anacronismo, em falas históricas, como as dos ex-presidentes dos Estados Unidos, Richard Nixon, que lançou há quarenta anos a política da “guerra às drogas”, Ronald Reagan e George Bush, que a endossaram e a ampliaram.

Estava, mesmo, na hora de uma cruzada (ops!) pela paz, em lugar da guerra, em busca de mais eficiência e de alguma racionalidade, para superar essa batida desgastada e ineficaz “guerra às drogas”. Outros filmes poderiam vir, contrapondo opiniões, múltiplas e diversas, aprofundando e democratizando a questão. Seria um avanço a mais. Para que os novos paradigmas possam alcançar representatividade e amplo apoio social.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Se Beber, Não Case! Parte II

Tatiana Babadobulos

Se Beber, Não Case! Parte II (The Hangover Part II). Estados Unidos, 2011. Direção: Todd Philips. Roteiro: Craig Mazin, Scot Armstrong. Com: Bradley Cooper, Zach Galifianakis and Ed Helms. 102 minutos.

Quando foi lançado, em 2009, o longa-metragem “Se Beber, Não Case!” não tinha a pretensão de fazer o sucesso que fez. E foi exatamente esse sucesso que motivou os produtores da fita a fazerem a continuação.

Quem não assistiu ao primeiro, seria mais interessante que o visse antes de ir ao cinema conferir “Se Beber, Não Case! Parte II” (“The Hangover Part II”). Isso porque os primeiros 15 minutos do longa fazem referência ao filme anterior e mostra como os amigos estão e que a vida de todos progrediu, com exceção da de Alan (Zach Galifianakis), que continua morando com os pais e gosta de músicas para adolescentes.

Se no primeiro o casamento era de Doug (Justin Bartha) e os amigos se juntaram para fazer sua despedida em Las Vegas, desta vez quem vai casar é o dentista Stu (Ed Helms), e os rapazes vão para a Ásia, já que a família de sua noiva, Lauren (Jamie Chung), é tailandesa e o casamento será realizado em um resort na praia.

Antes, porém, a fita, que segue a mesma estrutura da primeira, começa pelo meio. Phil (Bradley Cooper) liga para Doug de um lugar qualquer e diz que está com problemas. Corta. E daí vai para o início, contando, de modo não-linear, como foram parar ali, em um lugar estranho e não no resort onde estavam hospedados.



Ainda que os amigos insistam na despedida, principalmente Phil, Stu nem quer saber, já que a última viagem que fizeram foi um desastre completo. Afinal, o noivo é convencido a tomar uma inocente cerveja na praia e, de quebra, leva com o grupo o irmão da noiva, Teddy (Mason Lee), um adolescente que acabou de entrar na faculdade e é considerado um gênio pela família.

Desta vez não é o noivo quem some, mas o irmão da moça. Porém, Stu nem cogita na possibilidade de chegar ao casamento sem o cunhado, ou vai ficar pior perante à família dela. E, por um impulso, eles vão procurá-lo no telhado...

Novamente dirigido e escrito por Todd Phillips, que contou com a contribuição dos roteiristas Craig Mazin e Scot Armstrong, o longa-metragem segue em um perfeito déjà vu. Até Stu solta no filme: “Não acredito que isso está acontecendo de novo...”

Detalhe, porém, que ao invés do bebê que Alan carrega no primeiro, neste ele tem um macaco, Cristal, que rouba a cena em diversos momentos, assim como Ken Jeong, que faz o papel de senhor Chow, que desta vez arranca gargalhadas da plateia e mostra ser, na verdade, um bon vivant.

Outros personagens inseridos na trama é o enigmático Kingsley, vivido por Paul Giamatti (de “Sideways - Entre Umas e Outras”), um monge e, novamente, Mike Tyson, que faz uma participação especial sendo ele mesmo.

É verdade que continuações são problemáticas, porque nem sempre funcionam. E, apesar de seguir a mesma estrutura do primeiro, ou seja, começa pelo fim e volta para o início para depois ter o desfecho, as melhores risadas são mesmo as que vêm a partir das piadas e do comportamento de Alan. O ator, aliás, entre as duas produções, trabalhou com o mesmo diretor no road movie “Um Parto de Viagem” (“Due Date”), cujo personagem lembra um pouco do filme.

Ao final, não saia sem antes ver as fotos reveladores da aventura desses amigos e descubra alguns detalhes que não foram explicados no decorrer da fita.