quarta-feira, 2 de março de 2011

LOPE

Antonio Carlos Egypto


LOPE (Lope). Espanha-Brasil, 2010. Direção: Andrucha Waddington. Com Alberto Ammann, Leonor Watling, Pilar Lopez de Ayala, Luis Tosar, Selton Mello, Sônia Braga. 106 min.

“Lope” é uma cinebiografia da juventude de Lope de Vega, dramaturgo, poeta lírico e romancista, um dos nomes mais importantes da literatura espanhola de todos os tempos. Nascido em 1562, viveu até 1635, tendo sido contemporâneo de William Shakespeare (1564-1616) e do seu conterrâneo, alguns anos mais velho, Miguel de Cervantes (1547-1616).

Vendo aos olhos de hoje, Shakespeare e Cervantes são tão grandes que ofuscam qualquer tipo de concorrência. Ocorre que Lope da Vega viveu bem mais do que o bardo inglês e produziu uma obra enorme, bem maior do que a de Cervantes, da qual boa parte se perdeu.

O filme focaliza a fase jovem do artista, centrando-se principalmente num triângulo amoroso que quase o destrói. Mas o amor de duas mulheres acaba por salvá-lo e lhe permitir viver uma longa e intensa vida produtiva.


Lope, segundo o filme, seria não só um apaixonado amante das mulheres, como alguém intempestivo, capaz de desafiar as regras e, literalmente, como se diz hoje, capaz de “chutar o pau da barraca”. Tesão e arroubos da juventude, espírito inquieto, contestador e criativo, foram capazes de levá-lo tanto à glória e ao sucesso popular no teatro, quanto a intensas aventuras e dramas passionais, nessa época de sua vida.

Inovava como dramaturgo, ao ousar misturar tragédia e comédia, rompendo com os cânones do teatro que então se fazia. Ambicioso e autoconfiante, se permitiu “melhorar” texto de Cervantes, quando contratado como copista. Audácia não lhe faltava. Talvez lhe faltasse, nesse período, moderação e equilíbrio. Sua vida poderia ter sido muito mais tranquila se tivesse tais atributos. Lidaria com seus conflitos muito melhor. É o que se deduz do filme. Mas, se fosse assim, a narrativa de “Lope” seria muito menos interessante.

O personagem é fascinante e a direção do brasileiro Andrucha Waddington cria uma mise-en-scène que o valoriza muito, destacando sua sensibilidade e humanidade, ao mesmo tempo em que mostra toda a sua vulnerabilidade, evitando o tratamento heróico.

O filme nos transporta visualmente a uma época de pouca luz, cores escuras e pouco brilho, que combina com um ambiente onde a higiene era mais do que precária, virtualmente desconhecida. Os dentes eram negros e os trajes, sujos. As moradias, mesmo as dos ricos, tendiam a ser insalubres. O convívio com a natureza e os animais, muito intenso, e as grandes paisagens permitem planos panorâmicos muito bonitos. E a película prende a atenção e envolve o público, também em função do ritmo em que se desenvolve a trama. Um belo espetáculo.

Andrucha tem, assim, a oportunidade de realizar um épico com uma produção internacional muito bem cuidada com um ótimo elenco, que lhe permitiu obter grandes desempenhos. Com direito a pequenos papéis para Sônia Braga e Selton Mello.

Seus trabalhos anteriores podem não ter tido todos esses recursos, mas já mostravam o talento do diretor e sua capacidade de extrair grandes desempenhos de seus atores. Também, pudera: “Casa de Areia”, de 2005, tinha nada mais, nada menos, do que Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, na paisagem deslumbrante dos lençóis maranhenses. “Eu, Tu, Eles”, de 2000, não ficava atrás, com Regina Casé, Lima Duarte e Stênio Garcia, no sertão nordestino. Nois dois casos, belos ambientes que são também áridos e capazes de sufocar. Nisso se parecem com a Europa renascentista de “Lope”, que ainda apresenta traços do período medieval.

Nenhum comentário:

Postar um comentário