quarta-feira, 19 de maio de 2010

Robin Hood

Tatiana Babadobulos

Robin Hood. Estados Unidos/Grã Bretanha, 2010. Direção: Ri­dley Scott. Roteiro:Brian Helgeland. Com Russell Crowe, Cate Blanchett, Max von Sydow, William Hurt, Mark Strong, Oscar Isaac, Danny Huston. 140 min.

Ambientado na Inglaterra do século 12, “Robin Hood”, longa-metragem dirigido por Ri­dley Scott, se pro­põe a contar a história que antecede a lenda do famoso arquei­ro fora-da-lei que “rouba dos ricos para dar aos po­bres”. Algo como “Batman Begins”. Isso por­que muito já se filmou o personagem desde 1922, inclusive com Kevin Costner no longa “Robin Hood, O Príncipe dos Ladrões”, de Kevin Reynolds.

Quem encara o personagem-título desta vez é o australiano Russell Crowe e, qualquer déjà vu em relação ao diretor e ao ator não terá sido mera coincidência. Tampouco se o espectador achar que está vendo “Gladiador”.

Voltemos à trama com roteiro escrito por Brian Helgeland (de “Zona Verde”) que, vá lá, pode ser outra história sobre o persona­gem. No entanto, como tudo é especula­ção (uma vez que não se sabe se ele existiu mesmo ou não), não dá para afirmar quem está contando a verdadeira. Pois bem, após a primeira batalha, morre o rei Ricardo Coração de Leão durante uma de suas cru­zadas, desta vez na França. A partir de então, Robin Longs­tride (Crowe) assume o comando e, se fazendo passar pelo fi­lho de sir Walter Loxley (Max Von Sydiw), de Nottingham, cruza o Canal da Man­cha e volta para a Inglaterra.

Depois que João (Oscar Isaac) é coroado rei, as pessoas passam a ser cobradas de impostos cada vez maio­res. João, no entanto, é um rei apático, sem o ca­risma do irmão (e sem o apoio da mãe) e quer aparecer de alguma maneira. Quando assume o lugar do filho de Loxley, Robin comanda seus soldados para se defender da Co­­roa e se apaixona pela viúva Marion (Cate Blanchett), uma guerreira que vai dar força a ele e ajudá-lo a defender o local onde vivem, principalmente depois da presença de um perfeito judas, Godfrey (Mark Strong).

É mais ou menos neste pedaço que a fita se torna previsível e oferece a sensação de déjà vu, uma vez que a câmera rápida, os cortes secos de Ridley Scott fazem com que a estética seja a mesma do épico anterior. E, utilizando o artifício de palavras escritas na tela, o filme se vale para contar o iní­cio (e o fim, quando começa a lenda).

Russell Crowe, com seu jeito truculento, sabe conduzir a batalha, usar o arco (e acertar as flechas), mas não convence o fato de estar em outra trama. E Cate traz a graça e o pulso firme que sua personagem pede. A fita, falada em inglês e em francês, tem locações na Inglaterra e na França, mas a Torre de Londres, o palácio real, foi replicada para a produção, uma vez que a verdadeira ainda existe, mas hoje parte dela é um museu aberto para visitas – a outra guarda as joias da coroa.

Tal como em outras grandes produções, em “Robin Hood” a música alta não para, ou seja, ela não fica alta apenas nos momentos de batalhas, de modo que o espectador se cansa do barulho.

O longa estreia nos cinemas do mundo todo dois dias após participar da Seleção Oficial do Festival de Cannes. Sem preconceitos quando o assunto é cinema, vale a pena conferir.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Mademoiselle Cham­­bon


Tatiana Babadobulos

Mademoiselle Cham­­bon. França, 2009. Direção e roteiro: Stéphane Brizé. Roteiro: Florence Vignon. Com Vincent Lindon, Sandrine Kiberlain, Aure Atika, Jean-Marc Thibault, 101 min.

“Mademoiselle Cham­­bon”, dirigido e escrito por Stéphane Brizé, ao lado de Florence Vignon, é um drama francês que mistura romance e o desejo contido. O longa-metragem, que estreia sexta, 14, começa com a apresentação dos personagens no núcleo familiar: pai e mãe no jardim ensinam a lição para o filho pequeno, que pergunta sobre verbos transitivos, complementos do objeto...

Jean (Vincent Lindon, o trei­nador de “Bem-Vindo”) é pedreiro, casado com Anne-Marie (Aure Atika) e pai do pequeno Jérémy (Ar­thur Le Houérou). Ele vive tranqui­la­mente com a família em algum lugar da França e sempre visita o pai (Jean-Marc Thibault). No entanto, depois que sua esposa sofre um acidente no local de trabalho e fica de “molho” em casa, começa a ir buscar o filho na escola e conhece sua professora, Véronique Chambon (Sandrine Kiberlain).

A partir de então, o drama, com base no livro homônimo de Eric Holder, começa a virar romance e o longa se torna previsível. Isso porque se torna óbvio que os dois vão se envolver: ela pede que ele faça uma explanação aos alunos sobre sua profissão e depois para que ele vá olhar a janela de sua casa, que está quebrada. Então, os dois se aproximam, ela toca violino para ele e passam a se ver com regula­ridade.

A cena do início sobre a lição de casa mostra também o des­pre­paro dos pais, que não sabem di­zer, de prontidão, a resposta correta ao filho, mostrando que a educação pode não ser apenas um problema que existe nos países de terceiro mundo, mas também nos de pri­meiro.

Ainda que “Mademoiselle Chambon” seja belo e intimista, não consegue emocionar o espectador (pois ele fica dividido, sem saber para qual dos personagens torcer) e há um quê de artificial: o pedreiro que vai de carro para o trabalho (ok, estamos na França); que não se suja enquanto trabalha (embora o ator mostre que esteja colocando tijolos, janela etc.); a mulher que se envolve fácil demais com um homem casado (e espera algo mais dele).

“Mademoiselle Chambon” ven­ceu o César 2010 (o Oscar fra­ncês), de Melhor Adaptação para Stéphane Brizé e Florence Vignon.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

ANTES QUE O MUNDO ACABE

Antonio Carlos Egypto

ANTES QUE O MUNDO ACABE. Brasil, 2009. Direção: Ana Luiza Azevedo. Com Pedro Tergolina, Eduardo Cardoso, Caroline Guedes, Eduardo Moreira, Janaína Kremer e Bianca Menti. 102 min.


“Antes que o mundo acabe”, o filme dirigido por Ana Luiza Azevedo, é uma produção da Casa de Cinema de Porto Alegre e conta, entre seus roteiristas, com Jorge Furtado, Giba Assis Brasil e Paulo Haim, além da própria diretora. Um handicap e tanto.

Jorge Furtado dirigiu um dos melhores curtas de toda a história do cinema brasileiro: “Ilha das Flores”. Dirigiu também um ótimo filme para adolescentes: “Houve uma vez dois verões”. É responsável ainda por filmes como: “Meu tio matou um cara” e “O homem que copiava”, películas que dialogam muito bem com o público, inclusive o público adolescente. “Saneamento básico, o filme” é o mais recente trabalho do diretor e reafirma o seu talento para se comunicar de modo inteligente e divertido com diversos tipos de espectadores, entre eles, os mais jovens.

São os filmes dirigidos principalmente às crianças e aos adolescentes aqueles que podem construir plateias mais identificadas e afinadas com a produção nacional, superando preconceitos atávicos que permeiam a nossa história cinematográfica. “Antes que o mundo acabe” é um exemplo muito bem acabado desse diálogo do cinema brasileiro com os adolescentes.

Numa narrativa fluente, envolvente, com diálogos inteligentes e bem humorados, Ana Luiza Azevedo conta a história de Daniel (Pedro Tergolina), 15 anos, a partir da ótica de sua irmã menor, Maria Clara (Caroline Guedes).

Eles vivem na cidade de Pedra Grande, um município interiorano do Rio Grande do Sul, que não fica muito longe de Nova York, outra cidadezinha gaúcha, que aprendemos que existe, pelas conversas dos adolescentes da cidade. Daniel vive sua vida pacata, de jovem do interior, mas as questões típicas da idade do crescimento são problemas que mexem muito com ele. Por exemplo, a namorada Mim (Bianca Menti), que não sabe bem o que quer, o triângulo amoroso à “Jules e Jim”, de Truffaut, e que envolve seu maior amigo e ele e uma acusação de roubo no colégio que atinge o amigo Lucas (Eduardo Cardoso), sendo que ele está bem envolvido na história.

O mau humor típico do adolescente é narrado por Maria Clara com sutileza e graça, a cada chegada em casa do irmão, ora agressivo, ora chato, ora insuportável, ora apaixonado, ora decepcionado, ora deprimido, ora crente de que vai morrer. São mostradas as relações de Daniel em casa, não só com a irmã mas com a mãe e o padrasto, estes, compreensívos e negociadores. A vida dos jovens e suas relações em Pedra Grande, em viagem a Porto Alegre e na escola, estão presentes na história. Mas a melhor sacada da trama é o pai distante, também chamado Daniel (Eduardo Moreira). Ele vive agora na Tailândia e resolve se comunicar com o filho que não conhece e que não o conhece, enviando cartas e fotos pelo correio.

O pai é fotógrafo e vive pelo mundo, registrando-o como ele é, antes que a globalização faça tudo virar shopping. É no amor pela diversidade e pelo idealismo aventureiro que ele terá possibilidade de conquistar o respeito e a admiração de seu filho Daniel.

O adolescente descobre, por meio desse pai distante, que o mundo é muito maior do que ele pode imaginar. E se ele sabe onde fica Nova York, não tem ideia da existência das tribos poliândricas da Malásia e o que isso possa ter a ver com as questões vividas por ele neste momento.

As fotos das paisagens e pessoas da Tailândia ganham uma importância que ele jamais poderia imaginar. Afinal, é preciso fazer “algo antes que o mundo acabe”. Belíssima abordagem para os adolescentes que precisam aprender a parar de olhar só para o próprio umbigo. O mundo é muito maior do que os nossos pequenos problemas. Há muito mais coisas em jogo, se formos capazes de olhar para a diversidade humana e cultural. Isso vai muito além de apenas reclamar do mundo ou denunciar coisas.

O filme tem todo esse enfoque, amplo e generoso, passa muita afetividade, tem uma veracidade notável, valoriza muito bem a fotografia e o grafismo. E faz tudo isso a partir de personagens e situações singelas, recheadas de humanismo. Assim como “Houve uma vez dois verões”, de Jorge Furtado, de 2002, um filme altamente recomendável para os adolescentes e para os educadores.

O filme é baseado em livro homônimo, de Marcelo Carneiro da Cunha, e conta com um elenco afiado, onde ninguém destoa. Ótima pedida.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Querido John

Tatiana Babadobulos

Querido John (Dear John). Estados Unidos, 2010. Direção: Lasse Halls­tröm. Roteiro: Jamie Linden. Com Channing Tatum, Amanda Seyfried, Richard Jenkins. 108 min.


Dirigido pelo sueco Lasse Halls­tröm (de “Chocolate”, “Sempre ao seu Lado”), “Querido John” (“Dear John”), cuja estreia está marcada para esta sexta, 7, conta a história de John Tyree (Channing Tatum, de “G.I. Joe – A Origem de Cobra”), um soldado do Grupo de Operações Especiais que luta pelos Estados Unidos na Alemanha. Durante a licença de poucas semanas, conhece na praia a bela Savannah Curtis (Amanda Seyfried, do musical “Mamma Mia!”).

Como todo amor de verão, os dois trocaram juras de amor, mas as férias têm fim e cada um precisa tomar o próprio rumo: ela volta para a faculdade, e ele para algum lugar do mundo, onde há guerra. A partir de então, como John não pode re­velar sobre suas missões, uma vez que se trata de segredo de Estado e segurança nacional, é por intermédio de cartas que ambos vão manter contato e fazer persistir o amor.

Apesar de tumultuado e repleto de problemas ao redor, a história cria­da com base no romance de Ni­cholas Sparks – que escreveu, entre ou­tros, “Um Amor para Recordar” e “Noites de Tormenta” –, demora a con­vencer e, a certa altura, não convence mais. Tudo parece tão previsível e se coincide que fica difícil de acreditar. Outro empecilho é com relação ao pai de John, vivido por Richard Jenkins, um colecionador de moedas que, aos olhos da garota, é autista.

Essa interrogação (se o pai do rapai tem problemas mentais ou não) e outras, como o motivo pelo qual John não é bem-vindo no restaurante onde vai jantar com a garota pela primeira vez, não é esclarecido. É como se o diretor criasse para a plateia um suspense e, antes que tudo fosse solucionado, o longa-metragem chega ao fim, deixando o espectador no vácuo. É claro que ­es­ses dois pontos de interrogação não mudarão o desfecho do filme, mas também não justificam existir, se são apenas para serem jogados ao léu.

Ainda que a fita trate de relacionamentos (como o de John e Savannah), fala também sobre a relação entre pai e filho, que vivem sozinhos. A ausência da mãe não é pronunciada, mas o pai, ainda que estranho, trata o filho com amor, cozinha lasanha para os dois todos os domingos (e tudo com ele é repetitivo), tem medo de sair de casa e se relacionar com outras pessoas.

Dividido entre o trabalho, a missão em defender o país (principalmente após os ataques às Torres Gêmeas em 11 de setembro, em 2001), e o amor pela garota, o personagem-título precisa tomar uma decisão, mas ele prefere deixar a vida levar e, sozinha, escolher o seu destino.

“Querido John” discute amor a distância, separação, troca de cartas apaixonadas (no mundo onde e-mail e torpedos de celular são as vedetes) e confirma, prematuramente, a frase que um dia o Dalai Lama disse: “Se quer muito algo, é melhor deixá-lo livre. Se voltar para você, será seu para sempre; se não voltar, é sinal que nunca foi seu”.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus

Tatiana Babadobulos

O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus (The Imaginarium of Doctor Parnassus). Reino Unido, Canadá, França, 2009. Direção: Terry Gilliam. Com Heath Ledger, Johnny Depp, Jude Law, Colin Farrell, Christopher Plummer, Verne Troyer, Andrew Gar­field, Tom Waits, Lily Cole. 123 min.

Ainda que a morte de Heath Ledger, em janeiro de 2008, tenha atrapalhado um pouco o lançamento e a finalização do filme “O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus” (“The Imaginarium of Doctor Parnassus”), a fita teve algumas exibições durante a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no ano passado, mas dia 7 estreia no circuito de cinema.

A aventura se passa na Londres dos dias atuais e Parnassus (Christopher Plummer) possui um espetáculo itinerante, o Imagina­rium, que vai de um lugar para o outro a fim de inspirar a imaginação das pessoas. Sua companhia de teatro, composta pelo sarcástico Percy (Verne Troyer) e pelo mágico do baralho Anton (Andrew Gar­field), Parnassus ofe­rece ao pú­blico a possibilidade de entrar em um universo repleto de imagina­ção com a ajuda de um espelho.

Porém, depois de receber a imorta­lidade e a juventude concedidas pelo diabo, senhor Nick (Tom Waits), chegou a hora de Parnassus lhe entregar o que lhe prometera: sua filha Valentina (Lily Cole), que vai fazer 16 anos.

Heath Ledger faz o papel de Tony, um forasteiro charmoso e misterioso pelo qual Valentina se apai­xona. No entanto, para driblar a sua falta, o roteiro foi modificado durante as filmagens e ele co­meça a aparecer com outras perso­nalidades e, portanto, vividas por outros atores: Johnny Depp, o irlandês Colin Farrell e o inglês Jude Law. E é justamente Tony quem vai tirar satisfação com Nick para salvar a moça. Para tanto, ele envolve outras persona­gens caricatas, que serão convencidas a conhe­cer o outro lado do espelho e ser mais uma presa para o diabo.

A fita se passa pelas ruas de Londres e mostra muitos locais tu­rísticos da capital inglesa, como a ponte da Torre de Londres, a Ca­tedral Southwar, o Leadenhall Market, o rio Tâmisa.

“O Mundo Imaginário do Dou­tor Parnassus”, dirigido por Terry Gilliam (de “Os 12 Macacos”), ga­nha pontos com o seu visual colorido, cheio de efeitos especiais, maquiagem e figurino, e por conta da interpretação dos atores. Mas é nítida a mudança do roteiro e pode entediar um pouco o espectador no iní­cio, pois a his­tória é lenta e demora a desenrolar e prender a atenção do público. Se você conseguir ficar até o final, vai valer a pena.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

LUZES NA ESCURIDÃO


Antonio Carlos Egypto

LUZES NA ESCURIDÃO (Laitakaupungin Valot). Finlândia, 2006. Direção: Aki Kaurismäki. Com Janne Hyytläinen, Maria Järvenhelmi, Maria Heiskanen e Ikka Koivula. 80 min.

Os irmãos Kaurismäki (Mika e Aki) tornaram o cinema finlandês conhecido no mundo por meio dos grandes festivais de cinema internacionais. Abriram uma produtora própria na Finlândia e receberam alguns prêmios importantes.

No Brasil, seus filmes costumam ser exibidos regularmente nas Mostras Internacionais de Cinema de São Paulo, no Festival do Rio, mas pouco chegam ao circuito comercial. E, quando chegam, permanecem pouco tempo em cartaz.

Mika Kaurismäki, desde 1990, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde é proprietário do Mika’s bar, em Ipanema, segundo nos informa Rubens Ewald Filho, no seu “Dicionário de Cineastas”. O fato é que ele continua produzindo seus filmes finlandeses, com apoio de verbas de outros países europeus, mas tem feito fitas que abordam a nossa realidade, como “Moro no Brasil” e “Brasileirinho – Grandes Encontros do Choro” (2005) e um episódio do filme coletivo “Bem-vindo a São Paulo”, de 2004, iniciativa de Leon Cakoff.

Aki Kaurismäki, irmão mais novo de Mika, permanece vivendo e produzindo na Finlândia. Jornalista, crítico de cinema e roteirista, acabou se destacando como diretor em filmes como “Os Cowboys de Leningrado vão para a América” (1990) e na trilogia composta por “Nuvens Passageiras” (1996), “O Homem sem Passado” (2002) e “Luzes na Escuridão” (2006). Os personagens dessa trilogia estão sempre à margem das possibilidades e benesses da vida, fracassados, de uma forma ou de outra, tanto por seus comportamentos ou limitações quanto pelas barreiras e preconceitos sociais.

“Luzes na Escuridão” entra agora em cartaz nos cinemas de São Paulo e quem não conhece o estilo de Aki Kaurismäki seguramente vai estranhar. Mas vale a pena conhecer. Aqui, o protagonista é um guarda-noturno solitário e incapaz de reagir às mais profundas maldades que lhe possam fazer. Koistinen vê o sucesso à sua volta, o dinheiro, as mulheres, mas passa ao largo de tudo isso. Até que, quando a sorte parece lhe sorrir, a maldade humana mostra do que é capaz. É um filme sobre até onde pode chegar a crueldade humana diante de um tipo despreparado para reagir à altura.

E o que é o estilo de Aki Kaurismäki, a que me referi acima? As cenas são absolutamente secas, onde pouco se fala e pouco se mostra. Não há preparo nem explicações. Por isso, todas as atitudes soam estranhas, algo irreais, mais ou menos como um telefonema que dispensasse todos os alôs, quem fala, como vai, começando diretamente pelo tema a tratar e sem agradecimentos ou despedidas, ao final. Ou, ainda, uma carta ou texto sem justificativas ou qualquer introdução, nem conclusões.

As coisas se dão sempre abruptamente, sem preparo algum, e as reações são também secas, sem se deter nas emoções. Não se destacam nem a afetividade, nem a agressividade, enquanto tais. Elas existem de forma minimalista, estão implícitas.

Vou dar um exemplo de um outro filme dele: numa cena de bebedeira, alguns poucos planos podem mostrar alguém bebendo reiteradamente para, em seguida, o personagem desabar no chão, sem controle de si mesmo. Soa estranho, mas perfeitamente compreensível, e econômico.

Trabalhando assim, é possível fazer filmes sempre curtos, já que tudo o que é elemento complementar é cortado, para ficar só com o centro do problema, ou do comportamento do personagem. Nada acontece rapidamente, por paradoxal que possa parecer. Ao contrário, o ritmo é lento, mínimo, embora absolutamente direto. Para alguns, é tudo muito estranho, muito chato. Mas é possível apreciar tal estilo e reconhecer sua originalidade. É uma questão de gosto e de se dispor a isso.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Tudo Pode Dar Certo

Tatiana Babadobulos

Tudo Pode Dar Certo (Whatever Works). Estados Unidos, 2009. Direção e Roteiro: Woody Allen. Com Larry David, Evann Rachel Wood, Patricia Clarkson, Ed Begley Jr. 92 min.

Diretor conhecido por filmar sempre perto de sua casa, em Nova York, Woody Allen quebrou a rotina quando realizou quatro filmes seguidos na Europa, sendo três na Inglaterra e um na Espanha [respectivamente “Ponto Final – Match Point” (2005), “Scoop – O Grande Furo” (2006), “Sonho de Cassandra” (2007) e “Vicky Cristina Barcelona” (2008)]. Como produz praticamente um filme por ano desde 1965, o último que fez e que chega ao Brasil é “Tudo Pode Dar Certo” (“What­ever Works”). Nesta produção, portanto, Woody Allen retorna ao lar e faz de sua cidade preferida o pano de fundo, ou melhor, uma outra personagem para a sua história. Retorna, também, à comédia, seu gênero preferido – embora tenha feito muitos dramas ultimamente.

Na fita que ele dirige e escreve, o protagonista é Boris Yellnikoff (Larry David), um aposentado que um dia ganhou um Prêmio Nobel em mecânica quântica por seu trabalho e vê sua liberdade ameaçada, depois de já ter se divorciado. Isso porque uma jovem ingênua, Melo­dy (Evann Rachel Wood), chega a Big Apple vinda do sul do país e, como não tem onde passar a noite, pede a ele para ficar um dia em seu sofá. No entanto, os dias vão se estendendo, até que ambos começam a conviver mesmo com a grande diferença de idade e todas as manias que Boris possui e das quais não abre mão (como a incessante necessidade de lavar as mãos e cantar ao mesmo tempo). Para rechear ainda mais a história, há o envolvimento de outros personagens, como os pais da menina (Patricia Clarkson e Ed Begley Jr.) e os amigos de Boris.

O longa-metragem mostra as características do diretor, principalmente na abertura (o mesmo tipo de letreiro em preto-e-branco), a orientação urbana de filmar (sempre incluindo apartamentos, cafés, restaurantes, ruas de Nova York e longos passeios pela cidade enquanto a câmera o acompanha em plano-sequência), diálogos longos e bem construídos e, sobretudo, um bom humor sarcástico e impagá­vel. Para completar, a maneira preconceituosa de tratar as pessoas, sempre se achando mais inteligente e superior a todos.

Boris é o alterego de Woody Allen, um ranzinza nato que reclama de tudo e tem aversão a badalações. Segundo ele mesmo conta, gosta mesmo é de assistir aos seus jogos de basquete e torcer para os Knicks, tocar seu clarinete e ficar com os filhos. Outra semelhança entre o roteiro e o diretor é que Woody também é casado com uma jovem cerca 30 anos mais nova que ele.

No meio dos diálogos, Allen insere o nome do longa-metragem em diversas situações, faz seu protagonista olhar para a câmera, como se estivesse falando diretamente ao espectador (e finaliza a fita desta maneira, refletindo se sobrou alguém na plateia – uma vez que seus filmes não costumam fazer sucesso e render muitos milhões nas bi­lheterias, mas possui o público cativo e Allen sempre alegou que faz filmes para se divertir). Entre as discussões, há a religião e fala também dos judeus (ele, aliás, é judeu). Há discussão sobre o cinema, o Oscar e, quando Boris liga a televisão, começa a assistir a um filme estrelado por Fred Astaire.

“Tudo Pode Dar Certo” não é o melhor filme de Woody Allen, mas com certeza reserva ao espectador momentos de bastante reflexão, descontração e divertimento com direito a pia­das inteligentes – acima da média de outras produções cinematográficas. Uma expe­riência que, sem dúvida, vale a pena – e o ingresso do cinema.