terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

TIMBUKTU


Antonio Carlos Egypto




TIMBUKTU (Timbuktu).  Mauritânia, França, 2014.  Direção: Abderrahmane Sissako.  Com Ibrahim Ahmed aka Pino, Toulou Kiki, Abel Jafri.  97 min.


“Timbuktu” é um dos cinco finalistas na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro.  Representante da Mauritânia, país norte-africano que faz fronteira com o Marrocos, é um trabalho que impacta, tanto pela forma, quanto pelo conteúdo.

Para começar, pela belíssima fotografia que explora a vastidão das tonalidades de bege da região desértica onde se situa a ação. A areia levantada pelo vento, os deslocamentos dos veículos e das pessoas, o sol que reflete, a noite que desce e produz belas silhuetas, o rio que corre e se compõe com a paisagem arenosa e a pequena aldeia com suas tendas e habitações pobres formam um cenário sedutor, que é muito bem esquadrinhado por câmeras que penetram por todos os espaços.  Os enquadramentos são magníficos.  O plano geral que culmina com uma morte em consequência de uma briga no rio é, talvez, o mais deslumbrante momento de “Timbuktu”.  É muita beleza para tanta pobreza e sofrimento.  Mas quem gosta de cinema não vai deixar de apreciar tudo isso na tela grande e insubstituível das salas de cinema, quando se vê um filme como esse.




 O cineasta Abderrahmane Sissako é um esteta talentoso e ousado e sua coragem para abordar a realidade que escolheu tratar não fica atrás.  O filme mostra, por meio de diferentes personagens, o que significa para a pequena localidade de Timbuktu, no norte do Mali, a ocupação da aldeia por islâmicos radicais.

O fundamentalismo religioso determinando ações já tem demonstrado fortemente que resulta em tragédia.  Aqui, a ênfase maior está no sofrimento cotidiano, surdo e opressor, que também produz tragédias, mas que antes expulsa uma população que foge para não ter que suportar barbaridades que inviabilizam seu dia-a-dia.  Como as proibições de música e futebol, além de bebida e de fumo.  As mulheres, além de terem de cobrir a cabeça com véus, são forçadas a usar luvas e vestir meias para tudo.  O convívio conjugal sem casamento religioso é punido enterrando-se os “pecaminosos” até a cabeça e matando-os por apedrejamento. Todas essas coisas, de uma violência ímpar, são impostas sem maiores exteriorizações, em tom baixo, aparentemente religioso, mas sem direito ao perdão e sem piedade.  Julga-se e mata-se em nome de Alá, do Profeta, de Deus.  A justiça e a polícia islâmica ali retratadas são  implacáveis.




Quando se aplicam chibatadas para os pecados mais leves, o grito se impõe.  Como suportar tanta injustiça?  Mas também há lugar para a rebeldia juvenil: uma das boas cenas do filme é o jogo de futebol praticado pelos meninos sem bola. Sensacional!

O diretor não deixa dúvidas quanto ao que ele quer denunciar e quanto à sua posição sobre o fundamentalismo religioso que viceja na sua região e se espalha pelo mundo.  E o tão belo e artístico “Timbuktu” não deixa de ser um filme de horror.  Triste e muito realista.

O filme da Mauritânia tem todos os méritos para estar na disputa pelo Oscar de filme de língua não-inglesa.   É difícil que seja o escolhido.  Mas ter chegado à disputa final já lhe deu uma visibilidade importante e merecida.


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