sexta-feira, 31 de outubro de 2014

NABAT

 Antonio Carlos Egypto



NABAT (Nabat).  Azerbaijão, 2014.  Direção: Elchin Musaoglu.  Com: Fatemeh Motamed Arya, Vidadi Aliyev, Sabir Mamadov, Farhad Israfilov.  105 min.


Um dos grandes prazeres em acompanhar a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é descobrir pérolas escondidas numa vasta programação de mais de 300 filmes.  São, muitas vezes, pequenas produções de países distantes e que não se destacam especialmente pelo cinema.  As poucas sessões dedicadas a filmes como esses podem ter sido mal localizadas, em salas menos centrais, por isso menos concorridas.

Foi exatamente esse o caso do filme “Nabat”, produção do Azerbaijão, do diretor Elchin Musaoglu, estreando em longas-metragens.  Ele teve sessões na sala da biblioteca Mário de Andrade, na Matilha Cultural, na Cinemateca e apenas uma, na região da Av. Paulista: no cine Livraria Cultura.  Como gosto de garimpar em busca das tais pérolas, arrisquei essa escolha e fui até a Cinemateca.  Fiquei maravilhado com o que vi.  A começar pela qualidade da projeção: impecável.  A sala nem estava cheia, mas tinha um público razoável.  O filme, de uma beleza incrível.

Cada plano daria um quadro, um filme luminoso, de encantar o olhar.  A locação, uma pequena vila rural cercada de montanhas, de uma natureza exuberante, perfeita para compor a obra cinematográfica do ponto de vista plástico.




Confesso que o que acontecia, ou deixava de acontecer, me envolvia muito menos do que apreciar a fotografia, os enquadramentos, a luz, a beleza do lugar.  Quem diria que um diretor de cinema estreante, da ex-república soviética do Azerbaijão, seria capaz de produzir tanta beleza?  Ele cursou o Instituto de Arte e Cultura do seu país e o Instituto Estatal de Arte Teatral de Moscou, que devem ter sido de grande valia para desenvolver o seu talento, sobretudo, visual.

A trama remete à vida numa pequena vila, que vai sendo atingida por uma guerra que só cresce.  Nabat (Fatemeh Motamed Arya) vive com seu marido velho e doente, afastada do centro da vila.  O filho foi morto em batalha.  Mas não se vê a guerra, só se ouvem os tiros, os animais que vão sumindo e as pessoas que vão abandonando suas casas.  Restará uma loba.

A sobrevivência vai se tornando cada vez mais difícil, à medida em que o leite da única vaca que possuem já não tem nem mesmo quem pague para consumi-lo.  Apesar disso, a fome não é iminente: sobram coisas nas casas, há árvores frutíferas despencando seus frutos.  Mas Nabat vai vivendo uma experiência cada vez mais solitária.




Acompanha-se essa narrativa sofrida e quase sem diálogos, porque cada vez há menos gente, mas o filme se mantém forte e belo o tempo todo.  Duvido  que mesmo os que não suportam o ritmo lento e os tempos mortos no cinema consigam sair da sessão num filme tão belo como esse.  Na em que eu estive, ninguém saiu.  Todos apreciaram no maior silêncio e, surpreendentemente, sem que os celulares acendessem, atrapalhando a concentração dos demais.  Bom sinal.

No entanto, vocês podem me perguntar: por que escrever sobre um filme que ninguém mais vai ver e que não vai entrar no circuito dos cinemas?  E eu lhes digo.  Primeiro, porque eu gosto de escrever sobre os filmes que têm a capacidade de me maravilhar.  Até para não esquecê-los.  Segundo, porque quem sabe assim eu contribua para que algum exibidor brasileiro se anime a trazê-lo para o nosso circuito.  Os cinéfilos certamente agradeceriam.


Nenhum comentário:

Postar um comentário