quarta-feira, 24 de junho de 2015

O ÚLTIMO POEMA DO RINOCERONTE


Antonio Carlos Egypto





O ÚLTIMO POEMA DO RINOCERONTE (Fasle Kargadan).  Turquia/Irã, 2012.  Direção e roteiro de Bahman Ghobadi.  Com Behrouz Vossoughi, Monica Bellucci, Ylmaz Erdogan, Caner Cindoruk, Beren Saat.  103 min.


Quem conhece os longas “Tempo de Embebedar Cavalos”, de 2000, e “Tartarugas Podem Voar”, de 2004, sabe que os trabalhos cinematográficos de Bahman Ghobadi são esteticamente impecáveis e absolutamente sedutores.

Ghobadi é um dos mais importantes cineastas iranianos, faz parte de uma fantástica leva de criadores, como Abbas Kiarostami, de quem foi assistente, Moshen Makmalbaf, Jafar Panahi, Asghar Farhadi, entre outros. 




O cineasta tem origem curda, uma etnia sem Estado, mas presente numa ampla região cultural e geográfica que inclui Turquia, Irã, Iraque, Síria, Azerbaijão.  Tem se dedicado a contar histórias de exclusão e opressão de seu povo, em especial dos que habitam o Irã.

“O Último Poema do Rinoceronte”, produzido por Martin Scorsese, baseia-se nos diários do poeta iraniano-curdo Sadegh Kamangar e conta a história do poeta Sahel e sua esposa Mina, encarcerados sem justificativa plausível durante a Revolução Islâmica, dos aiatolás, que pôs fim ao regime do Xá, em 1979.




Ao componente da opressão política, se agrega uma estranha questão amorosa: um dos motoristas-seguranças do novo regime se enamorou de Mina e procurou protegê-la, enquanto o poeta Sahel amargaria longa prisão.  Mais do que isso: o poeta foi declarado oficialmente como morto, tendo até um simulacro de túmulo, mesmo sem que o corpo tivesse sido mostrado. 

O retorno do poeta ao mundo dos vivos, 30 anos depois, é o centro da filmagem de “O Último Poema do Rinoceronte”, em que percepções, sentimentos, estranheza e exclusão ocupam a cena, sem preocupação com a cronologia dos fatos ou explicações de nenhuma ordem.  Isso pode dificultar um pouco o entendimento de um caso desconhecido para nós, mas, por outro lado, dá margem a uma elaboração estética absolutamente admirável.




O que se vê são maravilhosos e variados enquadramentos, uso criativo da luz, da água, de fusões de imagens, de belas e estranhas locações na Turquia.  A estética é tão envolvente que revela, mas quase chega a sufocar, a temática política, mesmo sendo concebida para ela e se colocado a seu serviço.  Cada plano é digno de admiração e as sequências são brilhantes.  Referências a seus outros filmes também aparecem: há cavalos em close e tartarugas que voam por aqui, além, é claro, dos rinocerontes do poema.  A história vai sendo tecida a partir das citações poéticas de Sahel, palavras que para ele são salvação e maldição a um só tempo.

A atriz italiana Monica Bellucci, em belo desempenho, diz: “Para mim, esse é um dos papéis mais fortes que já fiz.  Eu não sou iraniana, mas consigo entender as mulheres de lá”.  O ator Behrouz Vossoughi deve ter se inspirado em sua própria experiência de ser removido de sua cultura, fugiu do Irã em 1978 e trabalha para a TV americana, atualmente.  O diretor Bahman Ghobadi, assim como quase todos os expoentes do cinema iraniano, também  teve de se exilar em 2009.  Arte e fundamentalismo religioso definitivamente não combinam.  


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