sexta-feira, 18 de junho de 2010

O PROFETA


Antonio Carlos Egypto



O PROFETA (Un Prophéte). França, 2009. Direção: Jacques Audiard. Com Tahar Rahim, Niels Arestrup, Adél Bencherif. 150 min.


Há quem rejeite filmes muito violentos, com cenas de crueldade explícitas, que vertem sangue. Dá para entender tal ojeriza, pelo mal estar que causam, pelo que incomodam. E, certamente, a atração pela violência, seja de que forma for, não é uma coisa a ser valorizada.

No entanto, a violência faz parte do cotidiano, nos desafia e põe à prova. Parece impossível apartar-se dela. É provável que quem não tenha muito estômago para essas coisas deixe de ver “O Profeta”, o filme de Jacques Audiard, que levou o grande prêmio do júri no Festival de Cannes, nove prêmios César, o BAFTA, e indicações ao Oscar de Filme Estrangeiro e ao Globo de Ouro. O problema é que perderá um belo trabalho cinematográfico.

“O Profeta” conta a história de um jovem prisioneiro árabe, que não entende nada do que se passa ali na prisão onde foi colocado, sofre discriminação e humilhações ao penetrar nesse universo para o qual não está preparado. Ele tenta se defender, se isolando, passando ao largo das situações. Mas não há saída, ele precisa de proteção e isso tem um preço alto. Ele paga e aprende. Aprende tanto que vai acabar se tornando um dos agentes da violência à moda da Máfia.

O aprendizado de Malik, vivido pelo ótimo ator Tahar Rahim, é a famosa escola do crime, que, cada vez mais, se organiza e se torna ultraviolento. No jogo de vida ou morte que é o confronto de gangues do tráfico e de outras modalidades de ação criminosa, não há lugar senão para a crueldade, para a agressão desmedida, para o domínio totalitário e absoluto dos “protegidos”. O confronto está sempre no ar e a desconfiança está na base de todas as relações que se estabelecem.

“O Profeta” mostra isso muito de perto, com detalhes, de modo tenso e envolvente. Muito, muito real. As cenas são muito bem construídas, o ritmo é perfeito e tudo o que se mostra compõe um painel ao qual é impossível se ficar indiferente. O filme é longo, o sofrimento do protagonista é permanente, mas, apesar disso, o tempo passa depressa. E fica uma sensação de termos vivido algo tão intenso e assustador, que será difícil esquecer. E que, de alguma forma, nos modifica, nos transtorna.

Não é agradável, por certo. Mas não é preciso ser masoquista para valorizar a experiência vivida no cinema. Rejeitá-la, pura e simplesmente, pode significar apenas que estamos querendo dar as costas a uma situação que atinge todos, de uma forma ou de outra. Sensibilizar-se com ela pode nos ajudar a ser um pouco mais proativos no mundo, quem sabe?

No confronto prisional exposto pelo filme, um árabe se aproxima dos corsos, em busca de sobrevivência e atua contra a própria vontade, matando um muçulmano. Este sobreviverá como interlocutor fantasmagórico de Malik, numa das belas soluções que o filme apresenta.

Os muçulmanos, na cadeia, de minoria passam, com o tempo, a ser maioria, adquirem poder e serão capazes de dar as cartas, que sempre estiveram em mãos dos corsos. A alegoria com o crescimento da importância e do poder dos muçulmanos hoje no mundo parece muito clara.

E por que “O Profeta”? Isso não é tão claro. Mas profetas são os que vêm à frente, enxergam antes, antecipam eventos e situações. Daí advém o seu poder, religioso ou não. É o profeta que acaba dominando a cena e isso pode ser interpretado tanto no sentido individual quanto no sentido grupal.

Neste filme, as imagens falam por si, com tal intensidade, como se espera do melhor cinema, que vale a pena sair transtornado da sala de projeção. Mas, se puder, evite a pipoca e a coca-cola, para não engasgar, nem passar mal.

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