quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

DEPOIS DA CHUVA


Antonio Carlos Egypto




DEPOIS DA CHUVA.  Brasil, 2013.  Direção: Cláudio Marques e Marília Hughes.  Com Pedro Maia, Sophia Corral, Talis Castro, Aícha Marques, Ricardo Pisani, Victor Corujeira.  90 min.


No começo dos anos 1980, a ditadura civil-militar brasileira perdia força progressivamente, enquanto tentava uma transição para a normalidade democrática, que pudesse se fazer por meio de uma abertura lenta, gradual e segura.  A lei da anistia cimentaria uma espécie de esquecimento dos crimes praticados de lado a lado, ou seja, a resistência armada sendo equiparada à tortura oficial do regime.

O fato é que o movimento pelas diretas já acendeu uma grande esperança no povo, já farto do regime autoritário que se arrastava por duas décadas, infelicitando a nação brasileira.  Os comícios organizados reuniam grandes multidões e diversas tendências políticas, que tinham em comum a luta pela reconstrução do Estado de Direito no Brasil.  O clima era, portanto, tenso, mas promissor.  As reuniões e debates já podiam acontecer à luz do dia.  E, afinal, seria mesmo uma questão de tempo.  Mas, antes que o ideal da redemocratização pudesse acontecer, o país ainda viveria duas enormes frustrações: as eleições diretas para presidente não vieram, foi preciso criar uma engenharia política para eleger Tancredo Neves pela via indireta e, eleito, Tancredo morreu antes de que pudesse tomar posse.  As esperanças geraram frustração, desencanto.  Embora a transição tenha se realizado a contento, com o governo de José Sarney, o vice de Tancredo, passamos da euforia à depressão.




Esse momento político marcante da nossa história está presente na ficção “Depois da Chuva”, de Cláudio Marques (também roteirista do filme) e Marília Hughes, por meio do microcosmo de Caio (Pedro Maia), na sua vida de aluno do colegial, atual ensino médio. 

Nas suas relações pessoais, no envolvimento com o grêmio da escola em vias de reativação, descobrindo o amor, a amizade e o peso da política na vida de cada um, ele vive mergulhado no inconformismo, na contestação, orientado por uma perspectiva genericamente anarquista que olha mais para o desencanto do que para a esperança.  Ainda que flerte com ela: chega a apresentar uma candidatura ao grêmio estudantil, após pregar a anulação do voto.  Seus pais estão distantes dos seus dilemas e preocupações, de uma forma ou de outra, estão cuidando de suas próprias coisas e isso já parece ser muito.




O filme se concentra no clima, no dia-a-dia escolar, nas questões existenciais dos jovens, no rock rebelde que se opunha à MPB contestadora da época, na escala reduzida de uma escola em Salvador, na Bahia, e por meio dela remete ao que se vivia no país.  No instante recortado dessa história, a frustração se impõe, dando a dimensão de um desencontro que, supostamente, ainda esteja aí como consequência de tudo aquilo.

No entanto, se olharmos para o que se construiu depois disso, há que se reconhecer o muito que se conquistou na solidificação de uma democracia plena de direitos, das instituições, além de palpáveis avanços econômicos e sociais. Ansiamos hoje por novos modelos de atuação política dentro do espectro democrático, buscando solidificá-la em bases de representação e participação mais sólidas e eficazes.  A batalha do período retratado por “Depois da Chuva” já foi vencida.  E isso não é pouco.




Revisitar esses períodos recentes da nossa história por meio de memória da experiência vivida e de lembrança de seus embates dentro e fora de cada um de nós, como fez o filme baiano, é um bom caminho ficcional que o cinema brasileiro pode explorar mais.  Contribui para a reconstituição das verdades que não só uma comissão nacional designada para esse fim tem a obrigação de resgatar.


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