sábado, 30 de janeiro de 2010

GUERRA AO TERROR

Antonio Carlos Egypto





GUERRA AO TERROR (Hurt Locker). Estados Unidos, 2008. Direção: Kathryn Bigelow. Com Jeremy Renner, Anthony Mackie, Brian Geraghty, David Morse, Guy Pearce e Ralph Fiennes. 130 min.


“Guerra ao Terror” foi lançado em DVD no Brasil, em abril de 2009, e só agora chega aos cinemas. Assim mesmo, porque, contrariando as expectativas, o filme começou a ganhar prêmios importantes e se credenciar para um possível Oscar. Sendo assim, antes tarde do que nunca, não é mesmo? Embora o estrago já estivesse feito.

O título que o filme recebeu em português não anima mesmo. Parece mera propaganda norte-americana, para validar as intervenções militares ianques pelo mundo. No caso aqui, no Iraque. Mas o filme de Kathryn Bigelow não é isso.

Ele mostra os soldados americanos realizando cotidianamente suas “missões” de guerra em Bagdá. Tais como identificar e desativar bombas no solo, nos carros e até em homens-bomba, combater insurgentes, identificar possíveis ataques até mesmo no movimento de cabras pastando ou numa tenda de venda de DVDs piratas. Não há espaço para a gentileza ou a afetividade para com o povo invadido. Pode significar a própria morte, explodindo e voando pelos ares, ou a perda do afeto conquistado, pela morte do amigo. Uma rotina tensa, extremamente perigosa, que até põe em confronto e competição aqueles que deveriam agir em grupo.

Tudo isso acontece dentro de um tempo que é limitado, a contagem regressiva da volta para casa é feita diariamente, mas sobreviver a cada dia é um imenso desafio. Matar, conviver com a morte, vira, afinal, ato rotineiro. Nada de novo em se tratando de situações de guerra. Quem está nessa batalha não apreende o que faz lá, seu sentido -- se é que há algum – lhe escapa inteiramente. No caso do Iraque há uma intervenção brutal que se prolonga sem que os verdadeiros motivos sejam explicitados. E uma vez criada a situação, não se sai dela de modo fácil ou rápido, ainda que se constatem o equívoco e suas consequências. É a soberania e a dignidade de uma nação o que está em jogo e a responsabilidade dos invasores é inequívoca. O sofrimento dos soldados é parte integrante dessa história.

Há muita ação e boas cenas de suspense no filme que prendem o espectador, embora a sequência de fatos desgastantes da intervenção americana, naturalmente rechaçada pelos iraquianos, também se desgaste ao longo da projeção. O personagem do oficial especialista em desarmar explosivos, com sua técnica, sua determinação e sua loucura, sustenta o interesse do filme até o seu final e aí vem alguma surpresa.
Que a guerra seja uma droga parece algo tão evidente que nem se precisaria mais insistir nessa tecla, se não vivêssemos num mundo tão recheado de guerras e intervenções militares como essa, realizada pelos Estados Unidos dos Bush (pai e filho) no Iraque. Mas começar o filme escrevendo que “a guerra é uma droga”, aí já é demais. Se as imagens não disserem isso, de nada adianta uma frase como essa na abertura. Felizmente, as imagens são eloquentes nesse sentido e a frase do início soa apenas inócua e redundante. Mas será que, num nível individual, a droga da guerra pode tornar-se uma dependência?

Para quem gosta do tema e deste gênero , vem aí “Lebanon”, do diretor israelense Samuel Maoz, vencedor do Leão de Veneza em 2009, que é uma obra-prima. “Guerra ao Terror” não tem o mesmo impacto, mas é um bom filme.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Procurando Elly

Tatiana Babadobulos

"Procurando Elly" ("Darbareye Elly")
estreou dia 1º de janeiro nos cinemas (após passar pelo Festival do Rio e pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo), mas vi na semana passada no CineSESC e, de fato, me surpreendi com a produção iraniana. Muito bom, mesmo.

A fita conta a história de Elly (Taraneh Alidoosti), professora da creche onde estuda a filha de Sepideh (Golshifteh Farahani). É por ela, aliás, que Elly é convidada para viajar com sua família e, enfim, conhecer o amigo, Ahmad (Shahab Hosseini), que acabara de voltar a viver no Irã, após passar uma temporada na Alemanha.

O grupo segue para uma casa às margens do mar Cáspio para se hospedar por três dias. São irmãos, cunhados, amigos e algumas crianças. Tudo em clima familiar para se divertir e, quem sabe, arrumar o casamento para o jovem, já que ele foi infeliz no seu.

No entanto, no segundo dia da viagem Elly diz que quer ir embora, mas a amiga a impede e um incidente faz com que ela desapareça. Com ajuda das crianças, que podem dar pistas sobre para onde ela foi, todos vão em busca de Elly e os parentes começam a se mostrar insatisfeitos por terem convidado uma moça de quem mal sabiam o nome completo.

"Procurando Elly" não para. Tão logo um assunto é resolvido, logo o diretor Asghar Farhadi, também autor do roteiro, ao lado de Azad Jafarian, coloca outro enigma a ser desvendado.

O longa-metragem, que ganhou o Urso de Prata (melhor direção) no Festival de Berlim 2009, fala sobre os costumes do islamismo e mostra as mulheres vestindo o véu. Em uma passagem, um dos personagens diz falar a verdade e que basta trazer o Alcorão para que ele confirme tudo, ou seja, mostra o apreço que o iraniano tem pela religião que seguem e o quanto isso é importante para a família. Sem contar sobre os casamentos arranjados, pois a ideia, antes do desaparecimento de Elly, é que Ahmad a pedisse em casamento.

Com seus diálogos, enredo e personagens, "Procurando Elly" é desses filmes que acrescentam à vida do espectador. Com certeza, você também vai torcer para Elly ser encontrada e pode ser que fique pensando sobre o desfecho da trama, ainda que uma semana depois.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Amor Sem Escalas

Tatiana Babadobulos

Se o livro "Up in the Air", de Walter Kirn, não tivesse sido lançado em 2001, poderíamos pensar que o roteiro para o filme homônimo (mas que no Brasil está sendo chamado de "Amor Sem Escalas") foi escrito especialmente para um ator: George Clooney.

Ora, quem acompanha a carreira e um pouco que seja de sua vida pessoal sabe que se trata de um bon vivant de 48 anos, solteiro, que talvez nem pense em se casar. Assim é Ryan Bingham, personagem vivido por Clooney neste longa-metragem. Ao invés de ser ator e viajar por conta das filmagens, Ryan é executivo de uma empresa e sua função é viajar por todas as cidades dos Estados Unidos para demitir pessoas. Ou seja, ele é pago por empresas que terceirizam seu "trabalho sujo", que é encarar um funcionário de alguma instituição para demiti-lo, sem comentar os motivos.

Embora a fita não situe o espectador da época em que se passa, é fácil perceber que enfoca um período de crise econômica e, claro, pós-11 de setembro. E para escolher os personagens que vão interpretar os que foram demitidos, foi realizada pesquisa com diversas pessoas que passaram pelo drama. De fato, parece real. A maneira como esses depoimentos são mostrados na tela pelo diretor Jason Reitman (de "Juno") parece um documentário.

Um trabalho como esse (o de demitir pessoas), portanto, não poderia ser feito por alguém senão por uma pessoa que não se apega a nada: seja família, casa ou amor. Como diz o personagem, sua casa é no ar, pois ele se sente bem voando entre um destino e outro carregando apenas uma mala de mão, que é capaz de arrumar em minutos.

Além de demitir pessoas, seu trabalho consiste em fazer palestras motivacionais. E uma das coisas interessantes, já que faz analogia da vida de cada um como se fosse uma mochila, é que o espectador pode começar, sem prestar atenção, a fazer os exercícios que o personagem ensina na tela, colocando na mochila o que é essencial em sua vida e sentindo o peso dela nas costas. Ou que é preciso esvaziar a mochila antes de enchê-la novamente. Simples.

Em uma das viagens, Ryan conhece o que seria, aparentemente, sua versão feminina (ao decorrer da fita, porém, veremos outra coisa). Isso porque Alex (Vera Farmiga) é uma executiva que vive em Chicago e passa boa parte de seus dias viajando. Depois do primeiro dia, os dois começam a trocar o itinerário de suas agendas para se encontrarem casualmente em algum hotel. Uma das cenas mais bizarras que protagonizam juntos é quando ambos começam a disputar quem tem mais cartões fidelidade que o outro, além de trocarem experiências sobre o assunto. Ryan, aliás, tem a meta de chegar a 10 milhões de milhas voadas e ser o sétimo passageiro a conseguir o feito.

Seu destino começa a querer mudar, porém, quando seu chefe contrata uma funcionária, Natalie (Anna Kendrick), que criou uma maneira de demitir os funcionários via internet, em vez de gastar dinheiro com passagens aéreas, hotéis, aluguel de carros etc. A partir de então, ele vai carregá-la a tiracolo e mostrar como faz para não ter apego a nada.

Sobre demissões, o diretor Lars von Trier mostrou no filme "O Grande Chefe", quando o dono de uma empresa pretende vendê-la, mas para não mostrar aos seus funcionários seu caráter, precisa de um chefe fictício e, então, contrata um ator para desempenhar o papel do big boss para levar a culpa de mau caráter.

Clooney, que vem se tornando melhor ator a cada produção, mergulha de cabeça neste filme e mostra que está bem à vontade no papel. A cada cena, convence o espectador sobre sua opção, além de mostrar confiança ao funcionário que está demitindo. Afinal de contas, ele vai lá, se apresenta, dispensa a pessoa e lhe entrega um manual sobre os procedimentos a serem seguidos. Daí pra frente, nunca mais verá o demitido e segue para demitir outros, e outros.

A química com Vera funciona e ambos têm o timing perfeito para o roteiro que, além de ser um leve drama, tem um pouco de humor. Sem citar o nome, a fita faz uma referência à produção francesa "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", quando a protagonista pede a uma amiga para fotografar seu duende em diversos locais.

Além de discutir sobre o desapego, "Amor Sem Escalas", escrito a quatro mãos por Jason Reitman e Sheldon Turner, coloca em questão relacionamentos, principalmente quando Natalie pergunta por que Ryan não pensa em se casar e pede para ela convencê-lo do contrário. Então, ele afirma que o matrimônio é dispensável para o estilo de vida que escolheu. A fita retrata também de maneira sensível o momento em que vivemos, os avanços tecnológicos e as falhas de comunicação. "Amor Sem Escalas" é para ver e depois refletir, é para desfrutar das belas cenas, dos ensinamentos do protagonista, de se identificar com a história. E depois tocar a vida e sempre se questionar sobre o porquê das coisas.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

CHÉRI


Antonio Carlos Egypto



CHÉRI (Chéri). Inglaterra, 2009. Direção: Stephen Frears. Roteiro: Christopher Hampton. Com Michelle Pfeiffer, Kathy Bates, Rupert Friend e Felicity Jones. 93 min.



Receita para criar um belo filme, que mobiliza a atenção e o interesse dos espectadores: para começar, parte-se de um romance muito bem escrito por Sidonei Gabrielle Colette (1873-1954), ou simplesmente Colette, escritora francesa de destaque na primeira metade do século XX. O romance é “Chéri”, de 1920, que fala de sedução amorosa no mundo das cortesãs de luxo na Paris do início do século XX, da Belle Époque. É uma história cheia de intrigas, rivalidades, interesses diversos, dinheiro e muita sensualidade.

Algo lhe faz lembrar de “Ligações Perigosas”, aquele filme sensacional, baseado no livro de Choderlos de Laclos, sobre jogos de sedução, intrigas sexuais e de poder, comportamento amoral? Perfeito. Então, é hora de adicionar o roteirista daquele trabalho: Christopher Hampton e seus ótimos diálogos.

E quem deve dirigir tal filme? É claro que é o realizador de “Ligações Perigosas”: o britânico Stephen Frears. E que tal adicionar ainda, como atriz principal, Michelle Pfeiffer, que se destacou naquele mesmo filme, ao lado de Glenn Close e John Malkovich? Como elementos novos, podem-se adicionar a veterana e notável atriz Kathy Bates e, para o papel de Chéri (ou Fred), o jovem Rupert Friend.

Estão aí todos os ingredientes necessários para que um talentoso trabalho cinematográfico aconteça. E não dá outra: o filme flui que é uma beleza, comunica e encanta.

Prostitutas aposentadas porque a idade começa a pesar e a destruir a beleza, Léa de Louval (Michelle Pfeiffer) e Madame Peloux (Kathy Bates) são mulheres bem sucedidas, donas de fortunas que elas têm de administrar com atenção, já que o passado foi glamouroso e cercado de homens poderosos ou notáveis, mas não há mais futuro para elas. E, ainda que ricas, são marginais que têm de conviver entre si, se não quiserem amargar isolamento e solidão. Verdade que a personagem Léa continua linda e charmosa (como a atriz). Ainda assim, seu tempo já passou e é hora de acomodar-se e, quem sabe, até de apaixonar-se.

O filho de Madame Peloux, o Chéri (Rupert Friend), é um garoto infantilizado e feminilizado, que teria muito a ganhar se pudesse aprender a ser homem de verdade pelas mãos de Léa. Mimado pelo dinheiro, apesar do abandono da mãe durante a infância, é autocentrado e egoísta, mas ainda assim acaba se tornando um amante que satisfaz Léa. Pela juventude e impetuosidade, talvez. Mas também porque, com ele, ela pode exercer seus instintos maternais. Ele vive com ela dos 19 aos 25 anos de idade. Mas uma coisa como essa não pode durar para sempre: Madame Peloux, mãe do jovem, amiga e rival de Lea, tem planos de casamento para o moço.

Aí entram os jogos de sedução, as idas e vindas, os ciúmes, as competições e frustrações, as dores de amores, sofrimento, separação, rompimento, retorno. Todos os elementos típicos que compõem esse gênero de história são muito bem arranjados por Frears, num filme que tem vivacidade, humor e agilidade, em ótima reconstituição de época, belos figurinos, ambientes que acentuam e descrevem personalidades e visão de mundo dos personagens, além de interpretações perfeitas de um elenco em que Michelle Pfeiffer brilha intensamente.

O filme explora o curioso mundo das cortesãs, que estão entre as mulheres que maior destaque conseguem na história da humanidade. Rivalizam com as santas e as militantes das causas que foram mudando o mundo. E com um charme todo especial, que alimenta as fantasias masculinas.

O diretor Stephen Frears acertou mais uma vez, tendo a chance de voltar à temática e ao mundo sinuoso de “Ligações Perigosas”, um grande êxito que ele obteve em 1988. Já lá se vão mais de 20 anos!

Frears vem de sucessos recentes igualmente significativos, como “Sra Henderson apresenta” (2004), um musical inteligente e de alto astral, que mostra que o show não pode parar e que transgredir é da essência do espetáculo, ainda que estejamos em plena Segunda Guerra Mundial e Londres esteja sob bombardeio alemão. Depois disso, veio “A Rainha” (2006), que venceu o BAFTA (British Academy of Film and Television Awards) e deu o Oscar a Helen Mirren, um sucesso maior.

“Chéri” é um filme para o grande público apreciar e que os mais exigentes não terão do que reclamar. A receita não desandou, pelo contrário, resultou num produto delicioso para se desgustar.

GLÓRIA PIRES NO CINEMA


Antonio Carlos Egypto


O Brasil sempre foi pródigo em grandes atrizes que marcaram a nossa história no teatro, no cinema ou na TV. Da estirpe de uma Cacilda Becker, temos em atividade Bibi Ferreira, Fernanda Montenegro, Marília Pera, só para citar algumas.

Glória Pires é uma dessas grandes atrizes, para quem o ato de representar parece tão natural e que consegue convencer em papéis muito distintos. Ela está em cartaz nos cinemas de São Paulo em dois filmes: “Lula, o filho do Brasil”, de Fábio Barreto, e “É proibido fumar”, de Ana Muylaert.

Em “Lula, o filho do Brasil”, trata-se de reconstituir a história de superação, de luta pela sobrevivência, do homem que hoje governa o país e se tornou um mito de dimensões internacionais. O filme contribui para reforçar e ampliar o mito Lula. Rui Ricardo Dias é um ator revelação que cumpre bem o papel do Lula adulto. No entanto, é dona Lindu, a mãe de Lula, vivida por Glória Pires, quem rouba a cena. O filme segue a trajetória dela de coragem e determinação, criando seus muitos filhos com poucos recursos, em todos os sentidos, e termina com sua morte. Glória convence no papel de nordestina pobre, analfabeta, que constrói uma sabedoria de vida, se valendo de provérbios populares, um tanto de resignação e muita luta. É um papel marcante, comovedor. As situações vividas pela personagem são dramáticas praticamente todo o tempo.

Já em “É Proibido Fumar”, o registro é outro, é o da comédia do cotidiano no mundo prosaico de classe média de uma professora de violão, não muito empenhada, que acaba se envolvendo e se apaixonando pelo novo vizinho do apartamento ao lado: Max (Paulo Miklos). Ela é Baby, às voltas com um sofá que herdou de uma tia e que é cobiçado por outra irmã, e que muda o seu patamar de preocupações quando um novo caso de amor entra em cena. Mas o ciúme pode colocá-la em maus lençóis. Ou não. Nunca se sabe.

A interpretação de Glória Pires aqui também é muito convincente. Ela parece mesmo aquela figura menor de um mundo sem grandes ideais, onde as pessoas fazem o que podem para ser um pouco mais felizes, um papel quase oposto ao de dona Lindu. Ela dá vida a ambos, iluminando os dois filmes, bons cada um a seu modo. E que devem muito ao talento dessa grande atriz.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Lula, O Filho do Brasil

Tatiana Babadobulos

No início da projeção de "Lula, O Filho do Brasil", um aviso: "Se gostar, conte para mil pessoas. Se não gostar, não conte para ninguém". Eu poderia não contar, mas há motivos para dizer o contrário.

A história é baseada no livro homônimo de Denise Paraná sobre a trajetória de Luiz Inácio Lula da Silva: seu nascimento, em 1945, no interior de Pernambuco, sua mudança para São Paulo feita em um pau de arara durante 13 dias e 13 noites, juntamente com a mãe e os irmãos, até se tornar presidente do Brasil.

Lula é vivido por Felipe Falanga (criança) e Guilherme Tortolio (adolescente), mas o principal, dos 18 aos 35 anos, é interpretado por Rui Ricardo Diaz, em sua estreia no cinema. A narrativa, porém, possui uma grande elipse. Depois que é preso nos anos 1980 durante a Ditadura Militar, o desfecho é o desfile após a posse, em 2002.

Além do modo como viveu sua família, como foi sua luta para conseguir um lugar ao sol, o filme, dirigido por Fábio Barreto (indicado ao Oscar por "O Quatrilho"), destaca sua mãe, dona Lindu, vivida na tela por Gloria Pires. Isso porque, assim como em outros lares brasileiros, ela criou os oito filhos (Lula é o sétimo) depois que deixou para trás o marido, que bebia e batia nas crianças, obrigando-os a trabalhar desde cedo, e não a estudar.

É neste drama que segue a fita filmada em Pernambuco e em São Paulo, em sete cidades e em 70 locações: como Lula saiu do sertão nordestino e chegou a Santos e depois ao ABC, onde se casou com Lurdes (Cleo Pires) e, após sua morte, conheceu sua segunda mulher, Marisa Letícia (Juliana Baroni).

É nas desgraças pelas quais passou que se apoia o drama de Barreto: fome, enchente dentro de casa, falta de assistência médica que causou a morte da sua primeira esposa, pai violento etc.

As passagens da fita mostram também o curso profissionalizante do qual Lula participou para se tornar torneiro-mecânico (e o diploma escrito Luis com "s" e não com "z" como é grafado), quando perdeu seu dedo e como começou a se politizar para lutar contra as injustiças dos patrões contra os empregados. O filme não mostra, porém, a criação do PT, sua luta como opositor até se tornar presidente – antes mesmo de ocupar outro cargo na carreira pública.

Destaques positivos devem ser considerados, principalmente no que diz respeito aos atores. A começar por Gloria Pires, que dispensa apresentações e já havia trabalhado, por exemplo, em "O Quatrilho" com Barreto. E pode-se conferir que é herança de Lindu as frases feitas e os ditados populares que Lula adora proferir. A atuação de Rui Ricardo é outro destaque positivo Ele aparece pela primeira vez em cena quando está na fábrica e seu personagem vai crescendo à medida que aumenta a atuação de Lula na política nacional. O discurso que faz em um estádio de futebol é emocionante e, se quisermos profetizar, é a sequência do longa que ficará registrada na história do cinema.

Há muita polêmica acerca de um filme sobre o presidente, principalmente por valorizá-lo, chamá-lo de herói etc. No entanto, "Lula, O Filho do Brasil" vai ficar para a história por mostrar a trajetória de um dos líderes políticos mais populares do mundo. E vale ser visto como uma obra de arte e não como uma biografia, pois há quem diga que existem muitos detalhes equivocados, passagens que não aconteceram como foram descritas nas imagens. O que conhecemos, aliás, é justamente o que não está no filme, pois ficou de fora toda a história entre 1980 e 2002.

Vale dizer que há o que chamamos de "licença poética": cenas produzidas para fazer a ligação entre uma sequência e outra. O espectador pode opinar por ele mesmo depois de assistir ao filme com o coração aberto e pronto para ir às lágrimas.

Outra discussão é o orçamento. De acordo com os produtores, os recursos para o filme são todos provenientes de patrocinadores e não há verbas de governos ou estatais, nem patrocínios vinculados às leis de incentivo. Com apoio de empresas como Camargo Correia, Odebrecht, Volkswagen e muitas outras, o longa custou mais que qualquer outra produção nacional: R$ 16 milhões. Das produções brasileiras, o mais caro de que se tem notícia é “2 filhos de Francisco” (2005), que custou R$ 13,5 milhões nos valores de hoje, sendo 40% captados por meio de leis de incentivo.