quinta-feira, 20 de outubro de 2016

BELOS SONHOS

  
Antonio Carlos Egypto




BELOS SONHOS (Fai Bei Sogni).  Itália, 2016.  Direção: Marco Bellocchio.  Com Valerio Mastrandrea, Bérénice Bejo, Guido Caprino, Nicolò Cabras, Emmanuelle Devos.  134 min.



Filme de abertura da 40ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, “Belos Sonhos”, de Marco Bellocchio, é um trabalho forte, intenso e honesto.  É baseado no romance autobiográfico do jornalista e dirigente do jornal La Stampa, Massimo Gramelline. 

A trama começa por nos mostrar o trauma original da vida do menino Massimo: a perda, aos 9 anos de idade, de forma súbita, da mãe tão amada e tão próxima.  Companheira de brincadeiras, dança e medo diante dos filmes de terror clássicos, figura jovem e cheia de energia.




Essa morte se torna misteriosa para ele, que se recusa a aceitá-la.  Chega o período da adolescência e Massimo ainda sente de forma dolorida aquela perda tão absurda e incompreensível.  Só na vida adulta, trinta anos depois, é que o jornalista Massimo resolve ir a fundo para tentar entender o que se passou.  O filme trabalha alternadamente nos três tempos da história do personagem, enfatizando o menino que vive no coração do adulto.

O drama de uma vida, uma história marcante, que assume dimensões trágicas, mesmo na aparente placidez da vida de classe média e do convívio com gente abastada.  Um trauma que rege uma existência, mesmo diante do reconhecimento e do sucesso profissional.  Sucesso que se potencializa quando uma carta de resposta a um leitor expõe os sentimentos do escriba com franqueza.




Tudo que é vivido, lembrado, reconstituído, passa pelo crivo não só da memória seletiva, que nos protege dos sentimentos ou desejos sombrios ou degradantes, mas também da torrente de emoções do momento que provoca o abalo.  Às vezes, como no caso de Massimo, são necessários trinta anos para que se possa encarar os fatos.  Eu diria, até, conhecê-los pela primeira vez.  De que outra forma podemos preservar nossos belos sonhos?  Bellocchio encontrou o clima certo para nos provocar e nos fazer olhar para a história desse personagem com mais profundidade e humanidade.  O que poderia se converter num dramalhão lacrimoso resulta num drama psicológico denso e consistente, nas mãos desse cineasta que extrai de seu elenco desempenhos que trazem à tona os sentimentos e sofrimentos mais fortes, sempre num tom contido.  Às vezes, preso, sufocado. 

Esse mais recente trabalho de Marco Bellocchio está na 40ª. Mostra, ao lado de outros 11 títulos do diretor e da presença dele em São Paulo.  Um dos grandes cineastas da atualidade e um digno representante do melhor cinema italiano, especialmente o político.


Marco Bellocchio

Bellocchio merece toda a atenção dos cinéfilos e só se tem a ganhar com a revisão de alguns de seus grandes trabalhos, como “Bom-Dia, Noite”, de 2003, ou “Vincere”, de 2009, por exemplo.  O cartaz que ele fez para a Mostra é um dos mais bonitos da série histórica de cartazes concebidos pelos cineastas que aportaram por aqui no evento. 


Quem não conseguir assistir a “Belos Sonhos” durante a Mostra, poderá fazê-lo no circuito comercial, no final de dezembro, às vésperas do Ano Novo, quando o filme está previsto para estrear.  Mas aproveite a oportunidade da 40ª. Mostra para ver outros filmes de Marco Bellocchio.  Vale muito a pena conhecer ou revisar essa obra.



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