domingo, 30 de março de 2014

ENTRE NÓS

Antonio Carlos Egypto



ENTRE NÓS.  Brasil, 2013.  Direção: Paulo Morelli.  Com Caio Blat, Carolina Dieckman, Maria Ribeiro, Paulo Vilhena, Júlio Andrade, Martha Nowill, Lee Taylor.  101 min.


O reencontro anos mais tarde de um grupo de amigos, que se curtiam na juventude e se afastaram, é um tema que tem sido explorado tanto na literatura quanto no cinema.  Há margem, mesmo, para muitas histórias diferentes.

No caso de “Entre Nós”, o novo longa de Paulo Morelli, trata-se de um grupo de jovens, na faixa dos 20 e poucos anos, que tem em comum o gosto pela literatura e pretensões a viver dela, seja como escritores, seja como crítico literário.  São sete amigos, quatro rapazes e três moças, que passam um tempo juntos na casa de Silvana (Maria Ribeiro), num paradisíaco recanto da Serra da Mantiqueira, em São Francisco Xavier. 



Há aspirantes a escritor terminando seus livros, outros, tentando começar, muitas expectativas e muitos planos, sobretudo de publicações, para o futuro.  Cartas são escritas para serem lidas bem depois, quando cada um poderá avaliar para si mesmo e diante dos outros como as coisas se deram.  Mas nem tudo sai muito bem, nesse período.

Ainda assim, o grupo manterá o combinado e se reunirá quando já estiverem se aproximando da emblemática casa dos 40 anos, isto é, dez anos depois.  Reencontrar as pessoas e suas aspirações passadas pode ser um desafio e tanto, diante das muitas coisas que aconteceram e da tragédia que ocorreu naquele encontro original.  O que fazer com as frustrações amorosas, os fracassos e sucessos profissionais, as lembranças, tanto doces, quanto trágicas?

Essa é a trama de um filme que se foca em personagens de classe média, às voltas com seus dilemas e questões éticas importantes.  Felipe (Caio Blat), escritor, e Lúcia (Carolina Dieckman), agora casados e com um filho pequeno, Cazé (Júlio Andrade), crítico literário, e Drica (Martha Nowill) também vivem juntos, mas sem filhos, Gus (Paulo Vilhena) não se encontrou, nem na profissão, nem no amor, e Rafa (Lee Taylor), um talento literário, já não está entre eles.  Quanto à Silvana, andou pelo exterior e não pensa em vínculos estáveis ou filhos.



O momento do reencontro é o ano de 2002, mas as mulheres estão mais voltadas para o ambiente familiar, seja por não terem conseguido realizar intentos literários, seja porque dão mais importância à vida doméstica.  Os homens se voltam para a profissão e, quando falham, como no caso de Gus, se sentem inúteis.  No filme, os comportamentos são abertos, descolados até, mas, paradoxalmente, os padrões de gênero não estão suficientemente avançados quanto à esfera pública.  Em casa, os homens cozinham, arrumam as coisas e tal, mas para as mulheres acaba sobrando a preocupação com os filhos ou a ausência deles.  No caso de Silvana, que tem uma bela propriedade,  é viajada e independente, não fica clara a origem do seu dinheiro e alguma possível atuação profissional.  Riqueza familiar?  O fato é que, de um jeito ou de outro, cada um tem seus segredos, esconde algo dos amigos ou até de si mesmo.

“Entre Nós” faz pensar, é esteticamente bonito, tem belíssimas locações e enquadramentos de câmera, cria suspense, reflete sobre relacionamentos humanos e as consequências não só da passagem do tempo em si, mas do que foi feito com ele a partir do que aconteceu antes.  Tem um bom elenco, sobretudo feminino, e Caio Blat vive o papel mais atormentado com competência.



Tem um bom mote que segura o interesse do filme: cartas foram escritas e enterradas em 1992, para serem lidas dez anos depois, e o significado delas, ainda que aparentemente pudesse ser banal, vai contar muito quando forem desenterradas e lidas por seus autores.  A carta de Rafa, que já não está ali, especialmente.  A história criada a partir da pedra que marca o local  do enterro das cartas é um bom recurso narrativo, também visual.  O espectador se mantém no suspense, interessado pelo desfecho. 

O argumento e o roteiro são do próprio diretor Paulo Morelli e de seu filho Pedro, que atuou ainda como codiretor.  Eles escreveram um drama sério e denso, mas que inclui humor e leveza.  Nem tudo está tão claro ou bem amarrado, como conviria a uma história como essa, mas isso não chega a atrapalhar a eficácia da narrativa, nem a capacidade de comunicação com o público.


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